Durante ações policiais em Pernambuco, 12.069 armas de fogo foram apreendidas entre os anos de 2020 e 2021. Mas, ao mesmo tempo em que cresce o número de homicídios praticados com uso desse instrumento, a Secretaria de Defesa Social (SDS) ainda não conta com um banco de dados detalhando as origens das armas que são recolhidas das mãos de criminosos. Para especialistas ouvidos pela coluna Ronda JC, a falta dessas informações dificulta o combate à violência.
"O Pacto pela Vida, instituído em 2007, previa a criação de um banco de dados sobre armamentos. Além disso, havia projetos para que as armas apreendidas ficassem menos tempo nas delegacias e fossem logo destruídas, dificultando o acesso delas. Mas não temos conhecimento de que isso aconteceu. O que se verifica é o aumento das mortes por arma de fogo no Estado", afirmou a socióloga Edna Jatobá, coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e representante do Instituto Fogo Cruzado no Estado.
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Em 2021, houve 3.369 assassinatos em Pernambuco. Desse total, 81,4% das vítimas foram mortas à bala. Em 2020, a porcentagem foi de 81%. No ano anterior, 79%. A média nacional é de 78%.
"No município do Cabo de Santo Agostinho, mais de 90% das mortes são por armas de fogo. Armas legais podem estar sendo desviadas por meio de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) para facções criminosas. Mas o governo do Estado parece não ter ideia de como é a circulação dessas armas", disse Edna.
A reportagem solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que a SDS especificasse quantas das armas de fogo apreendidas nos dois últimos anos, em ações policiais, tinham origem legal ou ilegal. A resposta informada foi que a base de dados criminais do Estado de Pernambuco (Sistema Infopol) não dispõe dessas estatísticas. E que em cada inquérito policial pode constar a informação.
Especialistas em segurança pública cobram estudos mais detalhados sobre as apreensões porque há uma preocupação em relação à flexibilização das regras para porte e posse de armas, que ocorreu nos últimos três anos. Parte desse armamento adquirido de forma legal pode estar sendo repassado a criminosos. Somente entre 2020 e 2021, em Pernambuco, a Polícia Federal concedeu 411 portes de armas e 7.847 registros de posse.
"É importante que as origens das armas apreendidas no Estado sejam rastreadas. São informações bastante relevantes para elucidar crimes e para mapear as ocorrências. Esses controles precisam necessariamente ser estabelecidos o quanto antes para que possamos avançar no combate à violência", pontuou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB-PE), Fernando Ribeiro Lins.
DESCONTROLE
O furto de armas das polícias é outro perigo. Em janeiro de 2021, a Polícia Civil descobriu que ao menos 326 armas (pistolas, revólveres e submetralhadoras) e 3 mil munições foram furtadas do depósito da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Recife. O esquema criminoso foi descoberto graças a um comissário que sentiu falta de algumas armas e informou ao superior. Percebeu-se, durante as investigações, que não havia controle do arsenal sob a vigilância da Polícia Civil. Ao final do inquérito, 20 pessoas foram indiciadas - incluindo policiais civis lotados na Core e integrantes de facções. Posteriormente, o Ministério Público denunciou os acusados à Justiça. Mas a maioria das armas não foi recuperada.
Em entrevista recente à coluna Ronda JC, o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, o advogado Bruno Langeani, pontuou que apenas dois Estados brasileiros - Rio de Janeiro e Espírito Santo - contam com delegacias especializadas na apuração do tráfico de armas e munições. "Sem investimento e priorização, os Estados seguem atuando no automático e no escuro", afirmou.
A falta de informações sobre a circulação das armas de fogo no Estado pode diminuir graças à recente adesão do governo de Pernambuco ao Sistema Nacional de Análise Balística, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O Instituto de Criminalística Estadual passou a usar um equipamento que está sendo testado para tentar rastrear munições e identificar se determinada arma foi utilizada em mais crimes.
Durante uma semana, a coluna questionou a SDS sobre a falta de um banco de dados com a origem das armas apreendidas para ajudar nas investigações e estudos do Pacto pela Vida, mas a assessoria não respondeu.