'No Coração do Mundo' é mais uma obra-prima do cinema mineiro

O longa entra em cartaz nas duas salas do Cinema da Fundação a partir desta quinta (1º)
João Rêgo
Publicado em 01/08/2019 às 14:00
O longa entra em cartaz nas duas salas do Cinema da Fundação a partir desta quinta (1º) Foto: Divulgação


Entre as produções nacionais recentes, poucos filmes conseguiram alinhar seu caráter político e sociológico a um escopo dramático bem estruturado. Uma tendência que concebeu aos montes obras mais preocupadas sobre o que irão contar, do que de qual maneira estão contando.

Nadando contra essa corrente, o cinema mineiro vem propondo caminhos diferentes – não à toa, desde 2016, produções do Estado vencem o Festival de Brasília. Uma das principais responsáveis por isso é a produtora audiovisual Filmes de Plástico. Criada em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, seus cineastas assinam verdadeiras obras autorais – premiadas e com frequência em festivais internacionais. Explicá-las por similaridades seria enclausurá-las em tendências da qual buscam fugir. Divagando no superficial, são na sua maioria filmes do cotidiano brasileiro – narrativas simples, ricas em elipses e concebidas sobre estruturas dramáticas potentes e sugestivas –, cada qual com suas particularidades.

Depois do premiado Temporada, do prolífico André Novais Oliveira, outra interessante obra da produtora mineira chega este ano ao Recife. No Coração do Mundo, da dupla Gabriel Martins e Maurílio Martins (contando com participação de André Novais na produção), entra em cartaz hoje nas duas salas do Cinema da Fundação.

Definir o longa, novamente, é enclausurá-lo em algo que ele não tenta ser. Não se trata de um filme “sobre” algo, mas sim “acerca”. Acompanhamos vários personagens e suas pequenas tramas sob um entorno específico: os contrastes sociais e a realidade numa favela de Contagem.

Algumas histórias vão mais a fundo, outras nem tanto – o que mais importa é o quanto a câmera consegue extrair dos personagens no mais corriqueiro gesto, reação e relação com o que está a sua volta. Isso não indica um distanciamento frio, pelo contrário. A dupla exerce um fascínio pelos seus personagens e cada particularidade que eles evocam; o moicano verde e o jeito naïve de um assassino, por exemplo, interessam mais que vê-lo em ação. É por esse caminho que o longa evita qualquer maniqueísmo possível, o drama é quase uma viagem sensorial e sentimental nas singularidades do cotidiano de cada personagem.

PERSONAGENS

Cabe também destacar cada um deles. Grace Passô entrega uma performance potente e, igualmente, enigmática (paralela à sua participação em Temporada), enquanto Bárbara Colen encarna uma mulher auto-suficiente mas cansada – o preço do seu empoderamento é uma jornada de trabalho desumana. Por último, o casal protagonizado por Leo Pyrata e Kelly Crifer é um show à parte. Da malandragem de Marcos – sempre flertando com a criminalidade, sem nunca se tornar um artifício para sua história –, até a expectativa de melhora nos olhos cansados e esperançosos de Ana. No meio disso tudo, a funkeira MC Carol ainda faz aparições pontuais na fronteira entre a comédia e a melancolia.

Mesmo com uma postura observadora, No Coração do Mundo não deixa de ser ativo. Cada pequena trama que se desenvolve transita sob um entorno de violência iminente, mesmo que não a exiba graficamente. Longe de ser um artifício, o filme vai gradualmente trazendo-a para o seu centro. Um movimento que ficcionaliza a trama sem nenhuma pressa, ou vontade de se exibir por caminhos exaustivamente já percorridos.

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