O ritmo ainda é lento para a urgência de modernização que o transporte público necessita no Brasil, ainda mais depois da pandemia, quando a rejeição à mobilidade coletiva se acentuou. Mas a retomada do serviço de ônibus sob demanda na região do ABCD Paulista, no Estado de São Paulo, esta semana, é um alívio para a imagem negativa que o transporte público acumula nos últimos anos. O investimento em inovação tecnológica demonstra reação por parte do setor operacional, conhecido por lamentar demais diante das crises financeiras, e uma mentalidade aberta de gestores públicos - extremamente conservadores até hoje, no século da mobilidade compartilhada.
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A nova linha é operada pela empresa de transportes urbanos Metra - a primeira concessionária de transportes de São Paulo e uma das mais antigas do País - e a UBus, a primeira plataforma brasileira de oferta de ônibus sob demanda. O novo serviço - algo tipo o “Uber do ônibus”, digamos assim - custa mais caro, mas oferece vantagens aos passageiros, como conforto, praticidade e viagens mais rápidas. E, o que é o mais importante: qualifica o serviço de transporte e mostra que é possível, sim, termos sistemas públicos coletivos confortáveis. É chamado MetraClass e representa a primeira linha de transporte urbano intermunicipal sob demanda do País.
No caso do novo serviço em São Paulo, um dos principais benefícios é viajar num ônibus com padrão rodoviário, mais confortável que os veículos urbanos (convencionais). Além disso, oferece a mesma praticidade do transporte sob demanda. O passageiro precisa baixar o app UBus gratuitamente e fazer um cadastro pessoal, que inclui a forma de pagamento. E, ao entrar no coletivo, valida a passagem com a leitura do QRcode (que fica disponível na entrada do veículo) através do aplicativo.
Simultaneamente, as informações aparecem para o motorista em um tablet que fica anexado ao painel do veículo, o que permite ao condutor acompanhar todos os dados relacionados à viagem. Com o app, o passageiro tem a garantia de viajar sentado ao reservar uma das 46 poltronas do veículo. No caso de SP, o serviço tem a tarifa de R$ 7,50, R$ 2,40 mais cara do que a convencional. “A pandemia é mais uma razão para a expansão do transporte público por aplicativo. Ela veio para desafiar as empresas a se modernizarem e, assim, conseguirem resgatar o antigo passageiro e atrair o novo. É preciso lembrar que o mundo é da geração dos Millennials, que não valorizam a propriedade e querem a mobilidade compartilhada e prática”, alerta Victor Gonzaga, diretor operacional do Ubus.
Além do assento garantido, o usuário conta com Wi-Fi e pode consultar o mapa da viagem a qualquer momento nos ônibus. Há, ainda, poltronas reclináveis, ar-condicionado, bagageiro interno, tomadas USB e sistema de elevador para usuários em cadeira de rodas.
REINÍCIO
Outra vantagem é que a nova linha sob demanda é autorizada pela EMTU/SP, gestora do transporte urbano metropolitano. Os ônibus da Metra e UBus tinham sido barrados na cidade de São Paulo um mês depois de entrarem em funcionamento, em setembro de 2019. Por isso, a operação está sendo vista como um reinício. Na época, o MetraClass saia de São Bernardo do Campo e chegava à região da Berrini, na capital paulista, o que gerou conflitos econômicos com o sistema municipal. É tanto que a prefeitura alegou necessitar de estudos de impacto para liberar a operação - o que a Metra e UBus seguem esperando. Na nova operação, a linha é diferente. O ônibus sai do Terminal Santo André Leste e vai até o Terminal Diadema, sem passar pela capital paulista.
O UBus já funciona em São Bernardo do Campo, numa operação com a BR7 Mobilidade. Tinha dois projetos-piloto em teste em João Pessoa (PB) e Porto Alegre (RS), mas foram suspensos devido à pandemia. Já a Metra atua no Corredor Metropolitano ABD (São Mateus-Jabaquara) e na Extensão Diadema-Brooklin, ligando as Zonas Leste e Sul da cidade de São Paulo. É uma empresa do tradicional grupo Auto Viação ABC, cujos fundadores prestam serviços de transporte de passageiros desde o século 1920. Atualmente, opera em 45 km de corredores. São 33 km no trecho São Mateus-Jabaquara e 12 km no trecho Diadema-Brooklin. Atende as cidades de São Paulo, Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema.
FRAGILIDADE
É claro que existem os riscos e, no caso do ônibus sob demanda, eles são ainda maiores porque, por ser um serviço opcional, os operadores podem suspendê-lo, como aconteceu em Goiânia. Na capital goianiense, onde há mais de dois anos opera o primeiro ônibus por aplicativo - o CityBus 2.0 -, o serviço foi suspenso temporariamente no fim de 2020, devido à pandemia e à perda de demanda de passageiros. A promessa é de que voltará, mas até agora nenhuma previsão foi dada pelos operadores.
Nas redes sociais do app, entretanto, uma mensagem otimista de retorno: “Oi, família coletiva! Viemos aqui reiterar que a suspensão do nosso serviço é apenas temporária. Logo, logo, estaremos de volta às ruas, facilitando a vida de milhares de goianienses que utilizam os nossos miniônibus diariamente. O motivo da suspensão, como dito anteriormente, foi a crise instalada no transporte público coletivo em razão da pandemia da covid-19”.
PANDEMIA IMPACTOU
Fortaleza, no Ceará, também viveu algo parecido. O serviço de transporte coletivo por demanda Top Bus+, lançado na capital em dezembro de 2019, chegou a suspender a operação nos primeiros meses da pandemia. Retornou no mês de julho. Teve que adotar protocolos de segurança, como a presença de no máximo sete pessoas por veículo - que na verdade são previstos para até 18 pessoas. Em julho de 2020, o Sindiônibus informou que o Top Bus + tinha transportado aproximadamente 60 mil passageiros.
Diferente do serviço MetraClass, o Top Bus+ (Fortaleza), o City Bus 2.0 (Goiânia) e o Ubus de São Bernardo do Campo são o transporte sob demanda e por app, operado com veículos de pequeno porte (VPP), como sprinters. De forma geral, os passageiros podem solicitar a passagem do ônibus no seu endereço e o veículo altera a rota para atender a demanda ou, como é o caso de Goiânia, indica um “ponto virtual” próximo para o embarque. As rotas das viagens se integram conforme o pedido dos passageiros.
PERNAMBUCO ESTUDAVA MODELOS
Pernambuco ainda ensaia seguir por esses caminhos. No início de 2020, como resposta ao não reajuste das passagens, o Estado apresentou um pacote de ações que incluía a flexibilização e modernização do regulamento do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR). Seria a preparação legal do terreno para que ônibus por apps e também a redução de tarifas, por exemplo, pudessem virar realidade. Mas o governo decidiu aguardar a pandemia para ter mais segurança do impacto sobre o sistema, já que não há previsibilidade da situação da demanda de passageiros.