'Tratoraço'
Bolsonaro recua na política do orçamento secreto
Criadas em projeto de lei de iniciativa do governo para a LDO de 2020, essas emendas, identificadas no orçamento sob o código RP-9, vêm sendo usadas pelo governo para cortejar deputados e senadores aliados
O governo informou, em nota à imprensa, que já havia vetado o dispositivo do RP-9 em anos anteriores. Deixou de mencionar, porém, que o presidente Jair Bolsonaro, depois de vetar a emenda de relator-geral na LDO de 2020, enviou ao Congresso um projeto de lei para criar a emenda de relator-geral do orçamento, por iniciativa do então ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Luiz Eduardo Ramos, conforme revelou o Estadão.
Os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso Nacional, em tese. O que poderia levar o Congresso a derrubar o veto do RP-9 é que o Centrão e até deputados da oposição fechados com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), se acostumaram com as emendas extras. Procurados pela reportagem, os líderes do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), e na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), não responderam se vão se empenhar nas articulações para impedir a derrubada do veto.
Como o
Estadão tem demonstrado,
a base do governo é montada em torno do orçamento secreto, que influenciou a própria eleição das presidências da Câmara e do Senado. Além de atropelarem as leis orçamentárias, as emendas de relator-geral multiplicaram a verba que parlamentares influentes podem destinar aos locais que os elegeram.
As emendas individuais, previstas na Constituição, permitem R$ 16 milhões por ano, sendo que 50% são de destinação livre e a outra metade deve ser usada na área da saúde. Já com o orçamento secreto, a situação é outra. O Estadão mostrou que, em dezembro de 2020, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), obteve o empenho de R$ 277 milhões, somente no âmbito do
Ministério do Desenvolvimento Regional, para destinos que o próprio parlamentar escolheu. Existe uma dúvida agora sobre como vai ser a reação se essa fonte orçamentária secar.
Das múltiplas críticas feitas ao orçamento secreto e às suas consequências para o país, o governo Jair Bolsonaro escolheu apenas duas para justificar o veto às emendas de relator-geral. No comunicado à imprensa sobre a medida, o governo disse que elas atrapalham a política fiscal e podem "prejudicar a condução e execução efetiva de políticas públicas sob responsabilidades de cada Pasta", ao engessar a despesa dos ministérios, diminuindo os recursos que cada pasta pode escolher como executar.
As emendas de relator-geral têm servido para parlamentares enviar repasses para estados diversos daqueles que os elegeram, bem como para a contratação de empresas ligadas a políticos, em franco descumprimento a Leis Orçamentárias. A quase totalidade dos recursos é destinada a aliados do governo, no que é o maior exemplo do uso do orçamento para compra de apoio.
O orçamento secreto foi comparado aos Anões do Orçamento. Para não revelarem os privilégios obtidos, senadores alegaram até risco à segurança do Estado, ao se recusarem a prestar informações sobre as verbas que puderam indicar no orçamento secreto.
No ministério preferencial para destinação das emendas de relator-geral, o do Desenvolvimento Regional, a compra de tratores virou mania entre parlamentares e o orçamento secreto bancou a compra de máquinas com superfaturamento e a celebração de convênios com sobrepreço. O ministério admitiu que os ofícios que baseavam a destinação de recursos não eram públicos, contrariando o ministro Rogério Marinho, que também direcionou repasses dentro do orçamento secreto.
Do orçamento de 2021, o governo até agora empenhou R$ 4,4 bilhões do total de R$ 16,5 bilhões nas emendas de relator-geral e pagou R$ 2,6 bilhões - sendo R$ 2,1 bilhões na Saúde. Ainda resta a maioria dos valores, que o governo já acordou com o Congresso para dividir. Ao todo, são R$ 11 bilhões para a Câmara e R$ 5 bilhões para o Senado.
Partidos acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar orçamento secreto. Enquanto as ações não são julgadas no STF, o Tribunal de Contas da União já apontou que "a realidade identificada não reflete os princípios constitucionais, as regras de transparência e a noção de accountability" e recomendou ao governo transparência. Ainda estão em andamento, no TCU, diversos processos que aprofundarão a análise sobre as denúncias de ilegalidades no orçamento secreto e de sobrepreço no Ministério do Desenvolvimento Regional e na
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). O governo mudou regra no Orçamento de 2021 em tentativa de impedir as ilegalidades manifestas, mas segue sem dar transparência às informações.
Ao Estadão, a professora e procuradora do Tribunal de Contas de São Paulo, Elida Graziane, disse que os vetos à expansão do fundo eleitoral e às emendas parlamentares que perfazem o orçamento secreto não trazem efetiva garantia de que a questão foi superada.
"O Congresso pode derrubar os vetos e manter a tendência de captura opaca e subjetiva na liberação dos recursos, sobretudo porque o que está em pauta é a disponibilidade paroquial de recursos para impactar as eleições de 2022. Falta-nos resgatar a aderência do orçamento ao planejamento setorial das políticas públicas, pois somente assim será possível haver qualidade do gasto público", disse Graziane.