Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. "Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus", lamenta ele em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade - há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.
"Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo", comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.
"Essa saia é aberta na frente", diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. "Quero essa gola mais alta", pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: "É nosso novo Naná Vasconcelos".
O escritor se esquiva das comparações, mas "O Baile do Menino Deus" cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico "Um Conto de Natal", de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã - 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.