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Após fracasso da navegabilidade do Rio Capibaribe, MPF pede que União e Caixa não libere dinheiro para obras inviáveis

MPF: fracasso da navegabilidade do Rio Capibaribe vira exemplo do que não fazer na administração pública

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 25/06/2022 às 13:00 | Atualizado em 28/06/2022 às 13:43
Rio Capibaribe contaria com estações fluviais que atenderiam 300 mil pessoas por mês, desafogando a mobilidade viária do Recife - TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM

O Projeto Rios da Gente, que inclui a Navegabilidade do Rio Capibaribe, virou um exemplo do que não fazer na administração pública. Apresentando irregularidades desde seu escopo, provocou um prejuízo de aproximadamente R$ 81 milhões, que, para o Ministério Público Federal (MPF), poderia ter sido evitado. Por isso, ele se tornou o exemplo de uma ação civil pública contra a Caixa e a União, pelo órgão entender que os recursos jamais deveriam ter sido liberados.

Na ação civil pública, a procuradora federal Silvia Regina Pontes Lopes apresenta uma série de pontos investigados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que indicavam que o projeto seria inviável - economicamente e tecnicamente - desde o início, emitindo, inclusive, alertas aos gestores - que não os ouviram.

Isso porque o meio de transporte levaria aproximadamente 10,4, mil passageiros por dia no Corredor Oeste e 3 mil passageiros por dia no Corredor Norte por um alto custo de operação, e precisava da cessão de um terreno da Marinha e da desapropriação de uma área repleta de palafitas no Bairro dos Coelhos, Centro da cidade - o que não foi feito.

Mesmo com tais entraves, sabidos desde o início, segundo apurou a procuradora, a União e a Caixa liberaram os recursos para a execução, o que a ação considerou uma “grave conduta”, porque estas seriam “pendências importantes e não superadas”. Por isso, os órgãos são alvos de uma Ação Civil Pública pleiteada pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede pela criação de mecanismos que permitam a liberação de recursos públicos somente quando for constatada a viabilidade de projetos.

“As condicionantes pré-conhecidas pelos entes envolvidos (União, Caixa Econômica e Estado de Pernambuco) simplesmente não foram cumpridas. Os recursos aplicados foram desperdiçados. A situação absurda incide em outras hipóteses de paralisação de obras financiadas com recursos públicos país afora. É a sistemática do desperdício de recursos federais que o MPF pretende evitar com a ação proposta”, afirmou a procuradora.

Segundo ela, o mecanismo pleiteado na ação seria “condicionar a liberação de recursos federal ao cumprimento das condicionantes apresentadas pelo próprio solicitante do recurso para regular desenvolvimento do projeto executivo e liberação de recursos”, com efeitos válidos em todo o País.

Sobre a ação, a Justiça Federal em Pernambuco (JFPE) informou que ainda não há decisão no processo, e que a União e a Caixa foram intimadas para serem ouvidas. Os envolvidos estão sujeitos às penalidades patrimoniais do TCU e TCE-PE. “Aguardamos ultimação dos feitos nos tribunais de contas para subsidiar a ação já proposta pelo MPF. Igualmente foi pleiteada investigação criminal, para apuração de eventuais responsabilidades nesta seara”, concluiu a procuradora.

A Advocacia Geral da União disse ter apresentado “manifestação inicial pelo indeferimento da liminar por entender que os requisitos legais para concessão da tutela de urgência requerida pelo Ministério Público Federal não foram atendidos”. Ainda, afirmou que, até o momento, não há decisão do juízo sobre esse ponto, e que apresentará sua defesa de mérito na fase processual adequada.

Já a Caixa Econômica Federal esclareceu que ainda não foi citada sobre a ação do MPF e que "eventuais manifestações serão feitas nos autos". Confira nota completa:

"Inicialmente, a CAIXA esclarece que atua na condição de Mandatária da União nos contratos de repasse que utilizam recursos do Orçamento Geral da União (OGU), conforme requisitos estabelecidos pelo Ministério Gestor de cada Programa e na Portaria Interministerial nº 424, de 30 dezembro de 2016.

Em relação ao projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, o Termo de Compromisso (TC) 0413.177-60/2013 possui como objeto execução de “Corredores de Transporte Público Fluvial”. Este TC foi firmado entre a então Secretaria das Cidades do Estado de Pernambuco (atual Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Pernambuco) e o Ministério das Cidades (atual Ministério do Desenvolvimento Regional), atuando a CAIXA Econômica Federal como Mandatária da União.

A CAIXA destaca que o referido TC encontra-se em processo de Tomada de Contas Especial (TCE) no Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com decisão proferida por Acórdão, em 31/05/2022, o Estado de Pernambuco poderá solicitar a rescisão para a subsequente extinção do Termo de Compromisso e a integral devolução à União dos valores federais já repassados. Assim, a CAIXA aguarda que o Estado adote as providências necessárias em face da decisão do TCU.

Por fim, em relação à mencionada ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, oriunda do Inquérito Civil Público n. 1.26.000.001206/2019-11, a CAIXA informa que ainda não foi citada e que eventuais manifestações serão feitas nos autos."

Agora é oficial: projeto não vai mais sair do papel

A reportagem do JC retomou o assunto após, novamente, não se concretizar a previsão do Governo de Pernambuco em retomar as obras da navegabilidade do Rio Capibaribe, prevista para maio. Lançado há dez anos, pelo governo Eduardo Campos (PSB), teve obras paralisadas em 2016. De lá para cá, foram feitas diversas promessas de recomeço. Mas agora, pela primeira vez, o Estado admitiu a inviabilidade do projeto inicial, e o engavetou.

O governador Eduardo Campos, ainda em 2013, quando assinou a ordem de serviço para construção de estações de embarque e desembarque de passageiros do Projeto Rios da Gente - Clemilson Campos/Acervo JC Imagem

O governo, todavia, disse que "o investimento no programa foi reavaliado e considerado inviável nos moldes propostos inicialmente diante da redução gradativa da demanda no transporte público e da crise econômica que afetou o Brasil a partir de 2014."

"Comparando-se os dados de 2021 com a demanda em 2011, por exemplo, o número de passageiros catracados no STPP chegou a menos de 40%, atestando que o equilíbrio financeiro para manutenção de rotas fluviais dependeria significativamente de subsídios estaduais", defendeu.

Ainda assim, o Governo de Pernambuco diz seguir em tratativas com o Governo Federal para repactuar o investimento feito e se propõe a realizar a execução, em caráter piloto, do trecho Derby-Santana com recursos do tesouro estadual para amortização.

Local onde seria a construída uma das estações fluviais do projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, por trás do Parque Santana, em Santana, Zona Oeste do Recife - Alexandre Gondim / JC Imegem

TCE-PE determinou que partes devolvam valores

O TCE-PE determinou em junho de 2021 que fossem devolvidos aos cofres públicos a quantia de R$ 271 mil pelo ex-secretário das Cidades do governo Eduardo Campos (PSB), Danilo Cabral, pelo ex-secretário executivo de Projetos Especiais José de Anchieta Gomes Patriota e pelas empresas ATP Engenharia e Projetec (atual TPF Engenharia).

Além deles, o gerente de Obras, Sílvio Roberto Caldas Bompastor, e as empresas ATP e Projetec deverão ressarcir o débito conjunto de R$ 134 mil. Por fim, um débito no valor de R$ 23 mil foi imputado solidariamente ao gerente geral de Obras, Alexandre Chacon Cavalcanti, ao ex-secretário executivo de Projetos Especiais Ruy do Rego Barros Rocha e, também, às empresas ATP e Projetec.

No entanto, todas as partes recorreram, e os processos seguem tramitando e aguardando julgamento.

O que previa o Rios da Gente?

O Projeto Rios da Gente pretendia implementar duas rotas fluviais, que deveriam atender 300 mil pessoas por mês. A primeira seria o corredor Oeste, com 11 quilômetros, que iria da Estação Central do Metrô até a BR-101, na Iputinga, com estações nos bairros do Derby, Torre e Santana.

Rio Capibaribe contaria com estações fluviais que atenderiam 300 mil pessoas por mês, desafogando a mobilidade viária do Recife - TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM

A segunda, o corredor Norte, que, com 2,9 quilômetros, teria estações na Rua do Sol e outra no encontro do Rio Capibaribe com o Rio Beberibe, próximo ao Shopping Tacaruna.

Em cada estação, seriam construídas três plataformas de embarque e desembarque, além de lojas, bicicletário e estacionamento. As 13 embarcações seriam climatizadas e teriam capacidade para 86 passageiros sentados a uma velocidade de 18 km/h. Ademais, seriam integradas a estações de ônibus e de metrô, com pagamento de apenas uma passagem.

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