Desde que o novo coronavírus passou a ser registrado no Brasil - o 1º caso confirmado foi no dia 26 de fevereiro e a 1ª morte no dia 17 de março, em São Paulo - chefes do Executivo iniciaram uma série de medidas restritivas para conter os avanços da covid-19 em todo o território nacional. No entanto, é nítida a falta de coordenação conjunta entre a União, Estados e Municípios para determinar o que pode ou não ser feito. A quem devemos obedecer?
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB-PE), Bruno Baptista, esclarece que primeiro é necessário compreender o que diz a Constituição. Nela, há uma divisão sobre o que é competência legislativa e material entre os entes da federação.
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Segundo o advogado, a competência legislativa trata das leis e normativas sobre alguns assuntos sendo dividida em três aspectos: a competência legislativa privativa, que cabe apenas um ente federado; a competência legislativa concorrente, que neste caso pode ser editada e discutida com todos os entes (União, estados e municípios); e a terceira é a competência suplementar, que cabe à União a edição das normas gerais, e aos demais entes suplementar de acordo com as peculiaridades.
“A competência material é aquela para administrar a máquina pública, a gestão, e operar os serviços públicos. Em resumo, a União tem competência para tudo que for de interesse geral do país, ou seja, aquela que afeta todos os brasileiros indistintamente. Os Estados seriam os interesses regionais, e os municípios tratam dos interesse locais, tudo aquilo que afeta o seu dia a dia”, afirma o presidente OAB-PE.
Nesta quinta-feira (26), o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), editou um decreto sobre atividades e serviços essenciais no combate ao coronavírus. Publicado no Diário Oficial da União, as atividades religiosas passam a fazer parte desta lista, sendo permitidas suas celebrações. O decreto também autoriza o funcionamento das casas lotéricas, que já registram filas ao longo do dia em alguns locais. Por se tratar de um decreto, não é necessário a aprovação do Congresso Nacional.
A medida vai na contramão do que estados, como Pernambuco, e capitais, como o Recife, têm estabelecido. No dia 14 de março, o governador Paulo Câmara e o prefeito Geraldo Julio (ambos do PSB) assinaram um decreto proibindo a realização de grandes eventos públicos e privados acima de 500 pessoas.
Com o aumento do número de casos confirmados do novo coronavírus - até esta quinta-feira, há 46 casos confirmados em Pernambuco, no Brasil já são 2.915 casos - as restrições foram ampliadas e o governo do Estado editou um novo decreto, proibindo aglomerações e reuniões com mais de dez pessoas. Além disso, também ficou determinado o fechamento de centros comerciais, bares, restaurantes, comércio de praias, lanchonetes e aglomerações no transporte público coletivo.
A Educação também foi outra área afetada. A Prefeitura do Recife, decretou a suspensão das aulas a partir do dia 18 de março - em seguida o Estado também assinou o decreto garantindo a suspensão das aulas na rede de ensino estadual e outros municípios adotaram a mesma medida.
O presidente Jair Bolsonaro questionou, durante pronunciamento em rede nacional, nesta terça-feira (24), sobre o motivo de fecharem as escolas, já que o grupo de risco da covid-19 é formado por pessoas acima dos 60 anos de idade. Ele também criticou o fechamento do comércio e o isolamento social, que fazem parte dos decretos de vários estados e municípios como plano de contingenciamento do coronavírus. "Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de "terra arrasada": A proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa", disparou Bolsonaro.
Entretanto, mesmo diante das divergências entre o presidente com os governadores e prefeitos, é permitido que os estados e municípios mantenham seus decretos em contraposição às normas federais. “A União entende que é hora de permitir cultos religiosos. Mas, na realidade de Pernambuco, onde vemos aumentar o número de casos e o número de mortos, pode o Estado entender que não é o momento de se liberar os cultos, e ele pode fazer uma norma de contraposição a norma federal, dizendo que qualquer aglomeração superior a 10 pessoas, não é o ideal. Isso pode ser feito”, exemplifica o presidente da OAB-PE.
“Via de regra, o que deveria acontecer: a União editaria os decretos com normas gerais, mas caberia aos estados e municípios ver a peculiaridade de cada um, para editar novos decretos e novas regulamentações, que reflitam a realidade local”, afirma Baptista.
Os gestores estaduais e municipais também podem procurar amparo jurídico sobre a instituição dos decretos que visam combater a proliferação do novo coronavírus. O governador Paulo Câmara, conforme a coluna Cena Política, poderá acionar o poder judiciário, para impedir o funcionamento das igrejas, e com isso garantir que as pessoas fiquem em casa e não aumentem a transmissão da doença.
“É difícil para o cidadão comum ter um decreto nacional, que é diferente do decreto estadual e municipal, ele fica na dúvida sobre qual deve obedecer. O provimento judicial daria mais segurança ao que está sendo feito, mesmo entendendo que a peculiaridade local permite que os governadores e prefeitos entendam de modo diverso o que está sendo feito pela União”, ressalta Bruno Baptista.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) também se posicionou sobre o assunto, esclarecendo que independente de o governo federal adotar providências diferentes e, ou “até mesmo tentando invalidar normas e medidas na área de saúde pública”, as determinações dos Estados e Municípios para que continuem a adotar medidas específicas necessárias ao combate da pandemia estão garantidos pela Constituição.
“O artigo 198 da Constituição estabelece que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada que, dentre outras, deve seguir a diretriz da ‘descentralização, com direção única em cada esfera de governo’”, afirma a PGE-PE, por meio de nota. "As medidas decretadas no Estado de Pernambuco permanecem válidas e vigentes", conclui a Procuradoria.
Nesta terça-feira (24), o Supremo Tribunal Federal (STF), estabeleceu que os estados e municípios têm competência para determinar o que são serviços essenciais e limitar a circulação de pessoas. A decisão do ministro Marco Aurélio se dá em resposta a parte da ação do PDT contra a Medida Provisória 926/2020, que restringira essa autonomia apenas ao governo federal.
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"As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. (...) O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios.", determinou o ministro. O Plenário do STF ainda deverá julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, apresentada pelo PDT.