Um dos terminais mais bem avaliados do país, o Aeroporto do Recife é reconhecido pela sua organização, limpeza e conservação. Mas isso na parte nova. Basta dar uma pequena olhada para o lado direito para constatar a subutilizada Praça Ministro Salgado Filho, classificada - aparentemente só no papel - como um jardim histórico, e o abandonado antigo terminal aéreo da capital pernambucana; que, uma vez luxuoso, nunca esteve pior que hoje. A decadência de ambos e possíveis novos usos para os históricos equipamentos estão há anos no centro das discussões entre o poder público e a iniciativa privada - em um toma-lá-da-cá que não tem data para acabar.
Isso porque a praça, inaugurada em 1957 com projeto de ninguém menos que do renomado paisagista Burle Marx, é tombada e tem relevância nacional, cabendo à Prefeitura do Recife a sua manutenção, e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) todas as decisões sobre mudanças estruturais. A ela está paisagisticamente ligado o antigo terminal, aberto em 1958 e recentemente concedido à Aena junto ao novo Aeroporto - que segue com destino indefinido enquanto cai aos pedaços.
Se até o ano passado o prédio servia como parada de ônibus e abrigo para pessoas em situação de rua, agora nem isso. Há poucos meses, tapumes foram postos por toda sua estrutura, proibindo o acesso ao local por causa dos frequentes furtos da cobertura - que não sobrou para contar história. Placas de “perigo, afaste-se” estampam as grades do edifício, que está em frangalhos, com fragmentos ensaiando a queda. Ao olhar para o alto dele, se veem pichados em vermelho os dizeres “aqui os sonhos voam, e nós continuamos voando na desigualdade social”.
Parte deste problema social é traduzida na figura de Elias Freitas, de 40 anos, que usa o lago da conhecida “Praça do Aeroporto” para lavar as roupas e a si próprio. Até pouco tempo, ele dormia no equipamento junto a outras pessoas, e via os furtos acontecerem constantemente. “Tinham uns 10 homens roubando toda noite. Era muita bagunça, zoada deles tirando as telhas, que caiam no chão e quase batiam nos carros”, explicou. “Quando fecharam [o prédio], sumiram todos, e nós fomos para debaixo do viaduto”, completou, apontando para o Viaduto Miguel Arraes, que dá acesso ao Aeroporto.
Durante cerca de uma hora em que a reportagem do JC esteve no local na manhã de uma quarta-feira, em torno de 10 transeuntes passaram pela praça. Desses, cerca de três sentaram em seus bancos. Os responsáveis por avivar um pouco a área eram os três vendedores de lanches que ficam próximos à parada de ônibus na Avenida Marechal Mascarenhas de Morais, que reclamam do estado dela.
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“A iluminação está boa porque trocaram as lâmpadas recentemente, mas a limpeza não é adequada. Também estão utilizando rede e vara de pesca para pegar os pequenos peixes do lago, o que é muito errado. Hoje não tem mais movimento, porque a praça está se acabando. Às vezes, pessoas que estão na parada de ônibus são assaltadas. Nos finais de semana já teve até arrastão”, relatou o comerciante Luciano dos Santos, de 43 anos, que trabalha no ponto há cinco anos.
Hoje a dinâmica da localidade difere completamente da que o autônomo recifense Valmir Silva, de 53 anos, tem na memória de quando era adolescente. “Essa praça era excelente, tinha muita área de lazer. As pessoas vinham namorar e se encontrar aqui. Era um ponto de encontro. Quando desativaram o aeroporto, essa parte de cá ficou jogada, virou alvo de vândalos e até um abrigo para moradores de rua”, descreveu ele, que rotineiramente aguarda o ônibus no ponto próximo à praça.
Imagens do século passado recuperadas pela página Recife Antigamente confirmam essas lembranças. Carpas, cágados e vitórias-régias do lago eram um atrativo à parte, além dos brinquedos para as crianças. Se alguém dissesse que iria viajar de avião, conhecidos o acompanhavam: vê-lo voar era um evento. “Era meu passeio quase que diário, largava da escola, pegava o ônibus Aeroporto e descia no terminal. Morava perto. Gostava de ir no playtime e na livraria. E tinha também uma lojinha de discos”, contou o seguidor Nilton Silva.
Quebra da dinâmica urbana
Essa dança que se formava entre pessoas saindo e entrando no antigo terminal do Aeroporto, seja para voos, lazer, trabalho ou comércio, e, consequentemente, passando pela praça, fazia com que a região tivesse o cenário relatado. A arquiteta e urbanista do Laboratório de Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Rita Sá Carneiro reafirma que, por não haver moradias ao redor, no momento em que a operação do novo terminal começou, em 2004, essa relação se desfez, e o jardim perdeu o sentido prático - o que deve piorar caso o prédio de fato seja demolido e dê lugar a um estacionamento aberto, um grande temor dos especialistas.
“A praça foi feita relacionada ao edifício do aeroporto. Quando ele foi fechado, a praça ficou solta em um novo traçado de sistema viário que não a incorporou como deveria”, disse. “A gente não estuda o jardim como uma ilha, mas a paisagem do entorno. Se tirá-lo, a praça fica sem composição. Depois da restauração dela em 2013, começou a haver uma degradação pelo aeroporto não querer assumi-la, o que acho que deveria, e não saber agregar o valor que é ter um jardim histórico que é patrimônio cultural do Brasil”, completou Ana Rita.
A polêmica foi parar no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) no último ano. A também urbanista da UFPE Lúcia Veras apontou os motivos pelos quais um estacionamento não deveria ser construído no local. “Achamos que o prédio deve ser recuperado, porque tem valor. É um edifício moderno que faz relação com a praça, que dá escala e o antepara”, defendeu. O processo ainda está em discussão.
Mais uma vez, a Aena Brasil informou ao JC que o “espaço deve ganhar novos usos”, sem especificar quais seriam, e que "todas as decisões relativas ao espaço estão sendo tomadas em conjunto com as autoridades competentes". "O antigo terminal do Aeroporto do Recife está fechado há 17 anos, desde 2004 — 16 anos antes, portanto, da Aena Brasil receber a concessão do terminal. No primeiro semestre de 2021, a Aena Brasil fez a retirada de ferragens do telhado que estavam comprometidas e, por questões de segurança, o espaço foi rodeado de tapumes."
O Iphan explicou que a derrubada do prédio “não causa dano à ambiência da praça”, por já ter sido descaracterizado após sucessivas reformas nas décadas de 1980 e 1990, mas que, se isso acontecer, deve ser “substituído por nova construção dentro dos parâmetros estabelecidos", mantendo relação funcional, espacial e paisagística. Ainda, disse solicitar à Aena e à Prefeitura da Cidade do Recife "o Projeto de Reforma com Acréscimo de Área do Aeroporto Internacional do Guararapes - Gilberto Freyre com a proposta da construção do terminal sul (na área correspondente ao antigo terminal de passageiros) para análise e aprovação".
Referente à manutenção da praça, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) informou que ela está incluída na programação de recuperação de praças do órgão. “Uma equipe da autarquia está fazendo um levantamento das ações necessárias para elaborar um orçamento e, em seguida, executar as intervenções que o espaço requer”. Ainda, garantiu que realizar ações de limpeza diariamente, com serviços de jardinagem realizados sob a orientação de engenheiros agrônomos da autarquia. A CTTU acrescentou "que o trecho da Praça Ministro Salgado Filho está em obras e que fará a manutenção de sinalização após o término dos serviços.”
E tem mais: no local, ainda estão expostos dois painéis de Lula Cardoso Ayres tombados pela Fundarpe - que reivindica à empresa maiores cuidados com as obras. Leia mais sobre a polêmica clicando neste link.