Não durou uma semana. A tempestade de críticas à segunda etapa da reforma tributária, que altera as regras para o Imposto de Renda (IR) - de pessoas físicas e empresas - e tributa dividendos, levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a afirmar que sua equipe estuda antecipar a redução completa da alíquota do Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ) para o ano que vem.
O recuo pode ter duas explicações. Ou o projeto não tinha chances de ser aprovado do jeito que estava devido a sua real intenção. Ou foi mais um desses expedientes que o ministra o coloca para discussão e depois vai reduzindo as expectativas.
Foi de fato uma tempestade de críticas e duas delas com peso importante. Vindas dos ex-secretários da própria Receita Federal, Everardo Maciel e Marcos Cintra.
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Everardo, que é considerado um dos mais experientes e respeitados tributarista do Brasil, disse que se trata do maior aumento de carga tributária que um país fez através de uma mudança infraconstitucional. Ou seja, por um simples projeto de lei.
Marcos Cintra afirma que o conceito proposto é equivocado. Segundo ele, a tributação de lucros e dividendos (remuneração que os acionistas recebem pelo capital investido na empresa) com alíquota de 20% vai promover um aumento brutal da carga tributária, distorções no sistema e afugentar os investidores.
O problema é que, com o discurso de querer fazer ajustes na tabela do IR da Pessoa Física, o governo está promovendo um brutal aumento da carga tributária, inclusive, da pessoa física que investe e pagará mais imposto.
O argumento é de intenções duvidosas. Paulo Guedes aproveitou-se de uma cobrança de Bolsonaro para que agilizasse uma promessa de campanha de atualizar as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física para literalmente afundar o pé na jaca do contribuinte.
Nenhum, rigorosamente, nenhum analista tributário acredita no discurso de que a proposta original é apenas ajustar o nível de contribuição entre os contribuintes.
A impressão é que o Governo radicalizou para depois negociar. Assim, a posição de Paulo Guedes vai nessa direção.
Tributaristas e analistas de mercado não têm dúvida de que a correção da tabela do IR vai aumentar ainda mais a carga tributária.
O professor Eric Casto e Silva, da UFPE, afirma que o mais grave no projeto é o aumento da carga tributária para as empresas, porque a redução do IRPJ de 15% para 10% não veio na mesma proporção da cobrança instituída para os dividendos (20%) e vedação ao Juros sobre o Capital Próprio.
Além disso, com a cobrança dos dividendos na pessoa física, aumenta-se bastante o custo de fiscalização, já que agora serão fiscalizados milhares de contribuintes pessoas físicas.
O aumento generalizado da carga tributária fica ainda mais evidente se for também aprovada a primeira fase da reforma tributária, que cria a Contribuição de Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS/COFINS, à alíquota de 12%.
A consultora tribuária Mery Elbe Queiroz prevê que teremos um brutal aumento de carga tributária para os empreendedores, inclusive, para as microempresas. Para ela, vai ser melhor ser assalariado tributado a 27,5%. O problema é que agora não tem muito emprego disponível.
"Quando somarmos os tributos da PJ - IRPJ e CSLL, mesmo diminuindo 2,5% do IRPJ, chegaremos próximo de 50% para donos de empresa. Entretanto, temos em debate o projeto de criação da CBS, que junta PIS e COFINS de 12%. Imagina quanto ficará?", indaga a tributarista
Para o consultor José Emídio Callado, o mais grave é a opção de aumento da carga tributária para as empresas. "Esqueceram que as empresas saudáveis distribuem cerca de 50% de seu lucro e reinvestem o restante. Com a proposta, vai custar 25% mais. Ora, isso vai sobrar para quem? Para o consumidor".
O consultor vai para o detalhe. Normalmente, uma empresa saudável distribui cerca de 50% de seu lucro e reinveste o restante. Vamos aos cálculos, partindo de um lucro de R$ 100.000. Nesse caso, também a empresa em geral distribui JCP (30% do valor a distribuir). Atualmente, nessas condições, a empresa pagará R$ 31.150 de tributos. Com a proposta, essa carga tributária subirá para R$ 39.000. Ou seja, 25% a mais.
Para esses tributaristas, o governo acabará punindo o investidor pessoa física, e a empresa acabará pagando mais imposto. Além da tabela não ter tido uma correção ajustada.
No mercado de ações, as preocupações não são menores. Para o analista Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap, no mundo todo a tributação do lucro das empresas fica entre 25% e 35%, parte da apuração do lucro e outra nos dividendos.
Luiz Fernando lembra que no Brasil, optou-se por tributar uma vez na apuração de lucro da empresa, a uma alíquota de 25% mais alíquota de 9% de CSLL.
Para ele, a ideia de Paulo Guedes é justamente de reduzir a tributação na empresa e transferir a tributação para pessoa física que recebe o dividendo. O problema é que para isso deveriam reduzir ou eliminar a CSLL, que não está na proposta.
Araújo considera boa a ideia de uniformizar a alíquota de IR para 15% sobre ganho de capital, mas adverte que tributar já no lucro é uma distorção pois, na prática, representa antecipação de tributo sobre um ganho que é incerto.
Acho que colocaram como bode na sala para negociar. É um único que tem uma quantidade maior de pessoas afetadas diretamente. As demais medidas foram direcionadas para um público reduzido de pessoas de alta renda.
A julgar pelo comportamento do ministro Paulo Gudes depois de apenas um fim de semana da proposta ter sido colocada, parece claro que o CEO da Finacap acertou em cheio.