Há quatro meses, Pernambuco sofria um dos piores desastres naturais de sua história. As 133 mortes em decorrência das chuvas escancaram as consequências de um mal planejamento urbano da Região Metropolitana do Recife - uma conta que deve ser cobrada também ao Governo do Estado, cujo novo mandatário será escolhido nas Eleições de 2022.
A responsabilização consta no Estatuto da Cidade, que determina que os três níveis do executivo têm poder sobre as cidades: a União, o Estado e o município. Eles devem legislar em cooperação, "tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional". Assim, ao governador, cabe aplicar legislação nacional, complementá-la territorialmente, e coordenar ações das cidades.
Pela frente, ele terá uma série de desafios para evitar novas tragédias, alguns expostos pelo JC em série especial. Entre eles, soluções para garantir a universalização da cobertura sanitária no Estado, a gerência sobre as mudanças climáticas, sobre o controle urbano e o monitoramento das áreas de risco, e a implantação de obras de contenção de barreiras e drenagem, por exemplo.
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O consultor em direito público Antônio Ribeiro considera que uma das maiores contribuições do Estado contra desastres urbanos nos municípios seja a capacidade de captar recursos públicos para obras. "Ele trabalha diretamente com senadores e deputados federais e tem uma facilidade maior para buscar dinheiro junto ao governo federal, pelo maior poder financeiro e segurança jurídica.”
Durante entrevista à GloboNews, em meio às chuvas, o governador Paulo Câmara (PSB) admitiu a necessidade de "elevar patamar de investimentos em prevenção de tragédias", com ações de urbanização e projetos que garantam moradia. Isso porque a maioria das vítimas ocupava áreas de risco do Grande Recife, tendo sido arrastadas por deslizamentos de barreiras em comunidades pobres.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) nacional para habitação teve corte equivalente a quatros vezes os valores que eram aplicados em 2019 - quando era de R$ 4,6 bilhões. Neste ano, a previsão é de investir R$ 1,077 bilhão. Em Pernambuco, foram destinados R$ 593,5 milhões do Orçamento Geral da União a obras e projetos de habitação (provisão habitacional e urbanização) nos últimos quatro anos.
O arquiteto e urbanista Zeca Brandão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aponta que o planejamento urbano, mesmo o municipal, vem perdendo a força no País. “No Recife, isso é muito claro. As intervenções urbanas estão cada vez mais pontuais e sendo protagonizadas pelo setor privado.”
Segundo Brandão, o processo acelerado de conurbação (fusão de áreas urbanas) presente nas grandes cidades brasileiras, impossibilita que os problemas urbanos sejam enfrentados na esfera municipal.
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Enquanto isso, as populações urbanas aumentam - pressionando o poder público. A RMR, por exemplo, tinha 2,3 milhões de habitantes em 1980, número que passou para 2,9 milhões em 1991. Nos anos 2000, chegou aos 3,3 milhões. Dez anos depois, 3,6, e a estimativa é que, atualmente, tenha mais de 4 milhões de pessoas vivendo nas suas 14 cidades, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Sem planejamento urbano, os novos moradores passam a ocupar, cada vez mais, áreas inóspitas das cidades, com menos investimento público. Isso se traduz em Pernambuco em um déficit habitacional acima de 320 mil unidades - que contabiliza famílias com residências insalubres e sem teto. Por isso, para Brandão, é urgente a aplicação de um Plano Diretor Metropolitano, de forma a coordenar o desenvolvimento das urbes de forma integrada.
“É preciso desmistificar a ideia que ainda existe no Brasil de que a competência sobre o planejamento territorial é exclusiva das prefeituras. Questões como habitação social, mobilidade urbana, resíduos sólidos (lixo), saneamento básico, não podem mais ser tratadas de forma isolada pelo poder público municipal. A Governança Metropolitana precisa urgentemente sair do papel e articular o desenvolvimento das urbes de forma integrada. Esse processo precisa ser liderado pelo prefeito da capital, mas deve ser coordenado pelo governador do estado. O estado não pode mais ser omisso, principalmente diante dos grandes desastres urbanos, e não assumir a responsabilidade”, apontou.
As propostas dos principais candidatos para evitar tragédias
ANDERSON FERREIRA (PL)
Anderson Ferreira (PL) pretende construir quatro barragens na Mata Sul e a barragem de Pereira, em Moreno, finalizar a Adutora de Serro Azul e a do Agreste, reavaliar o o cronograma de execução do contrato da PPP do saneamento da Região Metropolitana, concluir a execução das obras contra a inundação da Bacia do Fragoso, em Olinda, reduzir o déficit habitacional para famílias de baixa renda através de parcerias com o Governo Federal no Programa Casa Verde e Amarela.
DANILO CABRAL (PSB)
Danilo Cabral (PSB) quer fortalecer o planejamento urbano, em especial na escala metropolitana, aplicando os conceitos do desenvolvimento sustentável e qualidade urbana como requisitos essenciais para melhoria da qualidade de vida, equilíbrio entre ambiente natural e construído, saneamento ambiental, mobilidade urbana ativa, oferta habitacional, regularização fundiária e condições de habitabilidade, qualificação dos espaços urbanos, gerando identidade e sentido de pertencimento.
Ainda, contemplar ainda as infraestruturas para qualidade de vida, como o saneamento ambiental, habitabilidade, mobilidade urbana, qualidade dos espaços urbanos.
MARÍLIA ARRAES (SOLIDARIEDADE)
Marília Arraes (Solidariedade) promete destinar, no mínimo, 1% da receita corrente líquida para construção de habitações populares em parceria com os municípios, priorizando moradores que residem em áreas de risco.
Ainda, melhorar a gestão da água, reduzindo o desperdício, investindo em barragens, adutoras e poços, e terminando todas as obras que estão paradas há muito tempo.
MIGUEL COELHO (UB)
Miguel Coelho (UB) pretende ampliar programas habitacionais, em especial os de interesse social nas áreas urbanas, promovendo concessões de imóveis, a recuperação de imóveis no centro do Recife e a promoção de programa de concessões para imóveis do Estado a fim de viabilizar a construção de projetos habitacionais.
Ainda, atrair investimentos por meio da concessão dos serviços de esgotamento sanitário visando o cumprimento das metas do novo Marco Regulatório do Setor, apoiar os municípios na elaboração de projetos visando captação de recursos para obras de saneamento, compromisso com as estratégias ODS, especificamente a que prevê água limpa e saneamento e garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos.
RAQUEL LYRA (PSDB)
Raquel Lyra (PSDB) quer expandir e regularizar a oferta de água tratada para os domicílios e estabelecimentos comerciais de Pernambuco, avançar com a universalização do Saneamento, apoiar as Prefeituras na expansão e melhoria dos sistemas de drenagem das cidades, reduzir o déficit habitacional, prevenir a ocorrência de desastres decorrentes das chuvas, alagamentos e movimentações do solo nas cidades, qualificar a gestão de resíduos sólidos
Entre as ações, estão o desenvolvimento de um Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais da Região Metropolitana do Recife, conclusão de obras paralisadas em adutoras e barragens, implementação do Programa Emergencial de Abastecimento de Água, repactuação do contrato da da PPP do Saneamento, conclusão da Urbanização da Bacia do Fragoso, em Olinda, promoção de Habitações de Interesse Social para 50 mil famílias da Região Metropolitana do Recife que vivem em áreas de risco, da regularização fundiária e da compra de material de construção e assistência técnica para reforma de domicílios inadequados.
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