Os líderes da oposição no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), pediram ao Procurador-Geral de Justiça do Rio, José Eduardo Clotola Gussem, para que sejam tomadas "medidas urgentes" para resguardar o sistema de gravação e computadores do Condomínio Vivendas da Barra, onde reside o presidente Jair Bolsonaro e também Ronnie Lessa, um dos dois acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes. A medida visaria garantir uma "futura perícia" do órgão técnico oficial.
O assassinato da vereadora e de Anderson completa 600 dias nesta segunda, 4.
O ofício dos parlamentares foi enviado no sábado, 2, ao Ministério Público do Estado do Rio, após Bolsonaro afirmar ter obtido os áudios de ligações entre a portaria e as casas do condomínio no Rio, antes que elas tivessem sido "adulteradas".
"Nós pegamos antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de ano. A voz não é minha", afirmou Bolsonaro, que nega obstrução de Justiça.
Na avaliação de Randolfe e Molon, a "apropriação" do conteúdo por Bolsonaro teria extrema "gravidade", assim como o acesso do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) às gravações.
O filho do presidente havia mostrado os arquivos em vídeo divulgado nas redes sociais e alegou que não havia registros da ligação mencionada pelo porteiro à polícia. Segundo os líderes da Oposição no Congresso, é "fundamental" investigar as condições de tal acesso.
"Os dados aos quais Carlos Bolsonaro teve acesso são resguardados por sigilo, por conterem informações relativas à privacidade dos demais condôminos", escrevem os parlamentares.
Os líderes haviam indicado que acionariam a Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro, sob a alegação de que o presidente cometeu "obstrução de Justiça", ao "ter se apropriado de provas relacionadas às investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes".
No documento, os parlamentares também mencionam os recentes desdobramentos do caso Marielle, chamando atenção para a perícia dos áudios feita pela Promotoria do Rio. Os líderes da oposição destacam que o procedimento foi feito pelo próprio Ministério Público, e não pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli.
O jornal O Estado de S. Paulo havia mostrado que a perícia foi finalizada em menos de duas horas e meia. Ao solicitar a perícia, a promotoria também ignorou possíveis adulterações nos arquivos em si, como exclusões ou renomeações. Apenas os áudios de interfone foram periciados - a fim de atestar que foi Ronnie Lessa, não Bolsonaro, quem autorizou a entrada de Elcio Queiroz no condomínio no dia do crime.
Na avaliação de Randolfe e Molon, a perícia teria sido realizada em circunstâncias que "chamam a atenção": "perguntas à perícia teriam sido protocoladas às 13h05 e a coletiva se iniciou às 15h30; quesitos de uma perícia de 3 meses de gravação teriam sido respondidos em menos de 3 horas; técnicos não teriam tido acesso ao computador ou ao sistema, mas exclusivamente às gravações, o que impediria saber se arquivos foram adulterados ou renomeados".
Os parlamentares ainda completam: "Não teria havido nem mesmo a conferência da voz do porteiro."
O ofício aponta que não houve apreensão do sistema de áudio e do computador do Condomínio Vivendas da Barra, por causa da citação ao nome do presidente, que detém foro por prerrogativa de função
"Para se chegar à verdade real dos fatos, é necessária uma investigação criteriosa e baseada em provas sobre as quais não haja dúvidas. Os elementos acima suscitam as mais diversas indagações acerca das provas e das conclusões a se tirar delas", escrevem os parlamentares.
No texto, Randolfe e Molon pedem ainda que seja garantida a possibilidade de nomeação de assistente técnico pela família das vítimas.
A citação ao presidente no depoimento de um porteiro do condomínio, revelada por reportagem do Jornal Nacional veiculada na terça-feira, 29, gerou diferentes desdobramentos na investigação do caso Marielle.
Segundo o porteiro, antes do assassinato da vereadora e do motorista, o ex-PM Elcio Queiroz, suspeito de participação no crime, teria dito que iria à casa 58 - que pertence ao presidente.
De acordo com depoimento, uma ligação teria sido feita para a casa 58 e que "seu Jair" atendeu o telefone e autorizou a entrada. Ainda segundo o porteiro, Elcio Queiroz seguiu para a casa de Ronnie Lessa, outro suspeito do assassinato. No entanto, registros da Câmara dos Deputados mostram que, no dia do assassinato de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília.
A citação provocou forte reação de Bolsonaro que, durante viagem ao Oriente Médio, usou as redes sociais para rebater a acusação e anunciar que acionaria o ministro da Justiça, Sergio Moro, para que a Polícia Federal realizasse uma nova oitiva com o porteiro.
Horas depois, Moro pediu à Procuradoria-Geral da República que investigasse a "tentativa de envolvimento indevido" do nome de Bolsonaro na investigação. O pedido foi prontamente aceito por Aras.
No dia seguinte à reportagem, o Ministério Público do Rio, numa entrevista coletiva, afirmou que o porteiro mentiu no depoimento Mais cedo, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, que mostrou ter acesso aos arquivos indicando que não havia registros da ligação mencionada pelo porteiro à polícia.
Após a coletiva, foi revelado que uma das integrantes do MP que participaram da entrevista coletiva, Carmen Bastos de Carvalho, fez campanha para Bolsonaro, e, na sexta-feira, 1, diante da repercussão negativa, ela deixou as investigações da morte de Marielle e do motorista.