MÚSICA

Sheldon festeja 15 anos de carreira e analisa: 'MCs deveriam estar com linguagem mais evoluída'. Confira a entrevista

Pioneiro do brega-funk, cantor relembra de início da trajetória no Coque, primeiros sucessos, controvérsias com Ministério Público e chegada até a sua atual fase: 'Eu vim do brega, mas não sou mais um cantor de brega. Não tenho rótulos'

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Emannuel Bento

Publicado em 17/12/2021 às 18:22 | Atualizado em 22/12/2021 às 11:05
SHELDON EM DOIS TEMPOS Cantor passou por várias fases na carreira de 15 anos - REPRODUÇÃO DA INTERNET

O trânsito da Avenida Agamenon Magalhães, uma das principais vias do Recife, foi obstruído durante uma noite de 2011. Uma multidão estava do lado externo do Clube Português, nas Graças, Zona Norte da capital, para tentar acompanhar o show da gravação do DVD dos recifenses MC Sheldon, Boco e DJ GG. Na abertura da apresentação, Sheldon disse uma frase que ganhou as redes sociais em Pernambuco: "A camisinha estourou para eu nascer. E eu nasci para estourar". A filmagem resultou no primeiro grande DVD de brega-funk no estado.

De lá para cá, o autor da frase mudou. Com roupas mais formais, mas ainda excêntricas, ele é um dos cantores mais chamados para cantar em festas de formaturas, casamentos e outros eventos sociais da classe média do Grande Recife. Neste domingo (19), a partir das 19h, esses "dois Sheldons" vão se encontrar para um show de 15 anos de carreira, na Lounge Music, em Jaboatão dos Guararapes. A programação da noite conta com outros MCs dos primórdios do ritmo: Leozinho, Cego, Tocha, Tróia e Menor.

O começo

A história da carreira de Sheldon diz sobre o próprio começo do brega-funk, ambos temas com poucos registros textuais. "É uma história longa", começa Sheldon da Silva Ferreira, 30, em entrevista ao JC. "Na verdade, o nosso pioneiro é o MC Leozinho. Ele era o cara do funk e tinha muitas músicas 'gerando'. Eu era apenas uma criança normal que morava no Coque e tinha o sonho de cantar", relembra.

COMEÇO Foto de Sheldon no começo da carreira, quando morava no Coque - REPRODUÇÃO DA INTERNET
COMEÇO Foto de DJ Selo com MC Sheldon para o Bonde dos MCs, que era uma união dos MCs do Grande Recife - REPRODUÇÃO DA INTERNET

Sensação entre os jovens das periferias no começo dos anos 2000, o funk recifense já não tinha mais espaço nas casas de shows por conta das brigas que tomavam conta dos eventos. Foi quando MC Leozinho gravou o seu primeiro brega: "Dois Corações", com DJ Serginho.

"Eu também cheguei a cantar funk proibido, expondo o dia a dia da favela, em 2007. Mas isso só ficava na comunidade. A sugestão de cantar um brega veio da rádio comunitária do Batatinha. Eu tinha algumas composições em funk, mas ele me disse que aquilo também poderia ser brega. Fomos para um estúdio em Água Fria para gravar", diz.

Com apoio de rádios comunitárias, "Sheldon Vem Pra Mim/Desculpa Amor Se Eu Te Ofendi", em parceria com a cantora Larissa, apresentou o cantor ao cenário brega em meados de 2008. "Eu não saia da comunidade para nada. Quando lancei esse primeiro brega, gerou certa curiosidade do povo. Eu não tinha Orkut, essas coisas. Numa época em que só tinha Leozinho, a música entrou na Zona Norte: Bomba do Hemetério, Alto do Pascoal e Vasco da Gama. Esse é o berço do brega desde os tempos das bandas românticas", diz.

"Foi uma surpresa quando, certo dia, eu estava num campo do Coque e daí chegaram alguns amigos dizendo que eu estava tocando nas carrocinhas, em Afogados. Eu mesmo peguei uma bicicleta e fui lá para ver se era verdade. Ninguém me conhecia." Depois vieram outros sucessos: "Ilusão" e "À Noite eu Choro", com a banda Pank Brega.

O crescimento do brega-funk e as controvérsias

A migração de vários MCs para o brega fez o ritmo ficar cada vez mais acelerado e com batidas eletrônicas, tornando a cena do brega-funk mais nítida. Com Sheldon, essa virada foi consolidada com "Nós gosta de novinha", lançada em 2009 já em dupla com MC Boco - que antes cantava com Leozinho. "Eu fui para um show de Aviões do Forró em Caruaru e vi muitas mulheres com franja no rosto, maquiagem, blush. Pensei que isso daria uma música e na mesma hora escrevi", diz, sobre a faixa.

Sheldon e o "Boco da Mustardinha" ganhavam cada vez mais espaço nas casas de shows de zonas nobres da cidade. "O DVD do Clube Português, em 2011, me impulsionou para um ápice em 2012. Nós batemos recorde na época, pois essa gravação interditou a Agamenon", lembra. Músicas como "Beijo de Tabela" e "Mulher do Chefe" são dessa época. Sheldon também trazia certa bagagem da swingueira, sobretudo na dança, chegando a fazer parcerias com Marreta You Planeta.

Ao mesmo tempo, o termo "novinha" ganhou uma grande adesão nesse começo do brega-funk, o que criou uma polêmica sobre um incentivo à erotização precoce. Em resposta às críticas, Sheldon lançou uma música com um refrão que escandalizou o estado: "Se eu mato eu vou preso / Se eu roubo eu vou preso / Se é para pegar novinha, eu vou preso satisfeito."

Em 2011, o Ministério Público de Pernambuco solicitou que a Polícia Civil abrisse um inquérito para investigar se essa música, além de outras duas dos MCs Metal e Cego, feria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao incentivar a prática sexual com adolescentes. O Tribunal de Justiça de Pernambuco ainda baixou uma portaria proibindo a entrada de menores de 18 anos desacompanhados de pais ou responsáveis em shows.

Ao ser questionado sobre a época, Sheldon admite que "era muito imaturo". "Eu comecei com 15 anos, me tornei um fenômeno e cantava coisas que tinham um duplo sentido. Comecei a citar as 'novinhas' nas músicas e começaram a proibir os menores nos eventos. Eu sou proibido de cantar aquela música até hoje. Eles embargaram meus shows até no interior, a polícia marcava serrado", diz.

"Na época, eu ficava chateado porque não tinha consciência e pensava que estava sendo proibido de cantar. Foram momentos difíceis, mas hoje eu tenho 30 anos e reconheço totalmente que passar por aquilo, por aquela pressão toda, foi muito importante. Eu tive de transitar de todo jeito, pois tinha a força do público comigo desde sempre. Sou muito grato à Polícia Civil e ao Ministério Público de Pernambuco."

TRIO MC Boco, MC Sheldon e DJ GG no começo dos anos 2010 - REPRODUÇÃO DA INTERNET
SUCESSO "Beijo de Tabela", de Sheldon, Boco e Afala e Case - REPRODUÇÃO DO YOUTUBE
PIONEIRO Sheldon foi um dos primeiros MCs de brega-funk em Pernambuco - REPRODUÇÃO DA INTERNET

Sheldon também chegou a ser aprendido com maconha, em 2011, quando tinha 20 anos. Essas polêmicas fizeram com que o brega-funk pulasse os cadernos de cultura para ir às páginas policiais dos jornais. O pesquisador de brega Thiago Soares comenta, no livro "Ninguém é perfeito e a vida é assim - A música brega em Pernambuco" (Outros Críticos, 2017), que esses episódios trouxeram para a mídia pernambucana uma figura do "gangsta" atrelada ao brega. Essa seria uma tradição midiática ligada aos MCs da cultura hip hop estadunidense, matriz que inspirou também os MCs do brega-funk.

O recomeço

O ano de 2014 foi marcado pela reviravolta na carreira de Sheldon. Ele desfez a dupla com Boco, deixou o título de MC e aderiu ao sobrenome "Férrer" (junção de 'fé' e 'Ferreira') para dar o pontapé no projeto solo, trazendo nova roupagem para composições. É dessa época "Estilo Panicat", sucesso do verão de 2015. "Põe a mão no joelhinho e mexe pra lá e pra cá / Ela joga o cabelo e faz o bumbum girar", dizia a letra - bem mais leve.

Hoje, Sheldon vive na Imbiribeira, Zona Sul, e é casado com a influencer digital Rachel Barros, que foi sua dançarina. É pai de quatro filhos - sendo dois com a atual esposa. "Eu decidi me reeducar. Eu tive que querer mudar para entrar em outros níveis de eventos e escritórios. Mudei meu linguajar, minhas atitudes e postura. Foi um conjunto que me fez entrar em novos horizontes. Eu toco, por exemplo, em grandes aniversários de 15 anos", diz Sheldon, que hoje tem um repertório que abarca diversos gêneros musicais.

"Sempre tive como referência Léo Santana, Thiaguinho e Alexandre Pires. Daí eu passei a cantar um pouco de tudo. É o que faço hoje. Eu toco pagodão, músicas românticas, piseiro e brega-funk. Eu canto tudo o que o país consome. Eu vim do brega, mas não sou mais um cantor de brega. Não tenho rótulos."

SEM RÓTULOS Sheldon canta repertório com maiores sucessos do país - REPRODUÇÃO DO INSTAGRAM @sheldonsh1
REPERTÓRIO Cantor, hoje, leva aos shows os sucessos do momento - INSTAGRAM/REPRODUÇÃO
SEM RÓTULOS Sheldon canta repertório com maiores sucessos do país - REPRODUÇÃO DO INSTAGRAM @sheldonsh1

Questionado sobre o que pensa da nova geração do brega-funk, ele diz acreditar que "a essência continua". "É uma bandeira periférica, tratando de assuntos populares, e sempre vai ser. O ritmo chegou em lugares que a gente buscou chegar. Em 2012, já aparecíamos no 'Esquenta', de Regina Casé, ou no 'Encontro' da Fátima Bernardes. Eu, Cego, Leozinho e, em seguida, Shevchenko e Elloco."

O cantor, no entanto, lamenta as composições atuais. "Todo mundo é consciente de que é necessário que novos MCs apareçam, mas eu acredito que eles já deveriam estar com uma linguagem mais evoluída. Eu lamento muito. Não posso julgar porque também tive uma linguagem pesada, com duplo sentido", analisa.

"O brega-funk é assunto popular, música de periferia, mas os conteúdos estão comprometendo, ao meu ponto de vista. Mas também acredito na evolução. Tem pessoas que hoje fazem algo inferior em relação ao que fazíamos na época, mas outras fazem melhor. Nós não tínhamos estrutura, base. Isso eu admiro bastante", finaliza.

SERVIÇO
Sheldon White
Onde: Lounge Music (Av. Bernardo Vieira de Melo, 1300, Piedade)
Quanto: neste domingo (19), a partir das 19h
Ingressos: R$ 40 e R$ 90 (camarote open bar)
Informações: (81) 9997-7650

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