As cenas que tiveram alcance nacional mostram o desespero de funcionários e pacientes no momento em que desabou o forro do teto da unidade de trauma do Hospital da Restauração (HR), no bairro do Derby, área central do Recife. Esse caos que se exacerbou na segunda-feira (2), contudo, só traz novamente à luz a crise acentuada vivida pela maior emergência pública do Norte e Nordeste do Brasil, além de ser referência no atendimento de casos de queimaduras graves, intoxicação, agressões, acidentes de trânsito e neurocirurgia.
Inaugurado há 52 anos, o HR está com uma infraestrutura à beira do colapso. Resultado: corredores superlotados, macas no chão, piso arrancado, tetos infiltrados, famílias, pacientes e funcionários angustiados. Até quando as autoridades e a sociedade vão normalizar um cenário como este?
Com a pandemia, a precariedade sustentada pelo HR exprime consequência de uma das mais graves crises da saúde. Os principais sintomas dessa decadência estrutural são experimentados pelos pacientes, que se afligem sem ter um espaço adequado e um leito digno para ter a saúde restabelecida.
"Temos pacientes nos corredores. São 50 na emergência clínica. Deveríamos ter nenhum, mas infelizmente nós temos. E acreditem: muitos não querem ir para um hospital de convênio (particular) porque dizem que aqui (no HR) estão com melhores médicos e condições. É um paradoxo, mas é fato", disse, em entrevista à Rádio Jornal, o diretor do hospital, Miguel Arcanjo, nesta terça-feira (3). Ele acrescentou que a unidade de trauma está acima da capacidade instalada. "Temos 26 doentes no corredor. É fato, público e notório; não há o que esconder sobre isso."
É um cenário grave e inaceitável. Reconhecemos o empenho dos profissionais do HR de não deixar os pacientes sem atendimento. Sabemos o quanto cada um deles se dedica para encarar rotinas exaustivas, com o foco em dar tudo de si para cuidar dos pacientes e salvar vidas. Mas esses profissionais também precisam estar protegidos, pois estão na vanguarda da assistência a pessoas internadas e fragilizadas por graves problemas de saúde.
O compromisso do HR é com a saúde da população. A luta de ontem, hoje e sempre da maior emergência pública do Norte e Nordeste do Brasil é para salvar vidas. Para o HR seguir com essa missão, o Estado de Pernambuco precisa assumir a responsabilidade e coordenar medidas firmes para promover a humanização na assistência e resgatar o respeito e a dignidade dos pacientes.
"A emergência clínica passou por uma superlotação notória, com pacientes nos corredores, o que não era habitual. Há 45 dias, foram abertos 50 leitos de retaguarda. Tínhamos 100 pacientes nos corredores da emergência clínica. Nós conseguimos desafogar. Hoje temos 50 pacientes nos corredores", informou Miguel Arcanjo.
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O diretor do HR destacou que há uma proposta do governo do Estado, através da Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES), de transformar o antigo Hospital Alfa (atualmente Hospital de Referência à Covid-19 Unidade Boa Viagem) em retaguarda para a neurologia e neurocirurgia. "Há a proposta de abertura de 100 leitos a curto prazo, já que o Alfa está sendo reativado para outra finalidade, que é essa da neurologia e neurocirurgia do Estado de PE. Com isso, teremos a diminuição de pelo menos 60 a 70 pacientes na unidade de trama, que são doentes neurocirúrgicos que estão aguardando cirurgia."
Questionado sobre rumores de que teria ocorrido óbito no Hospital da Restauração, como consequência da queda do forro do teto, Miguel Arcanjo garante que não houve mortes. "Eu estava todo o tempo lá (na segunda-feira, dia 2, após o ocorrido), transportei pacientes. Não aconteceu isso (mortes). Foram quatro óbitos por causas naturais e dois por causas violentas."
Em nota, a Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES) informou que "o incidente (vazamento de uma tubulação de água e queda de placas de gesso na unidade) foi um caso fortuito e pontual, que foi prontamente resolvido pela equipe de manutenção da unidade".
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) determinou, na tarde da segunda-feira (2), que o Hospital da Restauração se pronuncie sobre a queda de parte do teto da unidade de trauma (emergência).
Por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Capital, foi instaurada uma notícia de fato com remessa de ofício à direção do hospital, para que "se pronuncie sobre as imagens e as providências adotadas, a fim de garantir a assistência aos pacientes desse setor". O diretor, o cirurgião Miguel Arcanjo, tem 24 horas para se manifestar.
"Baratas circulam nas proximidades dos pacientes", diz funcionário do HR
Um funcionário do HR, que conversou com a reportagem da TV Jornal e prefere ter a identidade preservada, contou que parte da teto desabou há bastante tempo, com toda a fiação elétrica exposta, água caindo sobre os fios e fumaça. "Tudo isso coloca em risco os profissionais e os pacientes, que são transportados pelos corredores. Vemos baratas circulando nas proximidades dos pacientes, que estão recebendo assistência precária", diz.
Ele acrescenta que as pessoas internadas na unidade estão fora do setor onde deveriam estar porque não há vagas. "E apesar disso, o hospital continua recebendo (pacientes), sabendo que não tem mais condições (de atender) a partir de um número 'x' de pacientes, de prestar assistência digna."
Outro detalhe que chama a atenção do funcionário é o fato de os pacientes ficarem espalhados, em locais longe dos profissionais de saúde. "Há pacientes para todos os lados. Quando não dá para eles ficarem no salão, ficam sendo distribuídos pelos corredores e muito longe do local de assistência. Vemos com muita frequência pacientes perdendo vida sem terem a chance de ter o tratamento certo."
O trabalhador do HR ainda vê, neste cenário de caos, profissionais adoecendo, que não querem mais tirar plantão em determinadas áreas do hospital. "Já perdi as contas das vezes em que eu me retirei do setor para chorar, tendo que assistir a tudo isso quase que todos os dias. E no quesito segurança, vários funcionários têm feito queixa. Eles deixam as coisas (os pertences) no repouso e, quando voltam, não tem nada. A bolsa foi levada, o celular foi levado, o sapato de trabalho foi levado. Tudo é completamente inseguro. O SUS não é isso", complementa.