O arrumador de contêiner Jonas Correia de França, de 29 anos, saía do trabalho em direção a casa onde mora com a esposa e seus dois filhos quando foi surpreendido pela tentativa da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) de dispersar manifestação pacífica que acontecia no Centro do Recife no último sábado (29) contra o governo de Jair Bolsonaro. Os disparos com balas de borracha feitos contra os militantes atingiram o olho direito do jovem, que não participava do ato. Segundo ele, os médicos disseram que a visão foi perdida. Além dele, há relatos de pelo menos mais três pessoas feridas.
"Ele (o médico) disse que fez exames e que eu não tenho mais visão. Eles querem tratar o globo para não tirar, deixar pelo menos ele no rosto. Hoje eu acordei muito triste, é difícil para mim acordar e me ver nessa situação. Só Deus sabe como eu estou. Acordar de manhã para levar o pão de cada dia para minha família e acabar assim, perdendo minha visão", contou ele à reportagem do JC nesta segunda-feira (31), no intervalo entre a bateria de exames que vem fazendo na Fundação Altino Ventura (FAV).
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Por nota, a instituição informou que Jonas sofreu um edema periocular, além de sangramento intraocular, e que, "desde o primeiro dia de atendimento, foi observado um comprometimento importante na visão" dele. "Novos exames foram realizados nesta segunda-feira (31), e o paciente irá retornar para nova avaliação no dia 2/6. No momento, nenhuma cirurgia foi indicada para o caso, mas a conduta pode mudar a partir da evolução do paciente e dos resultados dos novos exames".
A FAV, no entanto, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o estado de saúde de Jonas e do adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, que também apenas passava pelo local no momento do embate e acabou sendo ferido por um tiro no olho esquerdo. Caso seja enviado um boletim sobre a vítima, esta reportagem será atualizada.
As famílias de ambos os feridos denunciam uma falta de assistência do Governo de Pernambuco, responsável pelo comando das forças policiais que tentaram impedir a manifestação. Esposa de Jonas, Daniela Barreto de Oliveira contou toda a compra de medicamentos teve que ser feita pela família. "Não recebi nada, nem uma medicação. Tivemos um encontro com Pedro Eurico hoje, e ele veio falar de dinheiro, mas meu negocio é saber da saúde do meu esposo, a gente não quer saber de dinheiro. Desde a primeira ligação, ele disse que iria cuidar, mandar medicamento, e hoje disse que vai providenciar, mas, até agora, nada", disse.
O encontro que Daniela se refere aconteceu nesta segunda com o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado, Pedro Eurico. À Rádio Jornal, o chefe da pasta garantiu que as vítimas e suas famílias estão recebendo toda a assistência necessária do Governo do Estado, entre cuidados da saúde física e mental, e que foi decidido fazer “uma reparação indenizatória”. “Além da questão da saúde, coloquei o Centro de Atenção e Valorização à Vida à disposição das famílias, com psicólogos e assistentes sociais para assisti-las”, afirmou Eurico.
Já Daniela de Sena, filha de Daniel Campelo, disse não ter recebido ainda nem mesmo uma ligação do Governo de Pernambuco. "Até agora, ninguém entrou em contato com a gente, quem está resolvendo tudo é minha família mesmo. Os medicamentos foram comprados com ajuda das pessoas que doaram", afirmou. Agora, o adesivador aguarda para entrar no bloco cirúrgico e fazer o procedimento. Para evitar mais exposição, a família preferiu não informar o atual estado de saúde da vítima.
Em comunicado divulgado à imprensa nesse domingo (30), o governador Paulo Câmara (PSB) informou que determinou à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) que acompanhe a assistência médica que está sendo prestada aos dois homens feridos durante o ato. "Assim como estamos acompanhando a investigação que está sendo realizada pela Corregedoria, também vamos seguir de perto a assistência às pessoas que resultaram feridas", afirmou Paulo Câmara, que também acionou a Procuradoria Geral do Estado para, em conjunto com a SJDH, iniciar o processo de indenização aos atingidos.
Ato contra Bolsonaro no Recife
O ato contra o governo de Jair Bolsonaro que aconteceu na manhã deste sábado (29) no Centro do Recife foi surpreendido pela ação de forças policiais, que usaram spray de pimenta e bala de borracha para dispersar a multidão. O protesto era, até então, pacífico, mas aconteceu em descumprimento ao decreto estadual que proíbe aglomerações de pessoas devido à crise sanitária causada pela covid-19. Por volta das 13h, o grupo já estava disperso. Houve militantes feridos e presos.
Os policiais montaram uma barricada em cima da Ponte Duarte Coelho, que liga a Avenida Conde da Boa Vista à Avenida Guararapes, e avançaram contra os manifestantes, que afastavam-se do confronto em direção à Rua da Aurora. Bombas de gás lacrimogênio foram lançadas contra os militantes. Havia cerca de dez viaturas da PM no local. E, ainda, um helicóptero da Secretaria de Defesa Social (SDS) rondava a Avenida Conde da Boa Vista.
"Estávamos tranquilos, chegando na Avenida Guararapes, quando fomos confrontados pelo Choque e recebidos com bala de borracha. Foi desnecessário. Você diz que está protegendo a saúde do trabalhador, mas estava ferindo e colocando em risco a integridade física dos manifestantes. A polícia agiu de maneira arbitrária e truculenta por mais de 40 minutos. Tivemos companheiros feridos e presos", relatou Antônio Celestino, que integra a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Pernambuco (OAB-PE).
Daniela Barreto, esposa de Jonas, relatou que o marido tentou explicar aos policias que não participava do ato, mas que não foi ouvido. "Ele estendeu a mão e disse ‘eu não estou fazendo parte desse protesto, sou trabalhador e evangélico. Eu tenho dois filhos para criar, não faça isso comigo não’. Mesmo assim eles atiraram, na covardia com meu esposo, que é um pai de família que traz o pão de cada dia para casa", afirmou.
Além dos dois homens feridos nos olhos, outras pessoas também foram atingidas por balas de borracha. É o caso do advogado Roberto Leandro, que foi machucado nas costas e na perna. De acordo com ele, a polícia parecia saber do trajeto dos manifestantes com antecedência.
Um vídeo que circulou na internet mostrou a vereadora Liana Cirne (PT) recebendo um jato de spray de pimenta lançado por um policial militar de dentro de uma viatura da RadioPatrulha. A parlamentar é atingida exatamente no rosto e, sob efeito do gás, cai no chão, sendo socorrida por uma amiga.