Desmanche, quarto álbum de estúdio da multiartista Karina Buhr, é norteado por um grito que passa pelo punk – como som e essência – e pela necessidade de alertar sobre as violências cotidianas. É uma atmosfera já conhecida por quem acompanha a carreira solo de Karina, já estava presente nos álbuns anteriores, principalmente o antecessor, Selvática (2015), que anuncia desde o título a que veio. O novo trabalho será apresentado aos recifenses hoje à noite, fechando a primeira noite do festival Rec–Beat no Carnaval 2020, no Cais da Alfândega, no Recife.
Por referenciar diretamente o ambiente de caos político e social brasileiro dos últimos anos, Desmanche soa ainda mais rasgado, mas vem de um sentimento nutrido pela cantora e compositora há muito tempo. “Em 2016 fiz algumas das músicas e elas ficaram guardadas, apurando. Quando resolvi gravar, em 2019, mudei coisas nelas, fiz outras músicas e letras e o Desmanche veio, com essa ideia de guerrear e também tomar um banho num rio imaginário, com pedras polidas por Oxum”, conta Karina em entrevista ao Jornal do Commercio.
Se compararmos Desmanche ao primeiro álbum solo de Karina Buhr, Eu Menti Pra Você (2010), se tem a impressão de que tanto essa narrativa, quanto a musicalidade, e ainda a performance ao vivo, têm se intensificado gradativamente. Karina explica que o caminho, na verdade, foi algo quase oposto, com as apresentações ao vivo – sempre arrebatadoras – sugerindo novos rumos. A coisa tende a ficar mais grave e intensa, já que agora a bateria foi substituída por percussões.
“Isso sempre existiu forte e está nas minhas ideias e letras, o que aconteceu foi que, naturalmente, muito puxado pelos shows, o som foi ficando mais pesado. Foi mais na execução do que nas ideias. E agora com o novo formato resolvi trazer pra frente o peso das percussões e também explorar um lado mais malemolente, o mundo dos tambores e com guitarras não distorcidas. Essa convivência com o peso e a tranquilidade fizeram o Desmanche”, detalha.
A reconexão com o toque percussivo é ligação direta com o início da vida musical de Karina Buhr. Ela volta a tocar cantando, como fazia quando integrante dos maracatus Estrela Brilhante e Piaba de Ouro, no grupo Comadre Fulozinha – com Isaar e Alessandra Leão – e no Afoxé Ylê de Egbá. “Aí passei por um processo de entender e viver o que era cantar sem o tambor e agora me deu vontade de trazer isso de volta. Sentia uma falta física já, foi uma necessidade mesmo”, explica.
Com a cultura e a arte enfrentando um cenário complicado de sobrevivência no Brasil, ela lembra que o combate através do pensamento, da discussão e da produção de ideias sempre foi questão presente para ela.
“O que acontece agora é que é muito mais grave, é um governo fascista que está aí enquanto imprensa e instituições estão, em sua maioria, com algum tipo de câimbra”, opina. “Tudo então se torna absurdamente mais difícil, mas o que mais me preocupa é que as pessoas que já eram desassistidas e perseguidas pelo Estado agora vivem o maior terror de todos. O Brasil é colonial, racista, e agora está tudo completamente escancarado. A visão de eliminar o outro é incentivada diariamente pelo criminoso que ocupa a presidência”.
Como ela mesma pontua no início da conversa, Desmanche versa sobre diluir o que há de ruim, mas também sobre aproveitar as mudanças boas, como um banho de renascimento. “O que me motiva é que fazer músicas e outros tipos de arte me mantém viva, mantém todo mundo que faz, aprecia e consome vivos. A não ser que, dependendo da cor da sua pele, apareça a polícia na sua frente. Eu amo profundamente o carnaval, o Rec–Beat faz parte disso e fico feliz demais de lançar o Desmanche aqui, na beira do Rio”.