Conhecida como a “Roliúde Nordestina”, com direito a letreiro gigante na entrada da cidade igual à Hollywood americana, Cabaceiras, a 189 quilômetros de João Pessoa, no sertão paraibano, teve uma boa história pra contar o retomar o turismo com tudo no segundo semestre de 2021. Por isso, ganhou destaque na retrospectiva da Coluna Turismo de Valor, juntamente com um de seus principais cartões postais, o Lajedo do Pai Mateus.
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Claro que parece mais uma das histórias fantásticas contadas pela dupla de “O Auto da Compadecida”, mas, na verdade, a história de Cabaceiras é realmente fantástica. Afinal, por que uma cidade minúscula no meio do “nada” realizou tudo que qualquer outra maior sonharia? Como ela vem conseguindo há 92 anos sobreviver do cinema e ter sido palco de mais de 52 produções, entre filmes, séries e novelas? A resposta que pode parecer ficção é a própria ficção. Sim, foi vivendo de fantasia que Cabaceiras se tornou uma feliz realidade.
Mas em vez de fazer como os icônicos personagens do clássico escrito por Ariano Suassuna e enrolar, vamos lá responder aos questionamentos. Cabaceiras é considerada a cidade de menor precipitação pluviométrica de todo o Brasil, ou seja, sem chuvas e com poucas nuvens as filmagens podem se estender por mais tempo e com mais qualidade devido à fartura da luz natural. Além das condições climáticas, ela é uma espécie de cidade cenográfica e real ao mesmo tempo com casarões multicoloridos bem preservados do século XVIII.
Ainda tem bem ao lado o famoso Lajedo do Pai Mateus, a icônica elevação rochosa com misteriosas pedras gigantes arredondadas. Pra completar, os moradores ajudam em tudo, desde cozinha, transporte, figurino e, principalmente, como figurantes. A utilização dos cabaceirenses nas produções é condição quase que obrigatória para gravar lá. E a satisfação é dos dois lados, tantos os diretores quanto os moradores que se transformam em “artistas por um dia”, ou melhor vários.
A primeira gravação realizada em Cabaceiras foi a do curta “Sob o Céu Nordestino” em 1929. Depois, sob o mesmo céu da cidade, vieram mais 51 produções audiovisuais, entre elas “Cinemas, aspirinas e urubus” (2005), “Canta Maria” (2006) e “Onde nascem os fortes” (2018). Mas é inegável que a mais marcante foi o já citado “O Auto da Compadecida”, de 2000, dirigido por Guel Arraes. É impossível não andar pelas ruas da cidade e não reconhecer os cenários utilizados no clássico de Ariano. Como não querer “tomar uma” no mesmo bar que Vicentão passou ou ajoelhar em frente à igreja em que Capitão Severino matou todo mundo?
“Depois do Auto da Compadecida Cabaceiras passou a ser conhecida em todo o Brasil e também no exterior. Foi quem alavancou o nosso turismo. No city tour nós passamos pela igreja matriz, a padaria, a cadeia que serviram de cenário para o filme. Todo turista que vem quer conhecer esses locais e, inclusive, reproduzir as cenas (inclusive o repórter). É muito divertido”, contou a guia de turismo da cidade Robéria Mendes, convidada pela agência pernambucana de ecoturismo Vem de Andada, com a qual a Coluna Turismo de Valor viajou e indica o serviço.
No passeio pela cidade você pode visitar também o museu histórico-cultural, com um rico acervo de antiguidades, e o Memorial Cinematográfico, com um apanhado de todas produções audiovisuais rodadas ali. Outro ponto turístico é a loja de artesanato do Zé de Cila, cujo dono virou a figura mais ilustre de Cabaceiras após ser dublê do ator Rogério Cardoso que interpretou o Padre João. Até hoje, ele recebe os turistas na porta do estabelecimento vestido com a batina.
A propagandista recifense Isabelle de Moura, de 35 anos, aproveitou a celebridade para tirar foto e bater um papo. “Cabaceiras é uma cidade fantástica, me senti uma atriz do Auto da Compadecida. Pude reviver cenas e dei muitas risadas. Conversei com Zé de Cila e até uma benção eu pedi ao padre famoso. Saí da cidade encantada”, lembrou Isabelle. Viu que não é invenção de João Grilo e Chicó? Cabaceiras é mesmo a “Roliúde Nordestina”. Agora quando perguntarem você pode dizer “sei e foi assim”.
Lajedo do Pai Mateus
Um banquete de mistério, misticismo e beleza em pleno Sertão da Paraíba. O Lajedo do Pai Mateus, no município de Cabaceiras, é uma elevação rochosa de 1,5 km² de extensão onde se equilibram mais de 100 pedras arredondadas de até 4 metros de altura. Ele tem um formato que se assemelha a um prato virado para baixo que inexplicavelmente sustenta as rochas gigantes de várias toneladas e uma história envolvendo um ermitão curandeiro e índios cariris que habitaram ali há 12 mil anos. Ou seja, um prato cheio para místicos, curiosos ou simplesmente admiradores da natureza.
“O Lajedo do Pai Mateus foi eleito em primeiro lugar na votação da das 7 Maravilhas da Paraíba. É considerado como uma formação única em todo o continente americano e existem apenas parecido em pouquíssimos lugares no mundo. É um importante sítio arqueológico e paleontológico que fica em uma área de preservação ambiental de 1.800 hectares que faz parte da APA do Cariri”, explicou o guia de turismo Gerson Lima.
Este intrigante “mar de bolas” do Lajedo do Pai Mateus bem no meio da árida paisagem sertaneja paraibana tem características geológicas só encontradas em países como Austrália, Namíbia e Argélia, segundo especialistas. Tecnicamente as rochas são classificadas como matacões que são blocos compactos arredondados formados pela erosão. O curioso é que no local elas possuem formatos bem exóticos como a de um capacete e algumas apresentam também inscrições rupestres atribuídas aos indígenas que viveram e também usaram como cemitério a região. Marcas que o tempo não apagou e que ajudam a explicar a áurea espiritual do lugar seco e cheio de histórias.
Por falar em história a mais famosa é a que justamente deu nome ao Lajedo do Pai Mateus. Reza a lenda que na metade do século XVIII um ermitão curandeiro se estabeleceu em uma das pedras e passou a atender gratuitamente a população que vivia no entorno do lajedo. A cura era realizada com orações e plantas medicinais e em troca as pessoas levavam comida para ele. Pai Mateus era seu nome. Acredite ou não, na gruta que teria servido de moradia para ele existe uma mesa de pedra e inscrições no teto e paredes.
O local é um convite para desconstruir a dualidade entre bruto e delicado. Afinal, ao mesmo tempo em que se vê o pesado das toneladas das rochas se enxerga a leveza dos formatos delas que parecem rolar abaixo ao menor toque. Além da Pedra do Capacete, que é a maior, também chama a atenção Pedra do Sino que reproduz o som peculiar do instrumento ao ser batida. Tudo isso impressionou demais a propagandista recifense Isabelle de Moura, de 35 anos. "A viagem foi uma das comemorações do meu aniversário e o sentimento foi de renovação. Além da paisagem maravilhosa, a energia das pedras e a serenidade do pôr do sol. Aquele lugar é magico, tem alma”, afirmou Isabelle.
Como ela disse, esse paraíso rochoso da Paraíba fica ainda mais belo ao entardecer. É neste momento em que o alaranjado do pôr do sol realça a beleza das pedras gigantes e você se sente ainda mais minúsculo diante da grandiosidade do espetáculo da natureza no Lajedo de Pai Mateus. É no prato virado que se serve o banquete de mistério, misticismo e beleza.