Plano Real: Ainda há muito o que fazer

Confira entrevista completa com o economista Edmar Bacha
Leonardo Spinelli
Publicado em 01/07/2014 às 9:50
Confira entrevista completa com o economista Edmar Bacha Foto: Divulgação


O economista Edmar Bacha participou da equipe que formulou o Plano Real. Nesta entrevista ao repórter Leonardo Spinelli, ele relembra um pouco daqueles dias e faz uma análise sobre a atual economia brasileira que, na sua opinião, ficou dependente da boa vontade do governo. Confira a entrevista completa:

 

Sabemos que o senhor é considerado um dos pais do Plano Real. Será que o senhor poderia explicar um pouco de sua participação na elaboração do plano?

Eu entrei pro governo no mesmo dia em que Fernando Henrique foi nomeado ministro da Fazenda. Ele me chamou no dia em que ele foi nomeado e eu no dia seguinte estava lá em Brasília com ele. Então eu comecei a trabalhar no Ministério da Fazenda com Fernando Henrique desde o início de sua gestão. A equipe econômica naquele momento era reduzida,  era basicamente pessoal do Rio, eu, Winston Fritsch, Gustavo Franco e já estava lá no Ministério da Fazenda e continuou o Murilo Portugal. Essa era a base dos economistas sêniores que havia. Eram esses três no início do plano e do governo. 

A ideia do plano foi concebida dento de uma linha da escola da macroeconomia, adaptada para a realidade brasileira...

As ideias básicas do plano, do ponto de vista teórico, já vinham sendo discutidas há 10 anos dento do Departamento de Economia da PUC do Rio. Havia diversas pessoas que participaram ativamente dessa discussão. Havia um grande debate dentro do Departamento de Economia sobre como fazer um plano de estabilização adequado às condições brasileiras. Eu, Winston, Gustavo, Pedro Malan, além de nós e até talvez com mais importância o André de Lara Rezende, o  Pérsio Arida, Francisco Lopes, o Dionísio Dias Carneiro e o Eduardo Modiano. Havia um grupo grande de pessoas que durante 10 anos debateram como fazer um plano adequado. Alguns de nós, desse grupo que mencionei,  já havia participado da  tentativa  primeira de estabilização que foi o Plano Cruzado  em 1986,  no governo Sarney, de cuja equipe econômica fizemos parte eu,  Pérsio Arida e o André de Lara Rezende. E mais tarde o Francisco Lopes também assessorou o Bresser Pereira no chamado Plano Bresser. Então, quando chegou 1994,  não somente as ideias haviam maturado,  como alguns de nós já tínhamos tido experiência de governo, prática. Não muito bem-sucessidas, mas  pelo menos tendo aprendido as lições.

Qual seria a diferença do Plano Real para os anteriores. Seria a previsibilidade, com o governo informando com antecedência o que planejava fazer? 

Essa é a diferença básica. Os outros planos pegaram toda a  população de surpresa. Foram concebidos em segredo e,  em geral,  envolveram congelamentos,  seja de preços e salários,  seja de poupança. Nas suas diversas encarnações. O Plano Real foi totalmente diferente.  Foi pré- anunciado  e tudo foi feito com transparências, às claras e com  etapas e aprovação do Congresso. 

Depois de 20 anos, como o senhor vê a  economia do Brasil? 

Hoje vencemos a hiperinflação, mas não conseguimos ainda ter uma economia saudável. Do ponto de vista de uma economia que fosse  capaz de crescer numa taxa satisfatória, com inflação baixa e sem desequilíbrio externo. Ao contrário,  o que nós estamos  vendo aí desde 2011 é uma sucessão de pibinhos,  com a inflação no topo da meta e com o desequilíbrio externo crescente. A economia brasileira embora nunca mais a gente teve problema de hiperinflação, ainda temos problemas econômicos muito sérios, que ainda não conseguimos resolver. 

O que não resolvemos ainda?

O crescimento maior. A média do crescimento do governo Dilma deve ser inferior a 2%,  ela está em 2,1% e a previsão para este ano é de um crescimento de apenas 1%. Portanto, isso vai implicar que  na média durante o governo Dilma será da ordem de  1,7%. Um crescimento ridículo e, apesar disso, a inflação está no  topo da meta. Está perto de 6,5%. Também estamos com déficit externo muito significativo. Nossas importações são muito maiores que as nossas exportações. Estamos dependendo para fechar as  contas externas da entrada de capitais. Muito desses capitais, na verdade,  especulativo. Nós temos problemas macroeconômicos sérios. Não é mais aquela loucura que era antes do Plano Real, onde nós tínhamos uma hiperinflação de 3.000% ao ano  e dívida externa impagável. Tínhamos dado o calote na dívida. Esses problemas  a gente conseguiu resolver. Controlamos a inflação,  mais ou menos, digo isso porque ela  ainda está muito acima da meta, mas não é mais 3.000%. Não temos mais uma dívida externa impagável como tínhamos, mas continuamos com uma  dificuldade de fazer as nossas exportações crescerem no ritmo que as importações crescem.  

Esse resultado é falha do plano, no sentido de que não aconteceram as reformas necessárias, ou é problema de condução da economia?

O plano não se propunha a resolver todos os problemas do Brasil. O objetivo dele era controlar, acabar com a hiperinflação,  coisa que a gente já vinha tentando fazer com sucessivos insucessos desde o Plano Cruzado. Portanto, o plano teve esse enorme mérito de tirar a hiperinflação do caminho. Na verdade,  poder criar condições para que outros problemas mais fundamentais pudessem ser atacados. O Brasil de hoje é muito melhor do que aquele de  1993. O problema só é que face a nossa realidade,  por razões variadas a gente não conseguiu ter uma economia  dinâmica, onde você tivesse um  crescimento estável,  com inflação baixa e com equilíbrio externo. Nós estamos ainda pelejando para encontrar um caminho. 

O que faltou fazer e ainda não foi feito?  

Do meu ponto de vista o principal problema.  O  primeiro governo teve muitos problemas externos, teve de enfrentar uma série de crises. Primeiro a crise do México em 1995, depois teve a crise asiática em 1997. Depois teve a crise russa em 1998. Depois tivemos a nossa crise da desvalorização em 1999. Depois tivemos de enfrentar a crise da Argentina em 2002. Então esse período, durante o governo de FHC,  depois do plano tiveram muitas reformas, foi um  período que situação externa foi muito ruim para o País. Teve tempestade o tempo todo. Na transição de FHC para  o Lula,  houve uma mudança extraordinária na situação externa, por causa da ascensão da China, que teve um efeito extraordinário sobre os preços dos produtos agrícolas e minerai que nós exportamos. Esses preços aumentaram extraordinariamente. Além disso, dada o clima de maior estabilidade,  houve uma grande entrada de capitais estrangeiros. Durante esse período entre 2004 e 2011, o Brasil  se beneficiou enormemente de um clima externo que era o  oposto do que ocorreu durante o governo FHC. Lula teve um céu de brigadeiro, porque o Brasil se tornou o queridinho dos mercados financeiros internacionais, por causa de dessa grande expansão das exportações de commodities e da grande entrada de capital estrangeiro. Isso permitiu que o Brasil tivesse um crescimento durante o governo Lula, mais elevado do que no período FHC, por causa dessa situação externa extremamente favorável. O que ocorreu, entretanto, no governo Dilma, foi de novo que  a situação externa se tornou pior. Primeiro teve a crise financeira internacional  de 2009, da qual nós saímos,  mas depois a economia dos países desenvolvidos ficou muito anêmica. EUA e Europa com dificuldade de voltar a crescer, a China desacelerou o crescimento e isso fez com que a situação externa, que antes era muito benéfica, ficasse pior do que antes. Quando os ventos começaram a não mais a tocar  a favor, os problemas que o Brasil acumulou, por causa da falta de reformas durante o governo Lula, começaram a se manifestar de uma forma muito clara. E ficou claro que o Brasil hoje tem um problema muito sério de dificuldade de produtividade e competitividade da economia.  O Brasil viru um país - como se diz aqui no Rio ­­­- um país de preço surreal, surrealmente elevado. Virou um país caro e ele não consegue mais exportar coisas e está cada vez mais importando bens ao invés de exportar. Por outro lado essa  carestia se manifesta numa inflação que o governo não consegue recolocar na meta. E finalmente essa  baixa produtividade está se reproduzindo nos pibinhos. Ou seja, nessa taxa de crescimento medíocre. 

Traduzindo, o senhor está dizendo que a gente perdeu a oportunidade, durante o governo Lula, de fazer as reformas necessárias para melhorar a produtividade...  

Na verdade, aquilo ali  virou uma festa e nós não investimos e nem reformamos ara nos preparar para o futuro. 

Como o senhor falou, hoje a gente vive num momento em que bate a cabeça no teto da meta de inflação, mesmo num momento em que governo tenta represar a pressão e de crescimento baixo. O que presidente eleito deveria fazer para reverter esse quadro?

Tem dois tipos de questões. Uma relacionada à política econômica. A atual equipe, por volta de 2009, inventou um negócio chamado de nova matriz macroeconômica em substituição ao tripé que tinha sido montado em 1999, que era baseado em superávit nas contas do governo,  superávit de verdade, baseado num câmbio que flutuava e baseado em metas de inflação,  que eram de fato perseguidas com tenacidade. Isso foi abandonado. O câmbio,  as metas fiscais foram para o espaço,  substituídas pela contabilidade criativa, o câmbio deixou de flutuar porque o Banco Central passou a intervir fortemente e em terceiro lugar, as metas em vez de ser 4,5%, a meta passou a ser não deixar superar 6,5%, que é extremamente alta especialmente para aquilo que bate no bolso das pessoas. E começaram a usar,  ao invés de mecanismos monetários e fiscais, intervenções em preços setoriais de energia e gasolina, especialmente, mas também em transporte urbano, uma espécie de controle direto de preços que estão arruinando com o nosso setor energético e quebrando a Petrobras . Além de causar enormes transtornos na organização do transporte urbano. Então  tem essa combinação, por causa dessa deficiência da política macroeconômica, passou a ter um enorme  intervencionismo setorial, chamado de  microgerenciamento da economia que  vai tornando a economia cada vez mais improdutiva, porque os empresários têm cada vez menos espaço para poder investir e estão cada vez mais dependentes de favores do governo, seja na forma de subsídios,  seja na forma de empréstimos subsidiados do BNDES,  seja na forma de proteção  tarifária e de outros tipos aí contra as importações.  Mas tudo  isso vai restringindo a capacidade da economia de se mover livremente e o resultado é uma menor produtividade que se traduz nos pibinhos e na inflação alta. 

Então imagino que a primeira medida seria a de tentar voltar aos conceitos da macroeconomia... 

Tenho usado  a expressão do desfazimento de todas essas distorções que a atual administração criou na economia do País. Fundamentalmente relacionadas à contabilidade criativa, a criação de um orçamento paralelo no BNDES e na Caixa Econômica. A política cambial voltar a ser flutuante e você ter sistema de metas de inflação que seja realmente crível,  restabelecer a credibilidade do Banco Central na busca da meta da  inflação. Isso na macroeconomia. E na microeconomia precisamos resolver esse problema das distorções provocadas pela repressão dos preços  da energia,  da gasolina e dos transportes urbanos. E também ter uma política industrial que seja voltada para a integração da indústria brasileira ao comércio mundial. Hoje em dia a indústria brasileira desapareceu enquanto participante da economia mundial. Hoje nós só exportamos commodities e a nossa indústria está cada vez mais se encolhendo e se tornando cada vez menos competitiva e cada vez mais dependente de favorecimento do governo. A política industrial  tem de que ser também totalmente refeita. Além disso, toda a política que está sendo feita aos trancos e barrancos de concessões para a infraestutura, com enormes ineficiências,  atrasos e sobrepreços,  precisa ser totalmente redefinida para termos de fato uma política de criação de uma infraestrutura do País, que permita ao País crescer e inclusive exportar mais do que consegue exportar atualmente. No fundo, é preciso virar tudo que tem sido feito sido feito neste governo de cabeça para baixo para por o País no rumo certo. 

O senhor acredita que o brasileiro comum já identificou essa problemática e que seria necessário uma mudança?

Nas pesquisas de opinião pública o sentimento de que queremos mudança, parece uma maneira muito clara. 75% eu acho que no último Ibope ou no último Datafolha, das pessoas dizem que querem mudar. Agora, para o brasileiro comum é muito difícil. Eu estou te dando aqui a argumentação de um economista,  que entende as lógicas da economia, os meios. O que o brasileiro médio sente é basicamente um desconforto, uma certo desânimo, é uma frustração. Você vê, não sei no Recife, no Rio não existe pintada para a Copa. Não existe bandeirinhas da Copa. É a primeira vez que isso ocorre. Numa Copa que está sendo feita aqui no Brasil em que as pessoas estão alheias e no fundo extremamente irritadas com esses gastos milionários que foram feitos com esses estádios e o pouco que foi feito em termos das  carências urbanas básicas da população. Então há o  sentimento de mudança. Agora,  o que isso quer significar em termos eleitorais ainda vamos ver.  Engraçado é que a própria presidente Dilma em seus últimos discursos ela tem enfatizado que as mudanças que temos feitos vão ser continuadas e ampliadas. Ela incorporou no seu discurso essa demanda por mudanças. Então há uma batalha aí, enfim para ser elucidada durante uma campanha eleitoral. Como é que esse desejo de mudança está muito manifesto nas pesquisas de opinião e toda essa anomia que existe na população, esse desânimo que se manifesta. Você vê que os índices de criminalidade voltaram a crescer. Há o sentimento de que o País está desconjuntado, se você me permite essa expressão. 

O senhor falou dos repasses diretos de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES e Caixa. O que exatamente representa essa transferência de recursos que o senhor fala?

Tem três aspectos. Primeiro que é um  orçamento paralelo que não é votado pelo Congresso. São decisões exclusivas do Executivo que não passam pelo crivo dos representantes do povo que foram eleitos para aprovar o orçamento. Esse é o primeiro aspecto, o aspecto antidemocrático. O segundo aspecto é que  essa expansão do crédito por via do BNDES e da Caixa Econômica se contrapõem à política de contenção do Banco Central. Porque o BC ao elevar as taxas de juros ele só consegue afetar os chamados créditos livres, que são os créditos que são dados pelos bancos privados e que é a metade do total. A outra metade que são os crédito direcionados, dados pelo BNDES, Caixa e Banco do Brasil esses créditos não são afetados pelo aumento da taxa Selic  do BC. Porque são créditos com taxas especiais. A TJLP, a taxa subsidiada do crédito agrícola, a taxa subsidiada da poupança e do Sistema Habitacional. Então, o Banco Central, na verdade, como ele só atinge metade do crédito  total, ele tem que aumentar a taxa de juros muito mais do que seria necessário, caso ele conseguisse também, no caso dos créditos direcionados, também  respondessem ao aumento da taxa Selic.  Se quando o Banco Central, a TJLP, taxa usada pelo BNDES  também aumentasse proporcionalmente,  o que não ocorre. Esse é o segundo aspecto do problema é que a  taxa de juros, que precisa para controlar a inflação é muito mais elevada do que seria caso não houvesse essa expansão por via do BNDES e da Caixa. O terceiro problema é que há um enorme aumento da dívida pública. Porque, a maneira pela qual o BNDES e a Caixa conseguem expandir é porque o governo empresta dinheiro para eles e para emprestar  emite dívida pública e,  portanto, isso aumenta o custo financeiro do Tesouro no Orçamento.  

Ou seja, o governo está gastando mais...

É, o  governo está gastando mais sem passar pelo Congresso e está elevando o custo da sua dívida, porque o total da dívida está aumentando e ele está repassando dinheiro para Caixa e para o BNDES com subsídio e isso implica num aumento do custo da dívida. Tudo isso sem ser votado pelo Congresso. Além do fato de que, podemos colocar um quarto ponto, é que esse  intervencionismo excessivo especialmente do BNDES  inibe o crescimento do mercado de capitais do País. Qual empresa que vai querer tomar dinheiro no  mercado de capitais, se pode pegar o dinheirinho a preço barato lá no BNDES. 

Tem a questão de que esse dinheiro também não consegue ser amplo o bastante para todas as empresas...

Tem esse outro aspecto. O BNDES empresta para Petrobras, para a Embraer, para a JBS,  para a Votorantim, para a  Odrebrecht. Todas empresas que poderiam estar captando recursos no mercado. Mas que, dado ao favorecimento que tem no BNDES,  claro, vamos todos lá  pegar a grana barata.

O governo então gasta para pagar a dívida. Teria outro tipo de gasto que poderia ser controlado?

Além do gasto fora do orçamento, tem o fato de que o governo não vem cumprindo com as suas metas  para o Orçamento que é votado pelo Congresso.  E tem criado então toda uma série de  artifícios  contábeis que tornaram o orçamento do governo pouco crível. Todo mundo hoje do mercado financeiro tem outras medidas de qual o déficit do governo que são diferentes do que o governo anuncia. O governo perdeu  credibilidade com tanta contabilidade criativa. 

Os gastos têm impacto na inflação?  

Tudo isso gera  pressão de demanda sobre o mercado de bens. 

Nesse período de 20 anos, a inflação foi de 346%. Como o senhor avalia esse número?

345% em 20 anos não é nenhuma Brastemp,  mas comparado com o que em um ano era 3000 mil em 20 anos ser 345% houve extraordinária melhoria, mas ainda indicando que temos um bom caminho a  trilhar até termos inflação mais civilizada da ordem de 3% ao ano.  

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