Ascender ao patamar de ídolo de um grande clube de futebol pode ser experiência tão gratificante quanto dolorosa. De repente, o nome do atleta passa a ser confundido com o do time que defende. Transforma-se em referência nos gramados, dentro dos vestiários, nas arquibancadas. Talvez por toda essa magnitude adquirida, qualquer inconveniente atrelado a esses jogadores passe a receber proporções, muitas vezes, devastadoras. Para a agremiação, para a torcida e, principalmente, para o próprio atleta.
O caso mais recente é o do goleiro Magrão. Apontado por muitos como o maior ídolo do Sport, com mais de 700 jogos pelo Leão, ele deixou muitos rubro-negros surpresos e desapontados por mover um processo contra o clube. O goleiro pede a rescisão contratual e uma indenização de R$ 5 milhões por direitos trabalhistas não recolhidos pelo Sport, atrasos salariais e falta de pagamento dos direitos de imagem.
“O Sport já teria feito acordo com ele e a impressão que passa é que, mesmo o Sport dizendo que está em dia, depois desse acordo, Magrão não soube lidar com o banco de reservas. Tem sempre o lado do clube, que não consegue ter um planejamento para encerrar a carreira do ídolo. São poucos os jogadores que encerram por cima no futebol nordestino. Uma exceção foi Kuki.
Quando ele parou de jogar, o Náutico conseguiu mantê-lo, como auxiliar técnico. Do lado de Magrão, talvez fique a sensação de ter sido desrespeitado pelo Sport, com os atrasos de salário, o banco de reservas. Do lado do clube, Magrão tomando a pior atitude possível, sem dar continuidade ao acordo e já preparando um outro lugar para morar. Talvez, ele não tenha sabido dimensionar o tamanho que tem frente à torcida rubro-negra”, avaliou o colunista da Planeta Bola, Carlyle Paes Barreto.
Por mais estranha que possa ter soado a atitude de Magrão, gestos como o do jogador não são tão incomuns em relações de extrema afetividade como as que existem entre ídolo e clube. Sobretudo quando o momento de uma aposentadoria se aproxima.
“É até difícil emitir qualquer opinião, pois não conheço os detalhes do caso. Mas esse tipo de situação acontece muito nos divórcios, em que um dos cônjuges acaba queimando a ponte, com brigas, traições. Fica mais fácil fazer a separação, apesar dessa ser a pior forma possível. Do aspecto de Magrão deve estar sendo muito difícil. Queimar a ponte com esse clube foi a forma que ele encontrou de evitar todas as recordações. Em agrupamentos humanos, é bem mais fácil um membro romper o vínculo com brigas que sair afetivamente. Ele deve estar sofrendo muito, pois sua atitude demonstra que falta um pouco de inteligência emocional. Encerrar essa história do pior jeito, com o clube que o acolheu e no qual virou ídolo”, observou o Dr. em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Knapp. Ele está no Recife para participar de workshop sobre terapia cognitivo comportamental e neurociência, promovido pela Supere.
Outro jogador que viu sua relação de idolatria com o clube acabar sem pompas e festa de despedida foi o também goleiro Tiago Cardoso. Apesar de ter sido um dos pilares na reconstrução do Santa Cruz nesta década - esteve com o clube na Série D até o retorno à A, em 2016, foi fortemente criticado pela torcida pela atuação na Primeira Divisão. Decidiu, então, trocar o tricolor pelo Náutico. No alvirrubro, disputou o Campeonato Pernambucano e o início da Série B. Depois pediu para sair.
Assim como o goleiro Magrão, a história de amor de Tiago Cardoso com o Santa acabou nos tribunais. Em agosto de 2017, veio à tona a notícia de que o jogador também estava processando a Cobra Coral. Tiago pediu indenização de R$ 750 mil pelo não cumprimento, por parte do clube, do acordo firmado no pagamento dos valores devidos. Essa indenização contemplava também a ausência de depósito do FGTS pelo Santa Cruz.