Terror 'O Farol' e 'O Paraíso Deve Ser Aqui' estreiam no Recife

Confira a crítica dos dois filmes que fazem parte das programações do Cinema da Fundação e Cinema São Luiz
João Rêgo
Publicado em 02/01/2020 às 14:09
Confira a crítica dos dois filmes que fazem parte das programações do Cinema da Fundação e Cinema São Luiz Foto: Reprodução


A programação de começo de ano nas salas do cinema do Recife começa com duas aguardadas obras: o suspense O Farol, estrelado por Robert Pattison e William Dafoe, além da docuficção O Paraíso Deve Ser Aqui, do palestino Elia Suleiman.

Após uma boa circulação em festivais pelo Recife (filme que abriu o XII Janela e um dos principais na Mostra Expectativa da Fundaj), O Farol finalmente entra em cartaz com sessões regulares na cidade. O longa chega nesta quinta-feira (02) à programação de começo de ano do Cinema São Luiz e das duas salas do Cinema da Fundação.

A obra, coproduzida pela brasileira RT Features, recebeu cinco indicações ao Film Independent Spirit Awards: Diretor, Ator, Ator Coadjuvante, Fotografia e Montagem; tendo vencido também um prêmio na quinzena de realizadores do Festival de Cannes deste ano.

Produção do cineasta norte-americano Robert Eggers, nome responsável pelo bem-recebido terror A Bruxa (2015), O Farol é o seu segundo longa-metragem. O filme traz em foco seus únicos atores participantes: o em ascensão Robert Pattison e o já consagrado William Dafoe.

A trama leva os dois, interpretando marinheiros (um jovem faroleiro e um experiente capitão), a uma ilha misteriosa onde terão que enfrentar o isolamento e a convivência entre si. Durante esse tempo, a fotografia preto e branco os acompanha sobre um clima de suspense, espectros, gore, fantasmas e mitologia marítima.

Dado como uma continuação temática ao longa anterior de Eggers, seu mais recente trabalho, de fato, faz jus as suas políticas de autor: um horror mais focado na sugestão, com alguns momentos abertos ao gráfico e ao escatológico. O que não necessariamente soe como algo bom.

Se anteriormente era a mitologia medieval da bruxaria que perpassava por subtextos de libertação feminina, agora é a mitologia marítima – de sereias, marinheiros e Davy Jones –, que se torna terreno para discussões acerca da masculinidade tóxica. O problema é, que tanto aqui, como lá, Eggers consegue transformar todos esses universos imageticamente riquíssimos em objetos cinematográficos extremamente insossos.

Não são as intenções de tratar ideias interessantes que tornem qualquer obra boa. O Farol parece estar mais interessado em ser um filme das obsessões do seu diretor do que qualquer outra coisa.

Acompanhamos planos sugestivos, escatologias e chove e não molha por quase duas horas. Como reféns, Dafoe e, principalmente, Pattison são barulhentos; atuam quase como uma força antagônica ao próprio diretor. Ambos fogem da contenção, buscam o grito, o surto, a corporalidade, que logo é aprisionada pela tendência do terror clima – a suposta oposição “inteligente” ao terror do susto, do visual.

Para compensar, Eggers ainda guarda um certo gosto pelo que se resolve na ação, mesmo que o reserve por um tempo pequeno e específico nas suas tramas. A catarse do surto é quase como uma recompensa para quem acompanhou àquilo tudo à espera de algo a mais, que mesmo assim nunca chega.

Subtextos até podem surgir aos montes, mas como cinema propriamente O Farol é um experimento limitado às suas próprias tendências. Desde a câmera em preto e branco que parece querer simular um cinema do passado (e não consegue), passando por planos sugestivos com pouca substância até a infértil concepção imagética de uma mitologia tão rica.

O PARAÍSO DEVE SER AQUI

O ano de 2019 foi excelente para o cinema, tanto no seu fazer propriamente quanto nos temas que os filmes circundaram. O Recife recebeu uma sequência de longas bastante interessante dentro deste contexto; e não estamos falando dos mais badalados Parasita e Bacurau.

Três, em específico, trouxeram no seu cerne o território (Nação, País e Cultura) como um ambiente de tensões – da geopolítica internacional até o mais íntimo dos indivíduos.

Em Amanda, do francês Mikhaël Hers, em cartaz na metade do ano passado, observamos o espaço público parisiense sob espectros do terrorismo – passear pelas ruas, praças e parques tornou-se uma espécie de resistência. Synonymes, de Nadav Lapid, exibido no XII Janela, transfigura os tensionamentos territoriais no corpo do seu protagonista: um israelense que foge para Paris renegando (sem êxito) suas origens, cravadas desde a sua língua até sua estrutura corporal.

Abrindo a programação de início de ano no Cinema da Fundação, chegamos a terceira obra: a docuficção O Paraíso Deve Ser Aqui, com estreia nas suas duas salas.

Dirigido e estrelado por Elia Suleiman, contando ainda no elenco com o mexicano Gael García Bernal, a obra narra a história do próprio Suleiman, um cineasta palestino que viaja por várias metrópoles (Nova York e Paris) tentando realizar seu filme enquanto enfrenta, dentre várias outras coisas, um sentimento de desterritorialização.

O tom da obra, uma comédia, pode incomodar alguns. Suleiman passa quase todo filme construindo esquetes pré-dispostos à uma espécie de disposição do espectador em relação à sua presença. Um humor construído no físico, no gesto e principalmente no absurdo (onde o filme mais se assemelha a Synonymes, mas por um caminho mais singelo).

Suleiman se transfigura nos planos como mais que uma presença qualquer; ele representa, sobretudo, sua nacionalidade, sua cultura e seu país. Afinal, a Palestina do cineasta é o seu corpo, como indivíduo, em deslocamento, mas quase sempre filmado parado. É o que basta para câmera captar o que precisa.

A montagem metafórica aproxima planos de uma forma primorosa; desde imagens abertas de manifestações culturais por onde o diretor passa (o plano final e o inicial são exemplares), até seus contra planos observacionais e melancólicos. No final de tudo, O Paraíso Deve Ser Aqui é um filme sutil, mas poderosamente, político.

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