Estique o pescoço para olhar os prédios da arquitetura contemporânea do Recife. Imensos e cercados por muralhas, eles estão cada vez mais distantes das ruas com seus 30, 35, 40 pavimentos. E, numa nova tendência, exibem a fachada de vidro revestida com placas de alumínio composto.
Os urbanistas chamam a isso padronização da arquitetura. Não importa se você está no Espinheiro, Graças, Rosarinho, Torre, Casa Forte, Boa Viagem ou Santo Amaro. A cidade está ficando com a mesma cara em qualquer bairro.
“Recife não é mais exemplo de boa arquitetura de edifícios residenciais, como nos anos 40, 50, 60 e até o início da década de 90. Não significa que o arquiteto seja ruim, o mercado mudou”, comenta o urbanista Luiz Amorim.
Torres e muro alto andam de mãos dadas com uma maneira de viver típica de moradores das construções do século 21: sem tirar o pé de casa, a pessoa pode nadar, correr, pedalar, jogar e fazer sauna. As academias de ginástica estão dentro dos condomínios.
“Os edifícios passaram a oferecer o que a cidade tem do lado de fora dos muros”, afirma Luiz Amorim, professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Com os itens de lazer cada vez em maior número, diz ele, o mercado compensa a redução da área construída dos apartamentos. De 140 metros quadrados, as unidades foram diminuindo para 80, 60, 40 metros quadrados.
“É uma tendência desumana e perversa da arquitetura, em nome de uma segurança você cria o afastamento entre a edificação e o espaço público, que é o lugar de convívio das pessoas”, observa o urbanista Tomás Lapa, professor da UFPE.
Nas edificações atuais, acrescenta Tomás Lapa, os três primeiros pavimentos são paredões fechados, reservados para as garagens dos carros. “Com essa solução, as moradias ficam mais longe ainda das vias públicas.”
Se esse modelo for levado adiante (construção muito alta, muro alto e lazer no condomínio), alerta Luiz Amorim, o Recife que teremos será exatamente assim, com as edificações alheias à rua. “É um tipo de prédio que mata a cidade, porque aumenta a insegurança para o pedestre.”
A verticalização das cidades, esclarece Tomás, é um fato inegável e não é novo. Roma tinha prédios de cinco pavimentos, diz. “No Recife, é inevitável, pela exiguidade do território em comparação com a quantidade de habitantes”, declara.
“Se as residências ainda fossem todas horizontais, o Recife estaria batendo lá em Vitória de Santo Antão (município da Zona da Mata Sul, a 53 quilômetros da capital)”, pondera Luiz Amorim.
O prédio com muitas unidades residenciais não se apoia apenas em colunas, mas na rentabilidade do empreendimento e na redução do custo do condomínio. “E para otimizar o investimento, quanto mais repetitiva a solução arquitetônica, melhor”, destaca Tomás Lapa.
“Nós construímos para a população, a gente faz o que a população quer ou pede”, declara o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Pernambuco (Sinduscon), José Antônio de Lucas Simón.
Pelo mesmo motivo que os muros subiram de tamanho e os prédios ficaram gigantescos, a área de lazer foi embutida nas edificações, diz o empresário. “É a falta de segurança nas ruas”, sustenta.
“O mundo roda de outra forma, o que os urbanistas criticam como padronização, nós chamamos de eficiência. Não construímos fachadas de vidro revestidas com alumínio composto pelo preço, até porque o material é mais caro, mas por ser eficiente, simples assim”, diz José Antônio.
Comparada com o que vinha sendo construído, a verticalização extrema do Recife teve início no fim dos anos 90, com a bênção da Lei do Uso e Ocupação do Solo – lei municipal nº 16.176, em vigor desde 1996 – e o auxílio de novas tecnologias.
Até então, quem passeava a pé conseguia contemplar detalhes das fachadas dos prédios, sem entortar o pescoço para ver um edifício residencial com 44 andares e 129,85 metros de altura, como o Terra Brasilis, em Santana, na Zona Norte, o mais alto do Recife.
“Não há relação aceitável, lógica e coerente entre a quantidade de prédios e a quantidade de pessoas que moram neles com a capacidade das ruas de receber mais carros, a oferta de esgoto, o abastecimento d’água, a coleta de lixo e a segurança. Isso é o que preocupa”, afirma Tomás.
A prefeitura tenta harmonizar prédios e espaços públicos com muros vazados e jardins externos entre o muro e a calçada. E promete fazer a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo.