Integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid apontaram um crime cometido pelo presidente Jair Bolsonaro ao usar um documento adulterado para questionar o número de mortos pela covid-19 no Brasil. No início de junho, o chefe do Planalto atribuiu ao Tribunal de Contas da União (TCU) um levantamento sobre supernotificação de mortes pelo novo coronavírus, informação desmentida pela Corte de contas.
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Nesta terça-feira (17), o auditor do TCU Alexandre Marques prestou depoimento na CPI e assumiu a autoria do documento. Ele alegou que produziu o levantamento internamente e admitiu que o conteúdo não era oficial do TCU. Além disso, Marques reconheceu que não era possível apontar supernotificação com base naquelas informações. O auditor relatou que seu pai, Ricardo Silva Marques, foi quem encaminhou o levantamento ao presidente.
"O arquivo não era um papel de trabalho, uma instrução processual, um documento oficial do TCU, nada do tipo. Era apenas um debate preliminar e aberto, mas que foi considerado encerrado", disse o auditor. "Na conversa que tive com a colega que está coordenando o trabalho e que é aberta para toda a equipe, concordamos que seria impossível haver um conluio para deliberadamente supernotificar os casos de óbitos de covid-19."
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A adulteração foi indicada conforme as alterações que o documento sofreu entre o conteúdo produzido pelo auditor e a divulgação do presidente. De acordo com o depoente, o documento foi compartilhado com auditores do TCU no dia 31 de maio e enviado ao pai em 6 de junho, um dia antes de Bolsonaro citar o relatório paralelo. Após a declaração de Bolsonaro, uma versão do documento circulou no formato PDF e com selo do TCU, características normalmente usadas em relatórios oficiais. O auditor, no entanto, afirmou que produziu o levantamento no formato Word e sem qualquer inscrição oficial do tribunal.
No dia 8, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro admitiu que mexeu no documento, mas voltou a questionar o número de óbitos. A suspeita foi afastada pelo próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante depoimento na CPI da Covid. Queiroga reforçou que os números divulgados diariamente são oficiais e que não há nenhuma evidência sobre adulteração das informações.
O pai de Alexandre é o coronel da reserva do Exército Ricardo Silva Marques, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e ocupa um cargo de gerente da Petrobras. O auditor negou, no entanto, que o militar tenha feito alterações e disse não saber a origem da adulteração. "Isso realmente eu não tenho como responder, porque, a partir do momento em que o arquivo cai na mão de outras pessoas... Hoje em dia a internet tudo viraliza, né? Tudo é compartilhado rapidamente, então não tem como eu presumir a autoria de ninguém dessa alteração."
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Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro cometeu crime contra a fé pública, previsto no Código Penal, por "falsificar documento público ou alterar documento público verdadeiro". A conclusão poderá fazer parte do relatório final da CPI, que avalia solicitar o indiciamento do presidente ao Ministério Público Federal (MPF), responsável por investigar o chefe do Executivo em caso de crime comum. "Para mim, é mais um crime constatado, é mais um indício forte de crime cometido pelo presidente da República constatada por esta CPI", afirmou Randofle.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que, no mínimo, Bolsonaro cometeu crime ao saber que estava diante de um documento "apócrifo" e não ter questionado a adulteração. Para ela, além do crime comum, também há indício de falta de decoro, conduta que se encontra como crime de responsabilidade, ou seja, motivo para impeachment. "Ele tinha que no mínimo perguntar para o seu entorno quem é que fez isso, quem é que manipulou esse documento privado e o transformou falsamente em um documento público. Quem tem conhecimento de um crime como esse se torna cúmplice", disse a parlamentar.
Em defesa de Bolsonaro, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), alegou que o chefe do Planalto recebeu o documento e levantou os questionamentos justamente porque o número de mortes está diretamente relacionado às regras para envio de recursos financeiros a Estados e municípios. "O presidente da República, assim como milhares de pessoas e veículos de comunicação, tiveram acesso ao referido documento, que já estava em domínio público", declarou Bezerra, para quem a CPI deveria apontar se há supernotificação dos casos.