Durante o processo de negociação para a filiação ao PL, seu nono partido, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro a exigência de que seria necessário a sigla fazer ajustes no alinhamento dos seus diretórios locais, para que não haja dissonância nos discursos e posicionamentos que possam intervir na sua campanha à reeleição. Acontece que no xadrez eleitoral, os ganhos políticos muitas vezes se sobressaem à orientação ideológica, principalmente nos palanques estaduais.
Partidos como PP e Republicanos, por exemplo, estão próximos a Bolsonaro no plano nacional, mas no cenário local, devem acompanhar candidatos que fazem oposição ao governo federal. "A lógica da eleição estadual é diferente da federal, em termos de agenda do eleitor e da lógica que ele faz para escolha dos seus candidatos. Inevitavelmente no Brasil, a partir de 2018, entramos em um ciclo político que as coisas ganharam mais tons e a percepção de neutralidade não é cabível. As pessoas passaram a prestar mais atenção na política e nos posicionamentos, que agora passam a ser cobrados", avalia a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho) Priscila Lapa.
Segundo os especialistas consultados pelo JC, boa parte dos eleitores não têm essa percepção clara da composição destas alianças. "O eleitor brasileiro, de uma forma geral, não presta muita atenção em determinados partidos. É nisso, inclusive que o Centrão, ele se enfia. Ou seja, os indivíduos votam de acordo com o pedido do prefeito, para aqueles que conseguem trazer mais recursos para a localidade. O Centrão sabe muito bem identificar quais são essas ondas", explicou o professor de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco Antonio Henrique Lucena.
Em Pernambuco, o PSB, que lidera o maior bloco de partidos, contará com apoio de ao menos três siglas que estão na base do governo Bolsonaro a nível nacional: PP, Republicanos e PRTB. Os dois primeiros, inclusive, têm o nome de seus presidentes estaduais cotados para a vaga do Senado e já deixaram claro que vão pedir votos ao ex-presidente Lula (PT).
"Desde 2006, nós apoiamos a candidatura do governador do PSB, Eduardo Campos, assim como apoiamos a candidatura de Lula para presidência da República. Desde então, o PP continua no mesmo campo político. Em 2014, não apoiamos a candidatura de Eduardo para à presidência, mas fizemos palanque para Paulo Câmara no Estado e estivemos apoiando a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. E em 2018, apoiamos Paulo Câmara e Fernando Haddad. Então, o PP de Pernambuco não moveu de posição e vamos para a quinta eleição com o mesmo posicionamento", explicou o presidente da legenda, Eduardo da Fonte.
O dirigente disse ainda que o partido possui liberdade para fazer suas próprias articulações e que não há impedimentos vindo do diretório nacional. O presidente nacional do PP, Ciro Nogueira, que é ministro da Casa Civil, liberou os diretórios estaduais a usarem o tempo de TV e Rádio da forma que acharem melhor, neste primeiro semestre. Segundo as informações do jornal O Globo, os líderes estaduais acreditam que a liberação deverá se repetir no segundo semestre, quando as propagandas eleitorais dos candidatos forem iniciadas.
"O partido que tem 11 deputados na Alepe, com perspectiva de eleger 15 deputados, possui 20 prefeitos e mais de 200 vereadores, não tem como não ter posições diferentes. Existe uma complexidade e tolerância maior. Não dá para achar que dentro do PP não há ideologias diferentes", afirmou da Fonte.
O parlamentar também não acredita que isso possa confundir o eleitor, pois o posicionamento do partido no Estado, mantém coerência em sua postura política. "Estranho seria se eu estivesse com Lula na eleição passada, e estivesse com Bolsonaro agora", completou.
Já o Republicanos inicia a partir deste mês, um diálogo entre o diretório nacional e os diretórios locais sobre as eleições e, por consequência, como serão dadas as alianças. O partido é ligado ao dono da Igreja Universal do Reino de Deus, o bispo Edir Macedo, e tinha em seus quadros dois dos três filhos do presidente Jair Bolsonaro que possuem mandato eletivo. No ano passado, o senador Flávio Bolsonaro se desfiliou do partido e migrou para o PL. Enquanto isso, o vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, ainda permanece na legenda.
"Nós somos um partido democrático e que respeita as diferenças, mas todo nosso esforço e trabalho é para estarmos (em Pernambuco) majoritariamente apoiando o presidente Lula. Os 15 prefeitos republicanos já declararam apoio à Lula, depois da última reunião tivemos aqui", declarou o presidente estadual do partido, deputado federal Sílvio Costa Filho.
O parlamentar também defende que mantém um posicionamento coerente e o próprio PT tem feito sinalizações importantes para os partidos de centro, principalmente no momento em que se cogita o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (sem partido), para compor a vice na chapa do líder petista. A linha econômica e política defendida por Alckmin seria um recado à pluralidade com o que o governo federal pretende agir, caso a chapa seja eleita.
No PRTB , partido do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, existe um entendimento , em Pernambuco, de que a política local vive um momento diferente da nacional. No Estado, o partido que até pouco tempo fazia uma dura oposição ao governo do PSB, agora integra a base estadual e municipal socialista.
Entretanto, segundo o presidente municipal do PRTB de Recife, o vereador Marco Aurélio Filho, não haverá pedidos de voto e apoio ao ex-presidente Lula, caso a aliança entre PT e PSB seja oficialmente selada. "Nós temos um vice-presidente importante, do quadro de Hamilton Mourão, a quem temos um carinho enorme e sabemos que ele poderia colaborar muito mais com o governo federal. Mas, posso dizer com muita tranquilidade, eu Marco Aurélio Filho, que não há nenhuma paixão pelo presidente (Bolsonaro)", afirmou o parlamentar.
Em abril do ano passado, em entrevista ao Valor Econômico, Mourão declarou que Bolsonaro vai procurar outro vice para formar sua chapa a reeleição. "A interpretação que tenho feito dos sinais é de que ele vai escolher outra pessoa para acompanhá-lo na sua caminhada para a sua reeleição. Tenho que me preparar, porque olho para frente", declarou.
Para Marco Aurélio Filho, apesar de considerar avanços significativos na área econômica, o presidente da República errou nas ações referentes à vacinação da covid-19, negando a eficácia do imunizante. "A nível nacional nós vamos manter o bom senso. Nós fizemos campanha para o presidente Bolsonaro, e não tem como, de uma hora para outra, mudar de palanque e apoiar Lula", declarou o parlamentar. "Vamos seguir as orientações do prefeito João Campos (PSB), e tenho certeza de que ele irá apontar um nome interessante", ressaltou.
Com as novas regras eleitorais em vigência para o pleito deste ano, muitos partidos temem não alcançarem a cláusula de barreira, e no PRTB não tem sido diferente. Diante destas dificuldades, o deputado estadual Marco Aurélio Meu Amigo, ex-líder da oposição do governo Paulo Câmara, e maior quadro do partido atualmente, não descarta a possibilidade de migrar de legenda - que poderá ser o próprio PSB ou algum partido alinhado aos socialistas.
A cientista política Priscila Lapa afirmou que as questões não são desconsideradas quando os partidos vão à mesa discutir quais serão as alianças que vão ser formadas nos palanques estaduais. Entretanto, existe um peso maior no que diz respeito aos "ganhos eleitorais".
"A tentativa do ator político é maximizar ganhos. Então para ele, alinhar nacionalmente traria mais vantagem para a narrativa local? Essa vai ser a escolha da montagem da chapa. O critério principal não é o alinhamento nacional ou não, mas claro que essa será uma viável que também estará posta no tabuleiro", declarou.
O professor Antonio Henrique Lucena lembra que o eleitor vota nas pessoas. "Por isso que boa parte da população acredita que o PT cometeu atos de corrupção, ao mesmo tempo que vem Lula como bom governante, mesmo ele sendo do PT, então muitas vezes você tem essa dissociação", afirmou.
"No caso do presidente Bolsonaro, por ter baixo apoio popular, ter muitas dificuldades de governabilidade e não saber fazer esse diálogo, o Centrão se aproveitou para extrair o máximo de benesses possíveis. Por isso você tem o máximo de partidos apoiando Bolsonaro a nível federal e quando vai para o plano local, sabem que é mau negócio estarem dividindo palanque com ele", complementou Lucena.
Por mais que possa parecer conflituoso partidos estarem de um lado do palanque nos estados, e de outro na corrida presidencial, a desobrigação das coligações eleitorais para governador e presidente, só ocorreu nas eleições de 2010. A partir daquele ano, a verticalização seriam apenas para os candidatos ao governo estadual e os candidatos ao Senado Federal. Antes, os partidos eram proibidos de terem chapas concorrendo aos governos estaduais diferente das chapas para a corrida presidencial.