Um dos pilares da Operação Lava Jato no combate à impunidade, a prisão após condenação em segunda instância deve ser revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pressionado por colegas, o presidente da Corte, Dias Toffoli, decidiu marcar para esta quinta-feira (17) o julgamento definitivo do mérito de três ações que contestam a prisão de condenados pela Justiça antes de se esgotarem todos os recursos - o "trânsito em julgado". Elas foram ajuizadas pelo PCdoB, Patriota e pelo Conselho Federal da OAB. A previsão é de que a discussão do tema se estenda por ao menos três sessões.
Nos bastidores, cresce no Supremo a aposta de que a Corte vai optar por uma saída intermediária, segundo a qual caberia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) definir a execução da pena, mas permitindo a prisão em segunda instância em caráter excepcional e não mais como regra. Dessa forma, na análise de cada caso, juízes poderiam decidir manter presos réus envolvidos, por exemplo, em crimes violentos, com risco de fuga ou que representem uma ameaça para a sociedade.
Na prática, a nova decisão do STF pode atingir cerca de 190 mil presos que atualmente estão em execução provisória, segundo dados do sistema carcerário divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em quatro ocasiões recentes, o plenário do Supremo já entendeu que é possível a prisão após a condenação em segunda instância - a mais recente delas foi em abril do ano passado, quando o Tribunal negou habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo placar de 6 a 5.
Lula foi preso após ser condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) no caso do triplex do Guarujá e vê no julgamento do Supremo uma chance de sair da superintendência da Polícia Federal em Curitiba - onde está desde abril de 2018.
O tema deve provocar novo embate e opor, de um lado, o grupo dos legalistas - que defendem uma resposta rápida da Justiça no combate à corrupção - e, de outro, os garantistas - chamados assim por destacar o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos.
Considerada como "fiel da balança", a ministra Rosa Weber já votou contra a execução antecipada de pena, mas se opôs ao pedido de liberdade de Lula sob a alegação de que seguia, naquele caso, a jurisprudência atual do Supremo.
Toffoli e o ministro Gilmar Mendes já defenderam a posição alternativa, de um réu permanecer em liberdade até uma decisão do STJ. Em abril, a Quinta Turma do STJ - conhecida como "câmara de gás", por decisões geralmente contra os réus - confirmou a condenação de Lula no caso do triplex, mas reduziu sua pena.
Ainda está pendente de análise um recurso em que a defesa Lula pede que o petista migre para o regime aberto, mas, na prática, como ele já foi julgado pelo STJ, corre o risco de não ser beneficiado no novo julgamento do Supremo. Os ministros, no entanto, podem reabrir outro debate: se a prisão é admitida após uma primeira decisão do STJ ou depois do esgotamento dos recursos naquele tribunal.
A discussão do tema marca uma nova série de julgamentos do STF que deve atingir os rumos da Lava Jato no momento em que os principais nomes associados à investigação - do ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça, e do coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol - aparecem em supostas mensagens interceptadas por hackers e divulgadas pelo site The Intercept Brasil.
Alvo de tiroteio político, Moro enfrenta ainda desgaste e dificuldades no Congresso para a aprovação do pacote anticrime. Dallagnol, por sua vez, está na mira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão responsável por fiscalizar a atuação de procuradores.
Questionado sobre a pauta de votações do Supremo, Moro disse nesta segunda-feira, 14, ao jornal O Estado de S. Paulo que não teme a anulação em série de condenações na Operação Lava Jato. "Não vejo isso no horizonte. Não vejo a possibilidade de isso acontecer", afirmou ele.
Pesquisa coordenada e divulgada no ano passado pelo ministro Rogerio Schietti, do STJ, constatou que é reduzido o índice de absolvição pela Corte de réus que já foram condenados em segunda instância. Ao analisar cerca de 69 mil decisões (individuais ou colegiadas) de ministros e das duas Turmas especializadas em direito criminal, o levantamento mostrou que em apenas 0,62% dos casos houve absolvição e que em 1,02% dos processos a prisão foi substituída por uma pena alternativa, como perda de bens ou prestação de serviço à comunidade.
"Diante desses dados, pedindo todas as vênias a quem pensa diferente, com todo respeito, e carinho mesmo, é ilógico, a meu ver, moldar o sistema em função da exceção e não da regra. Porque eu considero que 1,64% (somatório de absolvição e da substituição de prisão por outra pena) é exceção, e não regra", disse Luís Roberto Barroso, ao analisar o estudo no julgamento de Lula.
Relator das três ações que discutem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, afirmou nesta segunda-feira ao jornal que os integrantes da Corte não são "justiceiros", mas, sim, "defensores da Constituição". O ministro é contrário à execução antecipada de pena e diz acreditar que o julgamento não deve ser influenciado pela situação de Lula ou por Dallagnol.
"Esses temas que a sociedade reclama definição não podem ficar para as calendas gregas. Já passou da hora de liquidar isso. Eu devolvi os processos (para julgamento) em dezembro de 2017. Se tivéssemos resolvido naquela época, não haveria tanta celeuma", disse Marco Aurélio. Diante da demora para que o caso fosse apreciado pelo plenário, Marco Aurélio deu uma liminar em 19 dezembro de 2018 que derrubava a possibilidade de execução antecipada de pena e abria caminho para a soltura de Lula. A decisão foi cassada por Toffoli no mesmo dia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.