No terceiro dia do ano de 2020, o mundo acordou apreensivo com o acirramento da tensão diplomática entre os Estados Unidos, liderados pelo presidente Donald Trump, e o Irã. Nas redes sociais, o medo do desencadeamento de uma Terceira Guerra Mundial domina os assuntos mais comentados, por se tratar de duas potências mundiais na corrida armamentista nuclear.
O conflito entre as duas nações se estende ao longo da história, entre episódios de jogadas políticas de intimidação através de acordos e desacordos, encargos econômicos e até confronto militar em guerras localizadas. E em um desses eventos, o futebol foi pano de fundo para a tensão de americanos e iranianos. Mais precisamente em 21 de junho de 1998.
Na madrugada do último dia 3 de janeiro, o governo americano reivindicou a autoria do ataque aéreo que tirou a vida do general iraniano Qasem Soleimani, como represália a um ataque contra a embaixada estadunidense no Iraque, país vizinho ao Irã. Por sua vez, o Irã prometeu vingança aos americanos.
Esse foi o episódio mais recente da rivalidade histórica 'Estados Unidos x Irã', que se arrasta de forma mais intensa desde a década de 1970, quando o país americano deu asilo ao líder Reza Phalevi, deposto no Irã, em 1979.
O episódio colocou ambos em lados opostos, com os norte-americanos assumindo o posto de 'Grande Satã' para os iranianos. E na década de 1980, os Estados Unidos apoiaram o Iraque na guerra local contra o Irã. O medo de um conflito nuclear cresceu ao longo dos anos, enquanto os líderes dos dois países se revesavam entre farpas e decisões estratégicas. Até que em 1998 o futebol entrou em cena.
Quando as bolinhas do sorteio colocaram EUA e Irã frente a frente no Grupo F, o mundo do futebol deixou de lado - ainda que por um momento - os grandes favoritos ao título da Copa do Mundo da França e voltou as atenções para o jogo que seria emblemático no Stade de Gerland, em Lyon, com data marcada para o dia 21 de junho de 1998.
Foram 199 dias até as duas equipes entrarem em campo. Até então, o governo dos aiatolás iranianos tentaram capitalizar politicamente sobre o episódio, tratando a partida como um verdadeiro conflito político. Enquanto isso, os atletas da seleção demonstravam uma postura avessa, uma vez que em 1984 o regime imposto no país tirou a vida do então capitão, Habib Khabiri, acusado de manter ligações com os Estados Unidos.
Com a bola rolando, no entanto, o que se viu foi uma aula de desportividade e diplomacia dentro das quatro linhas. Estados Unidos, de branco, e Irã, de vermelho, entraram em campo trocando flores e posaram para a foto tradicional juntos, com os jogadores intercalados entre si, misturados em sinal de união e protesto contra o acirramento histórico.
Ambos estrearam com derrotas na Copa e um novo revés significaria a eliminação para o perdedor. Ainda assim, apesar de um jogo bastante disputado, nenhum episódio de violência foi registrado entre os jogadores durante os 90 minutos.
O Irã abriu o placar aos 40 minutos do primeiro tempo, com um belo gol de cabeça do centroavante Estili, encobrindo o goleiro. Os americanos reagiram e até acertaram a trave duas vezes. Mahdavikia ampliou o placar para os asiáticos em um contra-ataque aos 39 da etapa final e McBride ainda descontou para os Estados Unidos três minutos depois, mas a reação parou ali.
A vitória na França, primeira da história do futebol iraniano em mundiais (O Irã só voltaria a vencer na Rússia, em 2018, na estreia contra o Marrocos), foi festejada pelo país, com os atletas em êxtase no gramado de Lyon. No fim das contas, ambos voltaram a perder na rodada seguinte e foram eliminados por Alemanha e - a extinta - Iugoslávia, mas Estados Unidos e Irã protagonizaram mais um episódio que prova o quanto o futebol é capaz de vencer conflitos e unir povos em torno de um bem comum.
Copa do Mundo de 1998
Estádio Gerland (Lyon, na França)
?Árbitro: Urs Meier (Suíça)
?Público: 39.100 torcedores
Gols: Estili (40’ do 1ºT), Mahdavikia (39’ do 2ºT) e McBride (42’ do 2ºT)
Keller; Regis, Kejduk e Pope; Ramos (Radosavljevic), Jones, Dooley (Maisonneuve), Moore e Reyna; McBride, Wegerle (Stewart). Técnico: Steve Sampson.
Abedzadeh; Khakpour, Pashazadeh e Zarincheh (Sadavi Sad); Estili, Mohammadkhani (Peyrovani), Bagheri, Mahdavikia, Azizi (Mansourian), Ali Daei e Minavand. Técnico: Jalal Talebi.