Situada no Centro do Recife, a Rua da Aurora é o endereço de edificações históricas, como Cinema São Luiz, Palácio Joaquim Nabuco e o Ginásio Pernambucano, além do colorido Conjunto Urbano, que ilustra um dos cartões postais mais belos da capital pernambucana. Ela também assiste ao encontro do Rio Capibaribe com o Rio Beberibe, e é moradia das estátuas do caranguejo gigante, de João Cabral de Melo Neto - do Circuito da Poesia -, e do Monumento Tortura Nunca Mais, que relembra tempos da ditadura no Brasil. A importante e cultural via da cidade ganhou o nome dos primeiros raios da manhã por ser virada para o lado nascente do sol. Hoje, todavia, tomada por descuido, pichações e depredações, sua realidade é bem menos poética.
Em diversos pontos da Aurora, há blocos de pedras faltando nas calçadas portuguesas, e também no chão de paralelepípedos vermelhos que formam parte da ciclovia. Os bancos de madeira refletem a ação do tempo, com buracos, pinturas desgastadas e toras de madeira quebradas. Alguns postes, sem lâmpadas, perderam sua utilidade, e a escuridão já é característica do espaço. Por todo lado, as pichações tomam conta, de um lado e do outro da via, seja em placas informativas, nas casas, no coreto ou em pilastras de sustentação das grades que limitam o acesso ao rio. Na beira do Rio Capibaribe, entulhos de lixo se acumulam.
A atual situação da via é vista com tristeza pelo arquiteto Paulo Roberto. “A Rua da Aurora tem força do ponto de vista urbanístico. Ela vem do Rio Capibaribe saindo da Ponte Velha e chegando na Ponte Limoeiro, é uma via na beira d'água que olha o sol nascer e que tem uma importância muito grande para a cidade, desde seus espaços culturais, até as pontes e seus espaços de circulação de lazer. É um lugar bom de se andar, de se ver, de se curtir. Lamentavelmente, passa por maus momentos, principalmente com a insegurança”, explica.
A associação Amigos da Aurora, formada por moradores da área, enviou para a reportagem imagens de um furto dos gradis que percorrem todo o lado direito da via. No dia 23 de março, em plena luz do dia, nas imediações da Rua da Bola, em Santo Amaro, um homem retirou a proteção do local e vendeu em um ferro velho no mesmo bairro, segundo informações repassadas pelo comandante da guarda municipal que cuida da região. A grade foi posteriormente recuperada pela corporação, mas, ainda assim, de acordo com residentes, há vários pontos da calçada que estão sem o guarda-corpo.
A advogada Marylia Santos, moradora de um dos prédios da Aurora, viu o momento do roubo, e afirmou que a grade ainda não foi reposta. “Nesse furto, o pedaço foi retirado de ponta a ponta, mas estão vindo todos os dias e retirando aos poucos pequenos pedaços. Ainda não levaram todo o gradil, mas, se continuar assim, vão levar”, disse. Ela espera que o policiamento no local seja mais ostensivo, porque, além dos danos ao patrimônio público, os pedestres sofrem, principalmente, com a insegurança no local. “É preciso ter um policiamento efetivo, esse é o grande apelo que fazemos às autoridades constituídas.”
A Polícia Militar e a Guarda Municipal do Recife (GMR) informaram que há patrulhamento em todos os horários do dia na Rua da Aurora. A GMR disse que irá intensificar as rondas, e ressaltou a importância de denunciar ocorrências de crimes patrimoniais no número 153. Já segundo a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE), duas pessoas foram intimadas para prestar depoimento no caso de roubo de gradis da última semana. O dono do ferro velho que comprou o material foi localizado, e as diligências continuam para encontrar o suspeito. Este é o único caso de furtos na Aurora que está em investigação.
A Secretaria Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) comunicou que, de acordo com a base de dados criminais do Sistema Infopol, a redução em fevereiro dos crimes de furto, na Rua da Aurora, foi de -62,5%, em relação ao mesmo mês de 2020, saindo de 16 para seis registros. No último mês, não houve registro de crimes de danos ou depredação na área, enquanto no mesmo período do último ano tiveram dois.
A socióloga Ana Paula Portella avalia que, para mudar o comportamento de vandalismo, é preciso ir além da fiscalização e dos reparos. “O cuidado com o espaço em que a gente vive depende de como a gente o enxerga, precisamos nos reconhecer nele para cuidar. Recife tem se transformado em uma cidade que afasta as pessoas umas das outras, com os muros e com as câmeras, e assim a gente vai perdendo o vínculo com nossa comunidade. O caminho mais óbvio é o da vigilância e o da punição, mas isso não vai resolver. O que resolveria seria ter proibido a construção dos prédios altíssimos na Rua da Aurora, seria fazer com que fossem mais baixos, que dialogassem com a rua, que tivessem unidade social, com comércio, que se desse vida”.
Ao visitar a Rua da Aurora, a reportagem do JC viu equipes da Prefeitura do Recife fazendo limpezas na beira do rio. Além desse reparo, a Amigos da Aurora observou que são realizadas obras nas calçadas, mas que os moradores não tiveram participação no novo projeto, desconhecido por eles. “De repente, somos surpreendidos com uma retroescavadeira tirando a nossa calçada. Foi preciso muita briga para começarem a tirar as pedrinhas manualmente. São obras feitas de forma incompreensível. Eles furam tudo, consertam o que tem que consertar e deixam resíduo de areia, não fecham a calçada. As obras que estão sendo feitas são precárias. É um descaso”, relata Marylia.
Já a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) esclarece que as calçadas da Rua da Aurora estão sendo beneficiadas por obras de requalificação que fazem parte do programa Calçada Legal, e diz ainda que a troca da pedra portuguesa pela pedra mineira é realizada por questões de acessibilidade, "uma vez que, ao contrário da pedra portuguesa, a pedra mineira tem uma face plana, facilitando a locomoção das pessoas com limitação de mobilidade. Também é importante deixar claro que a areia colocada acima do piso intertravado é uma técnica de construção. Essa areia é espalhada em todo o piso assentado e irá penetrar pelas juntas que existem entre um bloquete e outro, concluindo a fixação dos tijolos." A pasta afirma que a intervenção na Rua da Aurora deve ser concluída até o final de dezembro.
Ainda neste ano, foi inaugurada uma nova pista de skate na rua, que, segundo a Prefeitura do Recife, tem "padrão de competições internacionais". Skatista há 25 anos, Henrique César Lopes, comemora o novo equipamento, mas alega que a insegurança no local preocupa os atletas. "Está muito boa, mas eu critico a falta de iluminação. Uma semana atrás houve dois assaltos na pista, há falta de policiamento", disse. Ele também explica que esperava um parque com duas modalidades, o street e o vertical, mas que só a primeira foi contemplada.
Em relação às pichações, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) disse estar fazendo os levantamentos de custos necessários à recuperação dos equipamentos danificados e vandalizados por pichações na Rua da Aurora e para a reposição do guarda-corpo do trecho para reposição. A pasta reiterou que, anualmente, os custos para a recuperação do patrimônio público do Recife beira os R$ 2 milhões.
Apesar das explicações e promessas de melhoria, o desejo de moradores e admiradores da “mais recifense de todas as ruas” — como Gilberto Freyre definiu a Rua da Aurora — e do que ela representa para Pernambuco, é único: de que ela volte a ser frequentada “num passo tranquilo, conduzindo e ondulante”, como diz o poema de Joaquim Cardozo sobre suas caminhadas na via do Recife.