Mesmo sabendo ser pouco provável que as passagens de ônibus da Região Metropolitana do Recife não aumentem quase 10% em breve - como proposto pelo governo de Pernambuco -, entidades classistas e a sociedade civil organizada começaram a reagir contra o reajuste.
Protestos já foram feitos no Centro do Recife e estratégias para tentar segurar o preço da tarifa têm sido discutidas em reuniões realizadas e outras que estão para acontecer esta semana.
O aumento de 9,69% sugerido pelo Estado, que elevará a tarifa do anel A, a principal e mais usada do sistema de R$ 3,75 para R$ 4,10, será votado pelo Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) nesta sexta-feira (11/2).
O CSTM é um colegiado autônomo e que tem autoridade para aprovar qualquer reajuste de passagens ou mudanças no sistema, mas é formado em sua grande maioria por representantes de órgãos públicos que sempre fecham com o indicado pelo governo.
É importante destacar que foi na gestão do PSB que o CSTM teve a participação social ampliada, passando de quatro para oito representantes da sociedade. Mas a vontade do governo predomina. Nem mesmo as eleições para governador deste ano deverão segurar o reajuste - como aconteceu em 2018, quando o governador Paulo Câmara (PSB) tentava a reeleição.
Mesmo sabendo que o aumento é certo, a sociedade grita. A reação mais embasada vem da Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco (FLTP), que tem representantes com assento no CSTM, e propõe a redução da tarifa do anel A para R$ 3,40 e o fim do anel B, hoje de R$ 5,10 e que, com a proposta do governo de Pernambuco subiria para R$ 5,60.
Para isso, pontua que o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) tem adotado, como determinam o Manual de Operações, o Regulamento do Sistema e até mesmo os editais da licitação vigente, o IPCA como índice para recomposição tarifária. Mas que de 2015 até então, todos os reajustes foram acima do IPCA. Ou seja, dessa forma, o aumento em 2022 já estaria coberto pelos índices aplicados em anos anteriores.
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Além de destacar que as majorações dos últimos anos foram acima do IPCA e da inflação, a Frente alega que elas vieram desacompanhadas de melhorias concretas no sistema de transporte público no Grande Recife.
“Os terminais integrados permanecem sucateados, as empresas de ônibus permanecem roubando viagens, o SIMOP (Sistema de Monitoramento e o aplicativo para o usuário) nunca foi implantado e a população continua sofrendo diariamente estas mazelas, além da insegurança e riscos de contaminação por covid-19 em razão das superlotações”, afirma o advogado Pedro Josephi, coordenador da FLTP, e quem assina o documento encaminhado ao secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco (Seduh), Tomé Franca, presidente do CSTM ao lado de outro conselheiro do CSTM, Márcio Moraes
A Frente ainda questiona lacunas na apresentação da planilha de custos do Sistema de Transporte Público da RMR (STPP). Cita, por exemplo, a retirada do seguro de responsabilidade civil da planilha tarifária em anos anteriores, como mais um fator que pesa para a diminuição no valor da tarifa.
“Os passageiros passaram pelo menos o período entre o fim de 2016 e agosto de 2018 pagando por esse serviço sem que o STTP tenha tido o respectivo encargo. Tal superávit jamais constou em nenhuma planilha tarifária elaborada pelo CTM”, alegam os representantes da Frente.
RESPONSABILIDADE DE TODOS
O entendimento é de que a conta do transporte público precisa ser dividida com toda a sociedade, inclusive a que não faz uso do sistema, mas é beneficiada indiretamente por ele. “Faz-se necessária uma nova licitação, que defina um modelo remuneratório que não atrele os custos do sistema de transporte unicamente à tarifa, devendo ser custeado pelo Estado e por toda sociedade, que tem o serviço à sua disposição. Assim como saúde e educação, o transporte não é uma simples mercadoria, é um direito social”, diz Pedro Josephi.
As reações lembram, também, o impacto que o reajuste de quase 10% terá sobre a população em meio a uma grave crise econômica e sanitária que “tem empobrecido a população, cada vez mais carente e sem recursos para se deslocar na Região Metropolitana do Recife. A Frente alega que qualquer reajuste, neste momento, é penalizar ainda mais os trabalhadores, desempregados, estudantes e os usuários que mais precisam.
“É necessário que o governo de Pernambuco faça um esforço para manutenção das tarifas cobradas hoje porque não há condições, neste momento, de um passageiro que mora em Paulista ou em algumas áreas da RMR, de pagar um valor acima de R$ 6, como será cobrado no anel B”, apela o conselheiro Márcio Moraes.
OUTRAS AÇÕES
Os rodoviários, que agora integram um comitê de luta pelo transporte público, já fizeram reuniões e prometem protestos. Alegam que as demissões dos cobradores já representaram uma grande redução dos custos do sistema. “O governo Paulo Câmara dá tudo para os empresários de transporte e para os rodoviários apenas demissão e péssimas condições de trabalho. Para a população, resta a qualidade precária do serviço e os altos preços das passagens”, alegam.
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A vereadora Liana Cirne (PT) realiza uma reunião pública, de forma híbrida, nesta quinta-feira (10/2) - um dia antes da reunião do CSTM -, das 14h às 17h para discutir o impacto do aumento das passagens na cidade do Recife e Região Metropolitana.
Na discussão nacional, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lançou uma campanha contra os aumentos de tarifas de ônibus no Brasil. Aponta políticas e estratégias que poderiam ajudar os sistemas pelo País. Confira AQUI.
ESTADO AMPLIA SUBSÍDIOS
O aumento das passagens do Grande Recife, inclusive, poderia ser maior, já que estudos técnicos realizados pelo governo de Pernambuco apontaram uma necessidade de recomposição tarifária de 19.28%. Esse aumento de quase 20% seria resultado do impacto direto do aumento no preço do óleo diesel e dos veículos.
Mas o Estado decidiu assumir parte do custo, repassando aos passageiros apenas o IPCA acumulado entre dezembro/20 e novembro/21, ou seja, a inflação do período. A diferença será coberta pelo governo, que realizará aporte em forma de subsídio nos contratos de concessão (MobiBrasil e Conorte) e aquisição antecipada de créditos eletrônicos para as empresas permissionárias (as outras empresas de ônibus que operam o sistema).
“É importante destacar que o valor fixado para a tarifa pública, como ocorre na maioria dos municípios do Brasil, deveria suportar os custos relativos à remuneração das concessionárias e permissionárias, manutenção do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão, despesas com gestão do órgão gestor (Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano - CTM), despesas com a gestão dos terminais de integração do SEI (Sistema Estrutural Integrado), estações de BRT e paradas, e gratuidades e abatimentos. O governo do Estado, no sentido de manter a modicidade tarifária, entendeu que deveria suportar grande parte de tais custos, inclusive isentando o ICMS sobre o óleo diesel. Se tais custos e isenções não fossem assumidos pelo Estado e os mesmos incluídos no estudo tarifário, haveria uma majoração na tarifa técnica superior a 20%, que seria suportado, exclusivamente, pelos usuários”, afirmou Tássia Lins, gerente de Contratos do CTM.
VALOR MENOR NO HORÁRIO FORA PICO
O governo de Pernambuco ainda propõe um desconto de R$ 1,00 para os passageiros que usam o Vem Comum nos anéis A e B nos horários das 9h às 11h e das 13h30 às 15h30. É a continuação do Horário Social, programa criado em 2021 para compensar o reajuste de quase 8%. Segundo o Estado, em novembro do ano passado, quase 500 mil usuários foram contemplados pela redução tarifária nos horários de menor demanda. Com isso, o anel A ficaria mais barato que o atual, passando para R$ 3,10, enquanto o anel B permaneceria com o valor de R$ 4,60 nos horários fora de pico.
CINCO REAJUSTES EM SETE ANOS
Caso o reajuste das passagens seja confirmado, será o quinto aumento em sete anos. Em 2015 a tarifa do anel A aumentou 10% e chegou a R$ 3,35. E, a partir daí, houve reajustes frequentes. Somente em 2018 e 2020, anos de eleições, o governo do Estado rejeitou as propostas de aumento, congelando os valores.
CONFIRA A PROPOSTA DA FLTP:
Proposta Passagens da Frente de Luta Pelo Transporte Público by Roberta Soares on Scribd
EMPRESÁRIOS PROPÕEM AUMENTO AINDA MAIOR
O quase certo reajuste de 9,69% das passagens dos ônibus do Grande Recife poderia ser ainda maior se a proposta do setor empresarial for aprovada - o que não deverá acontecer. No dia 19/2, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) apresentou um índice de 22,67% para reajuste das tarifas. A planilha apresentada ao Estado apontava uma tarifa técnica, isto é, o valor necessário para custear a operação, de R$ 4,60.
A Urbana-PE alega que a alta inflação do setor foi puxada, principalmente, pela variação do preço do combustível, que é um dos principais custos do serviço. E que nem mesmo a isenção total do ICMS concedida pelo governo estadual tem sido suficiente para reduzir o impacto. Além disso, reclama da queda da demanda de passageiros, que segue 20% menor do que antes da pandemia de covid-19.
“O óleo diesel aumentou 80% desde a última revisão tarifária. No mesmo período, as despesas com pessoal aumentaram 9,22%, com pneus, 52%, e o preço do veículo, 34%. Lembramos que a pandemia agravou a tendência de queda da quantidade de passageiros do sistema, a sua principal fonte de custeio. Apesar do avanço da vacinação e da retomada das atividades, a demanda atual é 20% menor do que no período anterior à pandemia”, diz, por nota.
Por outro lado, este ano a entidade defendeu a adoção de medidas que possam segurar a tarifa a um preço que a população possa pagar. “A Urbana-PE defende que sejam adotadas medidas para manter a tarifa em um patamar compatível com a realidade socioeconômica da Região Metropolitana do Recife. Nacionalmente, com a participação de prefeitos, especialistas em mobilidade e empresas operadoras, o setor tem pleiteado ajuda do governo federal para custear as gratuidades e desonerar o óleo diesel utilizado pelos ônibus. Entretanto, até o presente momento não houve qualquer sinalização de apoio. Diante desse cenário, a revisão da planilha de custos torna-se necessária e será fundamental a adoção de fontes de custeio extra tarifárias para garantir a operação e permitir a melhorias do serviço de transporte público por ônibus”, pontua.
CENÁRIO NACIONAL
Nacionalmente, o cenário é semelhante. Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), aponta que, sem a ajuda do governo federal ao setor, reivindicada desde os primeiros meses da pandemia, em 2020, a maioria das cidades teve que reajustar as passagens. Entre novembro de 2021 e os primeiros dias de fevereiro de 2022, já são 58 cidades que aumentaram a tarifa dos ônibus. Desse total, cinco são capitais.
"Sem a ajuda financeira do governo federal ou uma mudança no sistema de cálculo da passagem, com a separação da tarifa pública paga pelo passageiro da tarifa técnica que remunera o custo do serviço e a diferença sendo subsidiada pelo poder público, será impossível segurar os aumentos. Vamos lembrar que os sistemas de transporte público já acumulam R$ 22,4 bilhões de prejuízo desde o início da pandemia, não têm mais fôlego para continuar do jeito que está", afirma Otávio Cunha, presidente executivo da NTU.
CONFIRA A EVOLUÇÃO DOS ÚLTIMOS REAJUSTES DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS DO GRANDE RECIFE
2014
Anel A - R$ 2,15
Anel B - R$ 3,35
2015
Anel A - R$ 2,45
(aumento de 10,26%)
Anel B
(valor congelado)
2016 (aumento de 14,42%)
Anel A - R$ 2,80
Anel B - R$ 3,85
2017 (aumento de 14,26%)
Anel A - R$ 3,20
Anel B - R$ 4,40
2018 (valores congelados)
2019 (aumento de 7,07%)
Anel A - R$ 3,45
Anel B - R$ 4,70
2020 (valores congelados)
2021
Anel A - R$ 3,75
(aumento de 8,7%
Anel B - R$ 5,10
(aumento de 8,5%)
Fonte: CTM