Detalhar a história do brega-funk como um movimento cultural não é tarefa tão fácil. Principalmente se for relembrar a cultura fora dos noticiários policialescos, como foi o caso do assassinato de MC Boco, na madrugada deste domingo (26), aos 34 anos. O artista, ao lado de MC Sheldon, foi uma figura essencial para o desdobramento do brega-funk enquanto expressão cultural massiva em Pernambuco - tornando a historiografia do gênero quase como uma biografia sua.
O cantor pernambucano nasceu com o nome Paulo Roberto Gonçalves Cavalcanti, mas fez trajetória artística sob o nome de Boco. Construiu a história artística ao lado de MC Sheldon, a partir de 2007, dando início ao movimento brega-funk. Uma cultura que foi fortalecida junto aos pioneiros MC Leozinho do Recife, Troinha, Shevchenko e Elloco e a dupla Metal e Cego.
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Em entrevista recente ao JC, MC Sheldon que comemorou 15 anos de carreira, disse que o ápice da dupla aconteceu em 2011 com a gravação do DVD no Clube Português, em um dos espaços mais caros da cidade. "O DVD do Clube Português, em 2011, me impulsionou para um ápice em 2012. Nós batemos recorde na época, pois essa gravação interditou a Agamenon", disse Sheldon, que seguiu em carreira solo a partir de 2014.
Com a gravação do DVD, alguns hits saíram e dominaram festas, shows e paredões da Região Metropolitana do Recife. Em 2012, a dupla chegou ao seu auges, mas logo começaram algumas pressões por causa da popularização do termo "novinha", utilizada nas músicas naquele ano.
"A disseminação do termo novinha no brega recifense reverbera o imaginário de sexualidade e performance de gêneros (masculino e feminino) que habita canções e encenações performáticas nos shows e casas noturnas dedicadas a este segmento musical", diz o professor e pesquisador Thiago Soares no livro "Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim", uma das principais documentações sobre o brega.
Uma das músicas de Sheldon e Boco foi alvo de uma solicitação do Ministério Público de Pernambuco, que pediu que a Polícia Civil abrisse um inquérito para investigar se essa música, além de outras duas dos MCs Metal e Cego, para verificar se elas feriam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O inquérito investigou se a música incentivava a prática sexual com adolescentes. O Tribunal de Justiça de Pernambuco ainda baixou uma portaria proibindo a entrada de menores de 18 anos desacompanhados de pais ou responsáveis em shows. "Comecei a citar as ‘novinhas’ nas músicas e começaram a proibir os menores nos eventos. Eu sou proibido de cantar aquela música até hoje. Eles embargaram meus shows até no interior, a política marcava serrado", contou Sheldon.
Separação
A dupla se separou em junho de 2014, quando Sheldon publicou um comunicado no seu perfil do Facebook aos fãs. "Este mês de junho de 2014 foi o último mês da dupla Sheldon e Boco juntos no mesmo palco. Essa decisão é resultado de um processo, principalmente interno, depois de muitas reuniões, hoje estamos muito seguros dessa decisão", afirmou o comunicado.
"Embora separados, vamos levar cada um a sua maneira, emoção e alegria", dizia a nota.
Dupla estava sem se falar
Após a notícia da morte, Sheldon fez uma homenagem ao amigo no seu perfil do Instagram. "O Boco se foi, o Boco não está mais entre nós. E o que me deixa mais triste é que eu não pude dizer o quanto eu amava ele, o quanto eu sentia muito por a gente não se falar. A gente não se falava, mas a gente se amava", conta Sheldon em um vídeo de 9 minutos no seu Instagram.
Durante a publicação, ele explica os motivos pelos quais eles não se falavam mais. "Rolou meu DVD no Coudelaria Souza Leão, "Com Amor, Sheldon", um DVD romântico. Onde Boco não tinha nada a ver com romantismo, vocês sabem, e ele não foi convidado para o DVD romântico. Aí ficou com essa intriga boba e a gente é orgulho um com outro, ficou perdendo tempo... Eu não ouvi, não abracei, não perdi perdão", disse o MC.