Atualizada às 22h04
Com as vacinas CoronaVac, do Instituto Butantan, e a de Oxford, produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em análise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cresce a expectativa dos brasileiros em finalmente ter um imunizante contra a covid-19, doença que já matou 203 mil pessoas desde seu aparecimento no país. Para comentar essa espera, percalços para a aprovação e a expectativa para início de campanhas de vacinação, a doutora em neurociência e idealizadora da Rede Análise Covid-19, Mellanie Fontes Dutra da Silva, considerada uma das cientistas mais influentes no combate à desinformação que ronda a pandemia, deu entrevista à Rádio Jornal nesta terça-feira (12). Confira:
Rádio Jornal - A gente está torcendo por qualquer vacina, mas fica muito evidente que estamos mais perto da CoronaVac, por todos os anúncios e pela credibilidade do Butantan. No entanto, sempre está faltando alguma coisa para ser aprovada. Ontem, a Anvisa ainda pedia alguns documentos, enquanto Doria pedia a aceleração. O que está havendo atrás disso?
Mellanie Fontes: É complicado se posicionar e dar uma certeza sobre o que está acontecendo porque, realmente, existe uma falta de transparência dos dados que é bastante complicada e que agrava a situação, porque existe uma politização, uma polarização ao redor de algumas vacinas, em especial ao redor desta. Fica difícil dizer que a cobrança pela pressa na análise tem respaldo, porque nós não sabemos quais componentes foram enviados, os dados não foram ainda disponibilizados publicamente na íntegra; da mesma forma, não sabemos dizer se essa exigência da Anvisa está de acordo, me parece que está, porque pelo painel fica claro que os documentos ainda faltantes são importantes, mas como a gente não tem os dados públicos, fica difícil saber o que está acontecendo, de fato. Eu, enquanto pesquisadora, defendo nossas instituições de ciência. Da mesma forma que é o Butantan, a Anvisa é uma instituição de excelência. Eu só fico bastante preocupada com essa falta de transparência dos dados, porque se tivéssemos conhecimento desses, já teríamos uma compreensão muito mais ampla da situação nesse momento.
Rádio Jornal - A falta de transparência para a imprensa acontece dos dois lados, tanto dos institutos que pedem o registro das vacinas, quanto da agência reguladora. Mas o mais importante de tudo isso é a autoridade da saúde, ontem, ter dito que a vacina vai começar "no dia D, na hora H". O que a senhora entende quando o ministro fala de dia D?
Mellanie Fontes: Também fica complicado a gente estabelecer isso porque, enquanto a gente não tiver uma aprovação para uso emergencial, é complicado estabelecer o dia D, independente do que ele represente. É importante ter cronograma, para criar estratégias, mas é necessário a gente ter cautela, porque a promessa de datas mexe com as expectativas da população, e sabemos que esse processo de análise foi pensado para ser o mais otimizado possível, dentro desse período de 10 dias que a própria Anvisa estipulou para fazer a análise de documentos. Ao mesmo tempo, a promessa fica meio complicada porque podem acontecer situações como as que estão acontecendo: documentos incompletos, necessidade de mais dados. Enfim, o tempo vai correndo nesse período. Eu achei essa frase muito complicada porque, além de não nos dizer muita coisa, mostra que, talvez, não se tenha ainda esse planejamento bem determinado, o que é problemático; precisamos que esse planejamento esteja muito bem delineado por parte das nossas autoridades maiores.
Listen to Mélani - Passando a Limpo byRádio Jornal on hearthis.at
Rádio Jornal - Essa vacina estava para ser aprovada na agência reguladora da China e na nossa Anvisa. Tem alguma informação sobre como está na agência da China? Por que não aprovou ainda?
Mellanie Fontes: A vacina da Sinovac, assim como outras, está aprovada para uso emergencial em alguns locais, acho que a China é um dos inclusos já tem um tempo. Eles tinham aprovado para alguns grupos estratégicos ainda quando a fase 3 era conduzida, inclusive era um dos focos dos meus questionamentos do porquê da aprovação de um imunizante que está em fase de investigação, porque precisamos dos dados de segurança e eficácia da fase 3 para fazer uma aprovação de uso emergencial, mas, como essas agências reguladoras são independentes, lá houve essa aprovação. A aprovação que visamos aqui é a partir dos dados completos da conclusão da fase 3, mas essa vacina já é aprovada emergencialmente em outros locais.
Rádio Jornal - Com esses atrasos, tanto na concessão da licença emergencial, quanto na indefinição de uma data, qual é a estimativa dos cientistas em relação ao percentual da população brasileira que deve ser vacinada até o final de 2021?
Mellanie Fontes: A gente tem acompanhado algumas declarações de alguns especialistas, inclusive de algumas autoridades relacionadas ao processo, de que o foco, em 2021, é abraçar a população de risco e os eixos prioritários estabelecidos pelo PNI. Vamos focar muito agora para imunizar todo esse pessoal, que é uma parcela significativa da população, para que, no fim de 2021 e início de 2022, a gente possa estar expandindo a campanha para a população em geral. É uma campanha que necessita de um tempo para abraçar toda a população, vai necessitar um engajamento imenso por parte da população para busca do imunizante. Nossa expectativa é imunizar o maior número de pessoas em um curto espaço de tempo, para impactar diretamente a curva de transmissão do vírus e o surgimento de novos casos. Isso é muito importante. Aos poucos, a medida que a gente vai imunizando mais pessoas, esperamos uma diminuição cada vez mais significativa na transmissão, que vai proteger, um pouco mais, as pessoas ainda suscetíveis.
Rádio Jornal - Sabemos da dificuldade do MS em passar informações confiáveis ou de maior credibilidade sobre a operacionalização da campanha de vacina. Por outro lado, temos uma expertise histórica em fazer grandes vacinações em um único dia. Com essa dificuldade, podemos acreditar que os estados tomarão para si essa tarefa de fazer a vacinação com melhor desempenho? Qual é a sua expectativa?
Mellanie Fontes: Eu imagino que, como os estados têm certa autonomia, é possível negociar no sentido de estabelecer seus próprios meios para conduzir esse processo. Não tenho muitas informações a respeito de como isso está se organizando, o que foi disponibilizado publicamente foi o Plano Estadual de Imunização de São Paulo. Eles estabeleceram esse plano que foca bastante na CoronaVac, que está sendo desenvolvida na parceria entre o Butantan e o Sinovac, com acompanhamento do governo de São Paulo. Então, esse é o que eu tenho mais conhecimento. Eu vejo muitas declarações de que alguns governadores vão seguir o PNI e, de uma forma autônoma, vão estabelecer compras e negociações para insumos, como seringas, para que todo o amparo logístico seja bem realizado nesse período.
Rádio Jornal - Há grande expectativa em relação às vacinas de Oxford e a CoronaVac. A senhora acha que estamos mais perto de qual?
Mellanie Fontes: É difícil dizer, porque não sabemos os dados completos que foram enviados para a Anvisa. Não tivemos essa divulgação pública para que soubéssemos qual está mais perto; o que temos é o painel da Anvisa, que mostra o quanto já foi analisado de um, e quanto falta da totalidade do que é previsto e esperado. Eu diria que as duas vacinas estão em um passo parecido. A CoronaVac já tem uma parte interessante já analisada em relação à da Oxford, mas a da Oxford tem uma completude de documentos maior que a da CoronaVac. Então, depende. O ideal é irmos acompanhando esse painel e lembrando que esse período é de 10 dias. Se o pedido de autorização do uso emergencial de Oxford foi feito na sexta-feira, na semana que vem, se não houver algum percalço no caminho, é provável que a gente já tenha o resultado.
Rádio Jornal - É normal que, como a CoronaVac, cada país apresente um percentual de eficiência diferente nos testes?
Mellanie Fontes: A gente precisa entender a o que esses dados se referem. Temos um número de eventos que precisamos analisar para calcular a eficiência das vacinas. Esses eventos são relacionados com os casos de covid-19 encontrados em cada um dos grupos estudados; dos que receberam o imunizante ou o placebo. A partir daí, vai ser estabelecido quanto a vacina é capaz de diminuir o risco de desenvolver a doença de um grupo em relação a outro; é um risco relativo.
Dito isso, sem o número de eventos para fazer uma análise final, podemos estabelecer análises preliminares, que é o que chamamos de interinas. Para estabelecer uma eficácia final, precisamos de 160, 170 eventos. Com 20 ou 30, já posso começar a fazer análises interinas. O que temos na Indonésia e na Turquia são análises interinas. Na Turquia, foram cerca de 29 eventos analisados, em 1.300 vacinados. Na Indonésia, foi um pouco menos. Enquanto no Brasil estamos falando de 218 eventos e mais de 12 mil vacinados, seja com o imunizante ou com o placebo. É diferente comparar 218 de um país com 29 de outro, que estes estão em um ponto anterior a nós, ainda coletando dados de eventos. Além de ser um número muito diferente de eventos, também não sabemos o perfil dos participantes. Talvez não tinham tantos idosos, acima de 55 anos, enquanto aqui tivemos a participação de pessoas acima de 55 anos para a investigação. Então, não podemos estabelecer comparativos nesse momento.
Rádio Jornal - Quem teve a doença, também terá que ser vacinado?
Mellanie Fontes: Com certeza, é bastante recomendado. Só não sabemos se serão vacinados de imediato, ou se vamos estabelecer uma certa ordem, porque é muito importante vacinar primeiro os suscetíveis, aqueles que não têm imunidade alguma contra a covid-19. A vacinação vai promover uma imunidade mais robusta, mais abrangente; especialmente relacionada a essa questão das variantes. Sobretudo, uma possível imunidade mais duradoura. É necessário que quem já se recuperou da covid-19, que tem títulos de IGG, tem anticorpos, que procure a vacinação para aumentar a robustez da sua resposta imunológica.