Ao escolher Pernambuco para dar início a sua agenda pelo Nordeste, o ex-presidente Lula (PT) acelerou o motor das conversas entre o PSB e o PT com vistas a 2022 e conseguiu arrancar acenos públicos entre os dois partidos que, ao menos temporariamente, parecem caminhar para uma nova aliança. Durante um jantar no Palácio do Campo das Princesas, que foi até tarde da noite de ontem, o governador Paulo Câmara (PSB) disse a Lula que "o Brasil precisa de uma frente ampla de esquerda contra o presidente Jair Bolsonaro" (sem partido).
"Recebemos com muita satisfação o presidente Lula neste domingo. Pernambuco tem muito a agradecer a Lula por todo o ciclo de desenvolvimento iniciado na gestão dele. Isso está muito vivo na memória do pernambucano. Tivemos a oportunidade de compartilhar nossas ações durante a pandemia, o nosso atual plano de retomada da economia e deixar claro que em 2022, precisamos de uma frente ampla do campo progressista para derrotar Bolsonaro e fazer o Brasil voltar a crescer", afirmou Paulo Câmara, segundo material repassado por sua assessoria de imprensa.
A presença do prefeito do Recife, João Campos (PSB), foi simbólica, uma vez que ele é um dos um dos caciques socialistas mais resistentes à aliança. A eleição do Recife de 2020 foi marcada por uma grande rivalidade entre os primos João e Marília Arraes (PT), principalmente no segundo turno, quando ele apostou no antipetismo para tentar desconstruir a adversária.
Durante o debate da TV Jornal, João disparou contra Marília: "É de causar estranheza, uma candidata do PT falando de corrupção". Ele também chegou a afirmar que a direção nacional do PT já estaria de malas prontas querendo vir a comandar Pernambuco caso a petista fosse vitoriosa.
Apesar do clima de entendimento de ontem, foi notada a ausência de dois personagens decisivos para o futuro do PSB: o ex-prefeito da Capital Geraldo Julio, nome mais cotado para a sucessão de Paulo, e a ex-primeira-dama Renata Campos, que tem ascendência sobre o partido.
Antes do jantar, Lula também conversou separadamente com Marília, que é contra a aliança. Procurada pelo JC, ela não retornou para comentar sobre a conversa.
Aliança em 2022
Durante uma reunião reservada da qual ela participou, o PT de Pernambuco sinalizou a Lula que topa abrir mão de uma candidatura própria ao Governo do Estado se essa for a composição que mais ajude o ex-presidente a voltar ao Palácio do Planalto. "O que for melhor para garantir o voto em Lula, seja ter candidatura própria ou integrar uma frente, nós vamos construir. Óbvio que sem abrir mão do nosso crescimento no Estado. Mas o resultado nacional é a prioridade", garantiu o presidente estadual do PT, Doriel Barros.
Apesar do papel estratégico da conversa, lideranças do PSB e do PT passaram o dia emitindo sinais de que o martelo ainda não deve ser batido. A avaliação dos dois lados é que há muitos meses até a eleição, motivo pelo qual é preciso deixar as opções em aberto.
"É um jantar para se discutir os problemas do Brasil. Não vai se tratar de nada específico em relação às eleições. É mais ouvir o governador, as lideranças do PSB. Uma coisa que o presidente está fazendo, vai fazer por todo o Nordeste e está começando por Pernambuco. Mas é uma discussão mais geral em relação ao momento em que estamos vivendo", afirmou Doriel, ao chegar no Palácio.
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Mais cedo, o presidente do PSB, Sileno Guedes, também havia dado uma declaração no mesmo sentido. "A conversa hoje é uma conversa que está acontecendo no país inteiro com as forças democráticas que estão conversando e buscando um grande ponto de convergência que é justamente o combate ao governo Bolsonaro. Derrotar Bolsonaro nas próximas eleições é o grande objetivo desses encontros", disse.
Segundo o deputado federal Carlos Veras (PT), a visita de Lula foi importante, inclusive, para animar o partido. Na conversa com os petistas, Lula citou realizações de seu governo, como a Refinaria Abreu e Lima e o Estaleiro Atlântico Sul. "Em Pernambuco, pode ter um, dois, até três palanques com ele", afirmou, num sinal de que muito ainda pode ser decidido.
Nesta segunda-feira (16), o líder petista visita o assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Moreno, na Grande Recife.
Reuniões
Além de trabalhar pelo entendimento entre PT e PSB, Lula também tratou de conversar com políticos de outros partidos, inclusive de siglas do centrão, grupo que hoje integra a base de Bolsonaro. A meta dele é construir palanques locais, ainda que informais.
Em busca de disputar o Senado pela Frente Popular, o deputado federal Silvio Costa Filho (Rep) se adiantou aos demais postulantes e foi até o Aeroporto do Recife receber Lula em sua chegada ao Estado. Em 2018, o pai dele, o ex-deputado federal Silvio Costa disputou a Casa Alta com o slogan "o senador de Lula".
Silvio Filho deve ter uma conversa mais aprofundada com Lula nesta segunda-feira (16). No Congresso, ele tem sido uma das vozes do centrão a defender a busca do diálogo com o petista, que, até o momento, lidera as pesquisas de intenção de voto.
"Fui recebê-lo e desejar boas-vindas. Foi um gesto de carinho e de respeito", lembra o parlamentar. Para atrair o apoio de Lula, Silvio tem como trunfo o fato de que ele e o pai estiveram ao lado do PT em um dos momentos mais difíceis para a legenda, em 2016. Silvão foi um dos principais defensores da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) durante o impeachment. No mesmo ano, Silvio Filho foi vice de João Paulo (então no PT) na corrida pela Prefeitura do Recife.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o petista também deve se reunir com o deputado federal Eduardo da Fonte, presidente estadual do PP. A conversa não foi confirmada pela assessoria do parlamentar. O pepista também sempre foi próximo de Lula no governo e é pré-candidato ao Senado.
Antes do jantar, Lula conversou com a vice-governadora Luciana Santos (PCdoB), os deputados federais Renildo Calheiros (PCdoB) e Túlio Gadêlha (PDT), e com as bancadas do Psol na Assembleia e na Câmara do Recife: Juntas, Ivan Moraes e Dani Portela.
Protesto
À noite, integrantes do Movimento de Luta e Resistência pelo Teto (MLRT) realizaram um ato em frente ao Palácio do Campo das Princesas. Segundo o coordenador do movimento, Gean Carlos, o grupo queria uma saudação do ex-presidente. "Temos 210 famílias no prédio que precisam de uma posição do Governo do Estado, da Prefeitura do Recife e também do governo federal", explica.
Antes de chegar ao Palácio, os manifestantes protestaram em frente ao antigo prédio do INSS, na Avenida Martins de Barros, no Centro da Capital. Eles queimaram materiais para impedir a passagem. De lá, seguiram até a Praça da República por volta das 19h30. Às 21h, Lula chegou ao Palácio em uma van com os vidros escuros e não desceu para cumprimentar os manifestantes. O diálogo coube a Doriel Barros. O ato dispersou por volta das 22h.