Após um ano, completado neste domingo (29), os policiais militares que atiraram nos olhos de dois trabalhadores durante a dispersão de um ato pacífico contra o governo Bolsonaro, na área central do Recife, não foram punidos pelo governo de Pernambuco. A promessa de celeridade nas investigações do caso ficou apenas no discurso. Já as cicatrizes e o trauma permanecem forte na rotina das vítimas.
O arrumador de contêineres Jonas Correia de França, de 30 anos, havia acabado de largar e, ao visualizar a confusão entre PMs e manifestantes, na Ponte Princesa Isabel, telefonou para a esposa. Avisou que iria se atrasar. Foi quando foi atingido no olho direito pelo tiro de elastômero (bala de borracha). Os PMs não prestaram socorro. A vítima lembra todos os dias aquela tarde do dia 29 de maio de 2021.
"Toda vez que olho no espelho, vem aquela dor. Não nasci assim. Graças a Deus tenho minha esposa e meus dois filhos. São eles que me fazem ficar de pé", conta. "Não voltei a trabalhar, sobrevivo de um salário mínimo que o governo está pagando. Queria trabalhar com qualquer coisa. Ganhar um pouco mais para poder sair com minha família. Ter algum lazer."
Além do salário mínimo vitalício, o governo do Estado também pagou uma indenização a Jonas. O valor, por questão de segurança, não será informado.
O terceiro sargento do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins, acusado de disparar o tiro em Jonas, foi indiciado criminalmente. Atualmente, é réu pelo crime de lesão corporal grave, com o agravante de o crime ter sido cometido por um militar. A pena pode chegar a cinco anos de prisão. O processo está em fase de audiências de instrução e julgamento.
Na época dos fatos, a Secretaria de Defesa Social (SDS) determinou o afastamento cautelar do policial por 180 dias. Questionada, a SDS não quis informar se o PM voltou às atividades ou se houve renovação do da medida cautelar. A Corregedoria não concluiu o processo administrativo que pode resultar na exclusão de Reinaldo da corporação.
Outra vítima foi o adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos. Ele passava pela Ponte Duarte Coelho, durante o protesto, quando foi atingido no olho esquerdo e perdeu a visão. "As condições dele são muito difíceis. Não está trabalhando e ainda vai passar por outra cirurgia", explica o advogado de Daniel, Marcellus Ugiette.
Ao contrário de Jonas, Daniel não fechou acordo com o governo do Estado. Desta forma, entrou na Justiça com o pedido de indenização por danos morais e materiais, segundo Ugiette. "Ao mesmo tempo, pedi ao juiz a concessão da tutela antecipada para que Daniel recebesse dois salários mínimos por mês. O juiz concedeu, mas o Estado recorreu. Na semana passada, após meses sem pagar, a Secretaria Estadual de Administração entrou em contato e falou que iria pagar."
No último mês de abril, o PM que atirou no adesivador foi indiciado por lesão corporal gravíssima (cuja pena pode chegar a oito anos de prisão) e por omissão de socorro (seis meses de detenção ou multa). Outros oito policiais do Batalhão de Radiopatrulha também foram indiciados por omissão de socorro. Os nomes deles não foram revelados. A SDS se negou a responder se eles ainda estão afastados das ruas.
No final do mês passado, a Corregedoria da SDS concluiu o procedimento que apurou a ação de PMs do Batalhão de Radiopatrulha por uso de spray de pimenta contra a vereadora Liana Cirne (PT). O soldado Lucas França da Silva, que estava na viatura policial, foi punido com 21 dias de detenção. Meses antes, um inquérito policial também foi concluído, mas detalhes não foram revelados.
E QUEM DEU A ORDEM?
Até hoje, o governo de Pernambuco não esclareceu quem, de fato, deu a ordem para que os policiais militares avançassem contra os manifestantes no ato pacífico. A coluna Ronda JC solicitou uma entrevista ao secretário de Defesa Social, Humberto Freire, mas ele não quis.
Freire assumiu a titularidade da SDS após a exoneração do delegado federal Antônio de Pádua, dias depois da ação violenta da PM. O novo secretário se apressou em fazer uma coletiva e, diante dos holofotes, chegou a prometer transparência sobre o caso.
Na época, um documento interno da Polícia Militar, revelado em primeira mão pela coluna Ronda JC, mostrou que a ordem de dispersar os manifestantes teria sido dada pelo então comandante geral da PM, Vanildo Maranhão, que também perdeu o cargo dias depois. Ele acabou transferido para a reserva remunerada com salário-base de mais de R$ 23 mil, segundo Portal de Transparência. Vanildo nunca veio a público dar sua versão sobre o caso.