“João, João, houve um engano: além de polonês, você é pernambucano”. Foi com a saudação, em tom leve e devotado, que 500 mil fiéis tomaram as ruas do Recife no dia 7 de julho de 1980 para ver o papa João Paulo II pisar pela primeira vez no solo nordestino. Caravanas do interior, camponeses e moradores de Estados vizinhos apinharam-se para ouvir o Sumo Pontífice. Foi um dos fatos mais marcantes da cidade no final do regime militar.
Karol Wojtyla, primeiro papa não italiano desde Adriano VI (1522), percorreu 13 cidades na sua primeira passagem pelo Brasil. O Recife foi a oitava parada do religioso. Flores brancas e amarelas enfeitavam as ruas da capital. As cores homenageavam também Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade.
Onze autoridades foram recebê-lo na Base Aérea. A primeira que o encontrou foi dom Helder Camara, a quem deu um abraço forte. Só depois cumprimentou o então governador Marco Maciel, a esposa e alguns militares de alto escalão. O então arcebispo de Olinda e Recife posicionou-se contra o regime e foi perseguido pelos militares.
Em outra fila, perfilavam-se o vice-governador Roberto Magalhães e o prefeito à época Gustavo Krause. O desfile no “papamóvel” começou por volta 16h. As fotos da época mostram o Sumo Pontífice sorridente e acenando para a multidão que o acompanhava ao longo do itinerário de 24 quilômetros até o Palácio dos Manguinhos, nas Graças, onde pernoitou.
João Paulo II dedicou a homilia aos camponeses e pediu Justiça para o homem do campo. Após a fala, foi presenteado com um chapéu de palha. Na homilia, o papa lembrou a parábola do rico e do pobre de Lázaro. “Cristo não condena a simples posse de bens materiais. Mas as suas palavras mais duras dirigem-se para aqueles que usam riqueza de maneira egoísta”, disse.
Matérias do JC da época, catalogadas no Arquivo Público de Pernambuco, mostram que os locais por onde o papa passou foram arrumados às pressas para recebê-lo. Há 36 anos, as críticas eram de buracos, lixo, água empoçada e restos de material de construção espalhados entre a Rua Imperial e a Joana Bezerra.
Durante a missa principal, dom Helder contrariou o cronograma oficial e fez uma fala breve para os milhares de fieis. “Irmão dos pobres e meu irmão”, respondeu João Paulo II ao religioso. Até hoje, o Estado não recebeu outro papa.
Três meses depois da passagem do papa, o padre italiano Vito Miracapillo foi expulso do País, em outubro de 1980, por ter se recusado a celebrar uma missa em homenagem ao Dia da Independência, na cidade de Ribeirão (Mata Sul), onde era pároco. Só em novembro de 2011, 31 anos depois, o Ministério da Justiça concedeu ao religioso o direito de voltar no Brasil.
Na época, a expulsão do padre agitou ainda mais a relação entre a Igreja e o Estado. O padre foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e atingido pelo então recém-promulgado Estatuto do Estrangeiro. Ele voltou a Pernambuco no dia 3 de janeiro de 2012, após uma década tentando o retorno.