Despojadas, chiques, elegantes e discretas, as casas modernistas construídas no Recife dos anos 50 desafiam o tempo da sobrevivência. Muitas foram demolidas, mas numa caminhada pela cidade é possível contemplar as residências de concreto apoiadas nas colunas em V, a coberta com empena em formato de trapézio e, com sorte, o painel à vista de um artista moderno.
As moradias – parte delas transformadas em instituição pública, outras em escola particular ou de uso comercial – representam a arquitetura brasileira, que espalha pelo País com uma nova forma de se construir. “No Recife, as edificações aproveitam o clima da região (quente e úmido), a cultura local e incorporam artistas plásticos”, diz Guilah Naslavsky, pesquisadora da arquitetura moderna há mais de 20 anos.
Não só a fachada da casa é modernista, observa Guilah, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Por fora, elas são mais abertas, esbanjam varandas, esquadrias integrando os espaços e os pilotis que criam a área livre para circulação no térreo. Algumas exibiam jardins do famoso paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994).
Do lado de dentro, as edificações “expressam mudanças significativas nos modos de morar e de conceber o espaço doméstico”, explica o arquiteto e urbanista da UFPE Luiz Amorim. “Na casa moderna, em um novo ambiente doméstico, mais fluído e sem portas, é a organização espacial que define as barreiras entre visitantes e moradores”, declara.
Rampas e as escadas helicoidais (feito um caracol), características da casa modernista, não servem apenas como ligação entre sala, cozinha e quartos. “É um convite a passear pela obra, oferecendo várias perspectivas para se apreciar o espaço interno. Cada vista é diferente da outra. Por isso não se deveria fechar esses vãos”, avisa a professora.
“As portas, que eram utilizadas para restringir o movimento e a visão nas casas pré-modernas, são substituídas por arranjos espaciais que dificultam acessos, ao mesmo tempo que ampliam os campos visuais”, complementa Luiz Amorim. Ambientes íntimos, de estar e de serviços são totalmente separados. O Recife moderno nasce pelas mãos dos arquitetos Mário Russo (italiano), Acácio Gil Borsoi (carioca) e Delfim Amorim (português), que migraram para a capital pernambucana.
Eles mudaram o perfil do modernismo no Recife, ainda ligado ao art-déco, diz Guilah. E produziram moradias para as famílias de classe média abastada da cidade (industriais, médicos e engenheiros), em endereços nobres como Graças, Casa Forte, Santana, Parnamirim, Madalena e Jaqueira. “Não bastava ser rico, mas intelectualmente desprendido para viver numa casa moderna”, comenta.
A influência do arquiteto carioca Oscar Niemeyer (1907-2012), diz ela, é visível nas casas planejadas nos anos 50 no Recife. “É uma arquitetura de vanguarda”, destaca. A partir dos anos 60, a linguagem carioca abre espaço para uma nova fase, de lajes cobertas por telha cerâmica (mais confortável para o clima) amparada em perfis metálicos, azulejo colorido revestindo fachadas, portas e janelas de madeira lembrando as moradias rurais do período colonial.
“Geraldo Gomes (arquiteto, urbanista e professor aposentado da UFPE) identifica esse estilo em Delfim Amorim. Ele classifica como as Casas de Delfim e considera o período mais rico da carreira do arquiteto”, informa Guilah. A indústria do ferro e do concreto, avalia a professora, teve forte influência na arquitetura moderna porque abriu novas possibilidades de construção.
O modernismo no Recife se apresenta na antiga moradia do engenheiro Isnard de Castro e Silva, construída em 1958 na Avenida Rui Barbosa, bairro da Jaqueira. Hoje é ocupado por um laboratório médico, o imóvel preserva o painel com motivos sertanejos do artista Reynaldo Fonseca, colocado em 1962. E na casa projetada por Borsoi em 1953, para o engenheiro Lisanel de Melo Mota, na Rua Monsenhor Ambrosino Leite (Graças), decorada com painel do artista Lula Cardoso Ayres.
A residência de alto luxo do empresário Miguel Vita, um projeto de Delfim Amorim, de 1959, era atração no bairro de Santana. “Tinha garagem para dois carros, fato raro na época, um salão enorme com espaço para piano de cauda e uma sala de costura na área de serviço”, descreve Guilah. O local, atualmente, abriga a sede da Agência Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH).