A ômicron, nova variante do coronavírus detectada na África, desperta uma série de preocupações em todo o mundo e, mais do que levantar um debate sobre questões biológicas e epidemiológicas, retrata desigualdades na política internacional de combate à covid-19. Com baixíssima cobertura vacinal, o continente se viu com o título de berço da ômicron, que tem se mostrado de alta transmissibilidade.
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Quase um ano após o início da vacinação contra a covid-19, há pelo menos dois países que ainda não iniciaram suas campanhas de imunização: Eritreia (país africano que tem fronteira com Djibouti, Etiópia e Sudão; todos também com pequena cobertura vacinal) e Coreia do Norte, que vive sob a ditadura de Kim Jong Un. É ainda importante frisar que Burundi e República Democrática do Congo, ambos na África, são os menos vacinados, com 0,007% e 0,06% da população protegida, respectivamente.
Números da ômicron
- 50 ou mais mutações foram detectadas na variante ômicron, o que pode ter impacto na forma como o vírus se propaga e na gravidade da doença
- 32 dessas mutações estão na superfície do vírus — na proteína spike, que é a “chave” para entrar na célula humana. Algumas dessas mutações são inéditas; nunca ocorridas em outra variante
- 3 vezes maior é a chance de reinfecção pela nova variante ômicron, segundo estudo conduzido na África do Sul
Como retrato da desigualdade vacinal, cerca de 93% da população do continente africano não receberam ainda a segunda dose contra a covid-19, ao passo que um total de 8,1 bilhões de doses já foram aplicadas no mundo. Na lista dos 50 países mais vacinados contra o coronavírus, 39 estão no grupo de alta renda — Emirados Árabes Unidos têm quase 90% da população imunizada. Em seguida, vêm Portugal (87%), Singapura (86%), Catar (85%), Chile e Malta (84%), Cuba (81%), Coreia do Sul e Camboja (80%), Espanha e Seychelles (79%) e Malásia (78%). Já o Brasil atualmente tem 64% da população com duas doses.
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"A ômicron é uma variante que não se originou de uma já conhecida, ao contrário do que a gente pensava. Ela parece revelar a grande adaptação do vírus numa região sem vacina, como é o caso de alguns países da África, que têm baixas coberturas. Isso fez com que houvesse o desenvolvimento de uma variante que tem revelado capacidade adaptativa e competitiva", destaca a médica epidemiologista Ana Brito, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco.
Para ela, o fantasma da covid-19 volta à tona, quando tudo parecia caminhar para o controle, porque o mundo vivencia a desigualdade na cobertura vacinal. "Esse cenário nos leva a avaliar qual é a política de solidariedade global, pois a pandemia não diz respeito só a um país. Claro que é importante que se avance na vacinação completa e na dose de reforço, mas é fundamental que isso ocorra para todo o mundo", diz a especialista. Dessa maneira, Ana Brito reforça que, neste momento, a prudência se faz mais do que necessária. "Precisamos das medidas não farmacológicas, que devem ser associadas às medidas de barreiras biológicas. Então, mais uma vez, frisamos a necessidade de uso de máscara, distanciamento social e preferência por lugares ventilados. E nada de promover aglomerações."
O alerta da epidemiologista vem no momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que a variante ômicron vai se propagar pelo planeta. A entidade pediu que os governos examinem os casos detectados dentro de suas fronteiras e avaliem os riscos para tomar medidas de contenção. "É provável que mais países comecem a vê-la circulando em breve. A iniquidade da vacina está prolongando a crise da covid-19, e é exatamente isso que estamos vendo com a chegada da ômicron", afirma a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Carissa F. Etienne.
Outro detalhe, também já compartilhado por porta-vozes da OMS, é que a ômicron é muito transmissível. A epidemiologista Ana Brito concorda. "É uma variante que conseguiu deslocar os casos de delta em pouco menos de três semanas, passando a ser a variante predominante em países da África, como Moçambique e África do Sul", frisa.
Para o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, a nova variante nos traz uma grande preocupação e um alto nível de incertezas. "Com a ômicron, os cuidados, como o uso correto da máscara e a lavagem frequente das mãos, tornam-se mais fundamentais. E o processo de imunização da população precisa continuar avançando”, sublinha.
Atualmente, o Brasil tem seis casos da nova variante do coronavírus: três em São Paulo, dois no Distrito Federal e um no Rio Grande do Sul.
Ômicron em crianças?
O medo de o coronavírus infectar crianças da mesma forma que adultos retomou com a expansão da variante ômicron. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul mostram que crianças com menos de 2 anos já representam 10% das internações, depois de identificada a nova variante do vírus no país. Na sexta-feira (3), uma porta-voz do instituto daquele país informou que a incidência, nos menores de 5 anos, é agora a segunda maior, logo atrás dos maiores de 60 anos.
Como permanecem muitas incertezas, não dá para afirmar ainda que a ômicron teria uma maior gravidade em crianças, em comparação com outras variantes.
O fato é: a tendência é que os casos mais graves ocorram na população não vacinada, pois o vírus agora tem as pessoas mais vulneráveis como alvo. Por isso, não vale a pena descuidar.