Atualizada às 12h32
França e Israel enterraram nesta terça-feira várias das vítimas dos atentados de Paris, na véspera da publicação de uma "edição dos sobreviventes" da revista Charlie Hebdo, que volta a colocar em sua capa Maomé, desta vez chorando.
A revista satírica, cuja redação foi dizimada no ataque jihadista da semana passada, divulgou a capa de seu número de quarta-feira, que contará com três milhões de exemplares na França e no mundo, contra uma tiragem de 60.000 exemplares que a Charlie Hebdo costumava ter.
No desenho, assinado pelo chargista Luz, Maomé, com uma lágrima, carrega um cartaz com a frase "Je suis Charlie", símbolo da solidariedade mundial com os jornalistas assassinados, sob o título "Tudo está perdoado".
Na véspera de sua publicação, as organizações muçulmanas da França pediram calma a sua comunidade, apelando para que evite "reações emotivas ou incongruentes incompatíveis com sua dignidade" e "respeite a liberdade de opinião".
Os atentados de Paris, os mais sangrentos registrados na Europa desde os de Londres em julho de 2005 e Madri em março de 2004, deixaram 17 mortos e 20 feridos entre quarta e sexta-feira.
Os jihadistas que os cometeram tomaram como alvo jornalistas, policiais e judeus.
Em uma mobilização sem precedentes no país, cerca de quatro milhões de franceses tomaram as ruas para repudiar os atentados e defender a liberdade de expressão em marchas organizadas no domingo em Paris e em muitas cidades da França.
Em uma homenagem solene nesta quarta-feira aos três policiais mortos nos atentados, o presidente François Hollande afirmou que "a ameaça ainda existe", procedente do exterior e do interior do país.
Mas "nossa grande e bela França não quebra jamais, não cede jamais, não se curva jamais. Ela enfrenta, está de pé", proclamou Hollande em um discurso que encerrou a cerimônia solene na sede da polícia no centro de Paris.
Citando os três policiais, um deles muçulmano, o chefe de Estado lembrou que eles "morreram para que nós possamos viver livres".
Unidade à prova da política
Os quatro judeus que morreram na sexta-feira no ataque a um mercado kosher de Paris também foram enterrados nesta terça-feira em Jerusalém. Centenas de pessoas, entre elas os principais líderes do país, acompanharam a cerimônia.
No início da tarde, o enterro de Ahmed Merabet foi realizado no cemitério muçulmano de Bobigny (periferia de Paris) na presença de centenas de pessoas. Seu caixão estava coberto com a bandeira francesa.
Uma homenagem nacional a todas as vítimas será realizada na próxima semana no Palácio dos Inválidos de Paris.
Diante do risco de novos atentados, o governo francês mobilizou na segunda-feira 15.000 policiais e militares para proteger todos os locais sensíveis do país, em particular as escolas judaicas e sinagogas.
A comunidade muçulmana, inquieta após o aumento dos atos islamofóbicos, também pediu uma proteção reforçada para as mesquitas.
Após a forte reação do país em repúdio aos atentados, a unidade nacional será colocada à prova na quarta-feira no Parlamento, diante do qual o governo irá apresentar as primeiras medidas de reforço da segurança devido à ameaça de atentados.
O primeiro-ministro, Manuel Valls, que reconheceu rapidamente falhas na segurança, convocou na segunda-feira a preservar "o espírito de 11 de janeiro" e advertiu contra a tentação de aplicar medidas de exceção similares à Patriot Act, adotada nos Estados Unidos depois do 11 de setembro de 2001 e criticada pelos que consideram que atenta contra as liberdades individuais.
No entanto, Valls defendeu medidas de reforço da possibilidade de escutas nas investigações antiterroristas, assim como o isolamento nas prisões dos detidos islamitas radicais, a fim de prevenir o proselitismo.
Dois dos autores dos atentados de Paris, Amédy Coulibaly e Cherif Kouachi, optaram pelo islamismo radical quando estavam presos.
Busca de cúmplices prossegue
O ex-presidente Nicolas Sarkozy, líder da oposição de direita, apoiou a ação do governo socialista ante esta crise, mas exigiu ao mesmo tempo respostas fortes contra o terror islamita.
Outro dos líderes de seu partido, a União por um Movimento Popular (UMP), Laurent Wauquiez, defendeu nesta terça-feira a retirada da nacionalidade francesa "dos que participaram ou foram cúmplices de atos terroristas".
Outro integrante da UMP, o ex-primeiro-ministro François Fillon, considerou, por sua vez, que a França tem que revisar totalmente sua estratégia para enfrentar a crise mundial revelada pelos atentados, e propôs uma aproximação com Rússia e Irã.
Enquanto a polícia francesa prossegue com as investigações para encontrar eventuais cúmplices dos autores dos atentados, a justiça búlgara revelou nesta terça-feira que um francês detido em 1º de janeiro na fronteira com a Turquia é suspeito de ter ligações com Cherif Kouachi.