Eles nasceram do casamento do concreto armado com o elevador. Altos, arejados por cobogós, ventilação natural e revestidos de azulejos, os edifícios modernos trouxeram um novo conceito de moradia para o Recife: famílias compartilhando um mesmo imóvel, mas vivendo de forma separada.
O Inconfidência, inaugurado em 1942 no bairro de Santo Antônio; o Capibaribe, construção de 1948 em Santo Amaro; e o Acaiaca, do ano de 1957, em Boa Viagem, são referências dessa arquitetura e marcam a transição das casas residenciais para os prédios de apartamentos.
Quem costuma fazer compras no Mercado de São José, no Centro, certamente já viu o Inconfidência, conhecido pelos mais velhos como o prédio do Iapi, bem ali onde a Avenida Nossa Senhora do Carmo se encontra com a Rua da Praia. “É uma das primeiras edificações a expressar o ideal modernista no Recife”, diz o urbanista Luiz Amorim, pesquisador da arquitetura moderna.
O prédio de apartamentos duplex tinha uso misto e foi construído pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, o Iapi. “Não era destinado a operários, mas a uma faixa de renda mais alta”, informa Luiz Amorim, professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No começo, diz ele, os edifícios residenciais eram financiados por esses fundos de pensões.
Mas a ideia da habitação coletiva, esclarece o arquiteto, vem de antes dos prédios modernistas. Nos séculos 18 e 19 famílias do Recife já dividiam imóveis, em unidades individuais, sem a organização de condomínio. “Morar junto não era símbolo de status e sim uma condição de pobreza”, afirma Luiz Amorim.
“A classe média alta, que aceitava a verticalização dos escritórios, não queria viver em prédio”, observa a professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE Guilah Naslavsky, que também pesquisa o tema.
É aí que a iniciativa privada entra em cena e lança o Capibaribe, primeiro prédio residencial voltado para a classe média alta da cidade. Esbanjando glamour, olhando para o Rio Beberibe, o edifício se destacava na Rua da Aurora com dois blocos de 20 pavimentos, dois apartamentos por andar e cada um com 147 metros quadrados.
Amigo do dono da construtora, o corretor da bolsa de valores Luís de Oliveira Lobo (falecido) comprou um dos apartamentos e saiu de uma casa na Rua Barão de São Borja, para inaugurar o prédio moderno da Aurora.
“A construtora ambientava alguns e sugeria ao cliente. Meu avô comprou o apartamento com sanca, papel de parede e grade na sala, como é ainda hoje”, conta Sérgio Lobo, neto de Luís e atual morador do imóvel. “Os azulejos bisotados da cozinha, banheiro e área de serviço também são originais”, diz Telma Almeida, esposa de Sérgio.
Afagada pelo mercado imobiliário e afogada pela sequência de cheias do Rio Capibaribe, no fim dos anos 60 a classe rica se rende aos apartamentos. Privilegiada pelo mar – numa época em que tomar banho de mar estava na crista da onda – Boa Viagem surge como o bairro moderno e vertical do Recife, diz Luiz Amorim.
O Acaiaca, construído para veraneio na Avenida Boa Viagem, passa a ser usado como moradia fixa. Revestido de azulejos, com quartos e janelas de frente para o mar, totalmente ventilado, é um exemplo da tentativa dos arquitetos de adaptar o edifício vertical moderno às condições climáticas da cidade, afirma o urbanista. Para moradores do bairro, era o ponto de encontro aos domingos.
Capibaribe, Califórnia (Boa Viagem), Walfrido Antunes (Rua Gervásio Pires), Barão do Rio Branco (Rua do Giriquiti), Mirage (Rua dos Navegantes) e outros do mesmo período exibem “as técnicas construtivas e as vanguardas estéticas que fizeram do Recife um dos pioneiros da modernidade arquitetônica nacional”, declara Guilah.
Até o início dos anos 90, diz Luiz, o Recife produzia uma arquitetura reconhecida internacionalmente, com soluções, sistema construtivo e materiais inovadores.
As edificações de uso misto, bem anos 50, seguiam uma tendência do Rio de Janeiro e São Paulo. “É uma estratégia positiva, deixa a cidade mais viva”, avalia Luiz Amorim. O Pirapama, na Conde da Boa Vista, foi projetado com comércio, escritórios e moradia diversificada (quitinete, um quarto, dois quartos e três quartos) e o Duarte Coelho surge com residências, lojas, escritórios e o Cinema São Luiz.
Nos anos 60 os prédios ficam mais altos, só para habitação, com dois, três ou quatro quartos. Os apartamentos podiam ter 400 metros quadrados e a área de serviço, enorme, é típica de uma sociedade moderna que não abre mão do empregado doméstico. A moradia vertical no Recife tem início ainda nos anos 30, com prédios do tipo caixão ou apoiados em pilotis com três pavimentos. A maioria virou pó.