Vamos dizer o óbvio neste post. Mas, muitas vezes, o óbvio precisa ser dito várias e várias vezes para tentar ser percebido. Toda vez que chove forte na Região Metropolitana do Recife é assim: chuva, mobilidade e caos. E vai ser sempre. O adensamento urbano ordenado e desordenado do Recife e o pouco estímulo ao transporte público coletivo de qualidade colaboram diretamente para essa mistura explosiva. Por isso, o certo pelo certo seria seguirmos a recomendação do secretário executivo de Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar: quem puder, fique em casa. Nesse aspecto, a pandemia de covid-19 - infelizmente - até ajuda. Mas muita gente não pode seguir o conselho de quem está acostumado a lidar com tragédias provocadas pelas grandes chuvas e preciso pagar para ver. Arrisca a vida - como a empregada doméstica Sandra Helena Freitas da Silva, 56 anos, que morreu eletrocutada no Varadouro, em Olinda, no dia 5/5 - e os bens materiais.
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Sob a ótica da mobilidade, é uma mistura que sempre será danosa. Não vai ter jeito. Principalmente na proporção das chuvas que caíram - em 12 horas, Recife registrou 30% da chuva esperada para todo o mês de maio. É quando as pessoas mais tiram os automóveis de casa e evitam, ao máximo, o transporte público coletivo. Ainda mais em meio a uma crise sanitária provocada por um vírus que contamina - principalmente e sobretudo - pelo contato pessoal próximo (toque das mãos) e pelas gotículas de saliva e aerossol (fala, tosse, espirro).
Mas, mesmo em meio à pandemia e ao medo do contágio, só o metrô nos salvaria. Ao menos uma boa parte da população, é claro. O transporte sobre trilhos é confiável porque tem um mundo próprio, vamos dizer assim. Tem um caminho exclusivo, protegido das interferências externas e com alimentação própria. Sim, pode dar problemas, como atrasos e interrupções, mas no dia a dia da operação desses sistemas eles são minoria. Até mesmo no caso do Metrô do Recife, que sofre com a ausência de investimentos e caminha para a concessão pública. A chuva não é tão danosa para os metrôs quanto é para os ônibus e automóveis.
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Uma ampla rede metroferroviária que atendesse mais pontos de mais municípios do Grande Recife - hoje o metrô chega apenas a quatro cidades: capital, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho. É muito pouco. Precisaríamos muito mais do que os 71 quilômetros de rede, que quase nada avançou nos 35 anos do sistema. Ideias não faltam. Há uma rede hipotética guardada nas gavetas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no Recife, que duplicaria a malha sobre trilhos na RMR. Confira a proposta no especial multimídia UM METRÔ AINDA RENEGADO.
INTERFERÊNCIAS
Basta acompanhar a conta da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) no Twitter para ver a confusão que viram as ruas. Porque, além do volume de veículos que aumenta, existem as interferências externas que têm grande impacto sobre a circulação, como os pontos de alagamento que se reproduzem pelos principais corredores viário e as quedas de árvores. Nas chuvas desta quinta (13/5), por exemplo, uma árvore caiu na Avenida Conselheiro Aguiar, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, interditando a avenida, talvez a mais importante do bairro, já que por ela passam os ônibus.
Somente a capital tem atualmente 179 pontos críticos de alagamento. Desses, 105 já sofreram ações definitivas de mitigação, mas 74 pontos ainda precisam ser solucionados. Ou seja, a pé você corre o risco de pisar numa ligação elétrica exposta e ser eletrocutado. De carro, vai danificar o veículo e poderá ficar preso num ponto de alagamento, sob risco. E no ônibus, não terá prioridade viária, permanecendo ainda mais tempo no coletivo. Num sistema confiável e amplo de metrô, a mobilidade seria mais fácil.
NÚMEROS DO RECIFE
Por nota, a Prefeitura do Recife argumenta que tem agido para minimizar o impacto da chuvas na cidade. Este ano, o investimento total na Ação Inverno é de R$ 96,6 milhões, incluindo contenção de encostas, prevenção e monitoramento em áreas de risco, colocação de lonas plásticas e eliminação de pontos de alagamento, entre outras. O trabalho começou desde janeiro deste ano e envolve mais de 3 mil servidores de diversas secretarias e órgãos municipais.
Para a ação de limpeza de canais, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) vai investir este ano R$ 10,5 milhões, atuando nos 99 sistemas de macrodrenagem que cortam a cidade. Além disso, o investimento na eliminação de pontos de alagamento é de R$ 5,5 milhões, incluindo obras como as da Estrada do Encanamento e Avenida Conselheiro Aguiar.