Para quem é pernambucano, fazer uma viagem no Aquático, primeiro sistema de transporte público hidroviário de São Paulo, é voltar no tempo e pensar o que poderia ter sido o projeto de navegabilidade do Rio Capibaribe, o Rios da Gente, no Recife. Para quem não recorda, o projeto foi um dos maiores fiascos da gestão pública do PSB em Pernambuco, sonhado pelo ex-governador Eduardo Campos.
O Rios da Gente chegou a ter as obras de construção das estações fluviais iniciadas, mas logo depois foram paralisadas. Previa a implantação de dois corredores fluviais com cinco e três estações e percursos de onze e dois quilômetros, respectivamente.
Os dois projetos, entretanto, têm diferenças fundamentais para viabilizar a operação. Enquanto o Aquático-SP faz apenas a ligação entre dois pontos de embarque e desembarque de passageiros - como é a proposta das barcas que ligam o Rio de Janeiro a Niterói, por exemplo - o Rios da Gente foi projetado para realizar diversas paradas em diferentes estações.
Essa quantidade de paradas para embarque e desembarque, inclusive, chegou a ser apontada por especialistas, na época, como um dificultador do projeto pernambucano, ‘vendido’ à sociedade como um sistema de transporte público urbano de massa. Mas, que na prática, teria um caráter mais turístico, de lazer e contemplação devido ao tempo estimado do percurso ligando o subúrbio das Zonas Oeste e Norte ao Centro do Recife e a área central da capital ao município de Olinda, no Grande Recife.
Isso porque a atracação e desatracação de uma embarcação leva tempo e o tempo vale ouro no transporte público coletivo. Existem referências de que a atracação para embarque e desembarque leva, em média, cinco minutos. E cinco minutos são uma eternidade no transporte público - alertaram especialistas na época.
ECONOMIA DE TEMPO E JUSTIÇA SOCIAL
A Coluna Mobilidade conheceu o primeiro transporte público hidroviário da cidade de São Paulo, que está completando três meses de operação integrada com o sistema de ônibus da capital paulista. O Aquático-SP ainda é operacionalmente pequeno, tendo transportado até agora mais de 90 mil passageiros na operação assistida. Mas já é enorme no exercício da mobilidade urbana como direito e justiça social.
O sistema inclui e, por isso, cria oportunidades para a população. Tem ajudado a melhorar a rotina de pessoas que precisavam contornar uma represa para chegar ao seu principal destino. O Aquático conecta, com barcos, os bairros do Cantinho do Céu e do Mar Paulista, na Zona Sul paulistana, com viagens que duram menos de 20 minutos. Antes, de ônibus, a população levava 1h20. Às vezes, podia chegar a 2h.
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Por isso, os passageiros têm adorado. E, além da economia de tempo, fazem uma viagem agradável pela Represa Billings. “Viemos conhecer o sistema e adoramos. Muito mais rápido. Já enfrentei duas horas de trânsito para fazer esse mesmo percurso, que foi feito em 20 minutos. É muito bom”, afirmou a dona de casa Marina Jesus, que saiu do bairro Jardim Gaivotas para andar de barco pela represa com o neto Matheus, 15 anos.
QUASE 6 KM PERCORRIDOS EM 17 MINUTOS
O novo modal de transporte funciona atualmente com duas embarcações que fazem a travessia pela Represa Billings, na Zona Sul, entre os terminais Cantinho do Céu e Parque Mar Paulista Bruno Covas. Segundo a SPTrans, o sistema beneficia diretamente 385 mil moradores dos bairros Grajaú, Cocaia e Pedreira.
Atualmente, a travessia é realizada por dois barcos de 60 lugares e um terceiro para 30 passageiros. Os barcos maiores fazem o percurso de 5,6 km em 17 minutos, enquanto que os menores conseguem em 12 minutos. As embarcações têm acessibilidade, capacidade para transportar bicicletas, ar condicionado, wi-fi e USB. E são extremamente seguras.
A previsão é de que o serviço seja ampliado nas próximas semanas com mais dois barcos para 30 passageiros. Um deles, entretanto, irá substituir um barco já em operação. Assim, a frota passará a ser de quatro embarcações.
ALÉM DA ECONOMIA DE TEMPO, VISUAL DA VIAGEM AGRADA
Quem usa o Aquático também destaca o quanto agradável é a viagem. “É bom, rápido e bonito. É uma paisagem muito agradável, que nos faz chegar do outro lado mais leve. Espero que a prefeitura mantenha esse transporte”, comenta outra passageira do sistema, a diarista Ana Paula Rodrigues, que tem ido e voltado do trabalho quase diariamente de barco.
Já foram realizadas 3,2 mil viagens do Aquático, considerando ida e volta. Por enquanto e até o mês de dezembro, as viagens acontecem sempre das 8h às 18h e são gratuitas porque o sistema ainda está em operação assistida.
INTEGRAÇÃO COM O SISTEMA DE ÔNIBUS
A integração intermodal é um diferencial do sistema Aquático de São Paulo. No Terminal Mar Paulista, os passageiros podem fazer a integração com os ônibus e seguir até o Terminal Santo Amaro, um dos maiores da capital, com mais de 60 linhas e conexão com o transporte sobre trilhos.
E o serviço de ônibus tem diferenciais de conforto e segurança: os cinco coletivos da operação são elétricos e conduzidos apenas por mulheres. As cobradoras também são todas mulheres. A motorista Márcia Farias é uma delas e destaca os diferenciais do serviço prestado.
“É muito bom e percebemos que os passageiros gostam quando entram no ônibus e veem que são apenas mulheres. Os veículos elétricos também fazem uma grande diferença. São muito confortáveis tanto para os passageiros como para quem conduz”, afirma. As viagens são semi-expressas.
O transporte por ônibus do Aquático-SP é operado pela empresa pernambucana MobiBrasil, que há 16 anos é uma das concessionárias públicas do serviço em São Paulo, além de também ter construído e operar o BRT Sorocaba, no interior do Estado.
RIOS DA GENTE TINHA CUSTO ALTO PARA BAIXA DEMANDA
Voltando a Pernambuco, a navegabilidade do Rio Capibaribe custaria - em valores da época - quase R$ 200 milhões apenas para deixar o projeto pronto. Nesse valor não estavam incluídos os custos com as embarcações - que seriam algo novo, projetado para o sistema pernambucano -, muito menos com a manutenção.
Diante desse cenário, o projeto teria fôlego para se bancar como transporte público de alta demanda, com uma previsão de apenas 11 mil passageiros por dia (286 mil/mês) e com a promessa pública dos gestores da época de operar com uma tarifa equivalente a do ônibus.
O Rios da Gente foi um projeto pensado no auge da liberação de recursos para estruturar as cidades para a Copa do Mundo de 2014. Na época, o então governador Eduardo Campos estava iniciando diversos projetos de mobilidade urbana com ajuda do governo federal - a maioria, inclusive, paralisados ou incompletos até hoje.
A preparação para a navegabilidade do Rio Capibaribe começou em 2013, com valor estimado em R$ 190.021.785,64, tendo R$ 185 milhões de repasse da União e R$ 4.382.963 de contrapartida estadual. É um dos projetos condenados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).