Aos 50 anos, o conselheiro Dirceu Rodolfo assumiu a presidência do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) no dia 30 de dezembro. A posse ocorrerá na próxima terça. Ele ingressou na instituição há 26 anos, quando passou em um concurso para procurador do Ministério Público de Contas (MPCO). No seu gabinete, espadas lembram um dos seus hobbies: lutar karatê. Também toca guitarra. Na sua gestão, promete instituir um procon dos órgãos públicos que chegue ao cidadão. Nesta entrevista à repórter Angela Fernanda Belfort, conta um pouco da sua trajetória.
JC - Falta uma maior proximidade entre o TCE e a população?
DIRCEU RODOLFO – A gente tem uma dificuldade de comunicar o que a gente faz. Agora, está buscando por todas as vias estar mais próximo. Por exemplo, a gente tem uma possibilidade do cidadão saber o que está ocorrendo com as contas públicas através do Tome Conta, uma ferramenta que não só a imprensa e a sociedade civil organizada utilizam, mas o cidadão mais simples pode ter acesso e ver o que está acontecendo com as contas públicas. Tem informações das mais simples às mais complexas. Qualquer um pode ter acesso. O grande problema é que o tribunal nasceu de um modelo de direito continental que veio de Portugal, da Alemanha e do modelo francês, e tem essa expectativa de punição. E, quando o tribunal não pune, há um descrédito do trabalho do tribunal. No entanto, o Tribunal também faz um trabalho de profilaxia, de prevenção, de educação do gestor público...
JC - Mas, por exemplo, um cidadão que se sinta prejudicado por uma estatal recorre a quem? O que a gente percebe é que o cidadão paga muito imposto, e ninguém escuta ele...
DIRCEU – Faltava um código de defesa do consumidor do serviço público, que foi criado em 2018. O tribunal está se preparando para ser o Procon do serviço público. Vamos ser um dos órgãos que vão fazer isso. Se o serviço público não está a contento com relação à demanda e à qualidade – pode ser o fornecimento de água ou transporte público –, vamos criar uma ferramenta diferenciada para fazer face ao que estabelece essa lei que cria órgãos deliberativos, paritários, para estabelecer a análise da qualidade e quantidade desse serviço. A gente também pensa em implantar algum mecanismo de inteligência artificial para responder somente aquilo que pode ser respondido (por um robô). Temos que chegar ao cidadão, onde o Estado não chegou. Se não chegou água, saneamento, a gente tem tudo a ver com isso, porque esses serviços dependem da implantação de políticas públicas.
JC – E como vai ser a sua gestão à frente do TCE?
DIRCEU – É tranquilo administrar o TCE, que tem um grupo de servidores de excelência. Nas questões administrativa, burocrática, financeira, o tribunal é muito bem resolvido e equacionado. Tem pessoas que caminham com uma tranquilidade grande com informações muito precisas sobre a própria gestão. O TCE é muito enxuto tanto no seu funcionamento como com relação à racionalidade de recursos. Logicamente, todos os anos, há um desafio a mais. E, nesses próximos dois anos, tem o ingresso de novos servidores, a folha de pagamento tem que estar dentro do padrão da Lei de Responsabilidade Fiscal (que estabelece limites a serem gastos com pessoal). O Tribunal de Contas tem que dar o exemplo e estar sempre abaixo do limite da LRF. O Tribunal tem um planejamento estratégico desde meados de 2003. O Tribunal sabe o que vai fazer nos próximos quatro anos. Funciona meio como um PPA. Estou assumindo, refazendo os planos para quatro anos. Quem vai me suceder já vai executar este plano. A gente já se planeja para os quatro anos, porque tem o monitoramento dessas metas. O planejamento nos permite saber o que já foi feito. Os próprios procedimentos e os papéis de trabalho são bem definidos.
JC – O senhor foge daquele tradicional perfil de presidente do TCE: luta karatê, toca guitarra, usa tênis nos dias em que não há sessão. Só por curiosidade, qual a tradução dessas três linhas tatuadas no seu braço?
DIRCEU – São ideogramas japoneses. A primeira (linha) significa treinar e estudar. A segunda, Karatê Judson. E a terceira, Karatê-Do, que é o karatê esporte. Foi um karatê que eu lutei antes, quando era jovem. Comecei com 13-14 anos e fui até os 19 anos. Depois, resumindo, treinei kung-fu. O karatê que surge na ilha de Okinawa veio pela influência da Índia e da China. Depois chegou ao Japão, de onde tomou vulto e conhecimento devido a um sujeito chamado Gichin Funakoswi. Quando voltei a treinar Karatê Judson, há uns oito anos, fiz essa tatuagem.
Treinar é um plano que faz parte da minha longevidade, eu tenho filhos pequenos. Quero chegar aos 60 anos bem. Já fiz Karatê Shotokan. Agora, faço Karatê Judson, que vem de Okinawa, é um karatê raiz, que não é esporte, é pra rua, tem chão, pontos vitais. Mas a gente luta pra manter a longevidade, a vitalidade, o equilíbrio, o vigor. A gente afia as armas para não usar. Outra coisa que eu gosto é música. Toco guitarra. A minha raiz é o rock dos anos 1970 e o blues. Gosto de MPB, gosto do Clube da Esquina, que foi um movimento dos anos 1970 em Minas Gerais. São os meus hobbies, além dos outros papéis da vida, que a gente tem que tocar. São os dois hobbies que eu mais aprecio.
JC – Como e quando o senhor ingressou no TCE?
DIRCEU – Fiz um concurso em 1993 para o cargo de procurador do Ministério Público de Contas (MPCO) e entrei naquele mesmo ano. Durante o tempo em que estive no MP, fui procurador geral três vezes. O MPCO atua dentro do TCE. Foram quase 18 anos no MPCO. Numa das vezes em que fui procurador geral, passei um tempo mais alongado, cinco anos. Meu nome foi indicado numa lista tríplice, e fui escolhido para fazer parte do conselho em 2011.
JC – O senhor já esteve à frente de processos polêmicos, como o da Arena de Pernambuco, que resultou no julgamento mais longo da história do TCE. Por que a Arena foi um processo tão trabalhoso?
DIRCEU – Eram vários processos dentro de um mesmo. E com a coisa da continuidade. O Tribunal vinha atuando nesse assunto desde que o relator era Valdeci Pascoal. É uma colcha de retalhos. Um mosaico a ser montando...
JC – O senhor não acha que ninguém ter sido responsabilizado pelo que ocorreu com a Arena de Pernambuco gerou muita crítica externa?
DIRCEU – Gerou. Para entender o processo da Arena tem que voltar aos idos de 2009. O projeto da Arena vem de uma coisa que é inédita para a nossa geração. Foi uma coisa feita para aquele momento. Pernambuco estava numa pujança econômica fora do comum, crescendo acima do País. Ia ter Copa do Mundo aqui do lado, na Bahia, no Rio Grande do Norte, no Norte, e não ia ter aqui. Naquele momento, não tinha como não fazer. Ninguém seria contra fazer a Copa aqui nem a Copa das Confederações... Agora, vamos me situar na hora que eu julguei. Existiam os comitês gestores, e passaram muitas autoridades pelos comitês gestores, e decidiram fazer a Arena.
Em 2011, o tribunal decidiu que não estava inviabilizada a geração das receitas previstas. Se o tribunal tivesse decidido suspender, não haveria Copa em Pernambuco, porque os prazos eram muito curtos. Eu não poderia olhar para trás e dizer que aquela decisão do TCE (em 2011) não valeu. Agora, a decisão não parou e disse: vamos abrir uma auditoria especial para ver se foi antieconômico, se as receitas se sustentavam, tudo isso foi dito pelo relator da época. Não foram só coisas ruins que aconteceram. Foram investidos R$ 2 bilhões no projeto. A decisão ali seria suspender, parar ou continuar. Se decidiu pela razoabilidade, porque não tínhamos elementos para dizer que estava tudo condenado. Então, se decidiu que depois se abririam auditorias para verificar a economicidade e a sustentabilidade.
No final de 2014, fizemos um alerta. Fui à Polícia Federal e pedi as informações da Operação Fair Play. Até 2016, não houve dano ao erário. Fizemos um Termo de Ajuste de Gestão (TAG) que gerou a rescisão (do contrato entre a Odebrecht e o governo do Estado). Reconheci forte indício de conluio das empresas (Odebrecht e Andrade Gutierrez), e isso não prescreve porque é dolo. O que prescreveu foi a culpa. Não há ambiente para a culpa, porque o tribunal disse que era razoável o que estava acontecendo. Depois que a Arena começou a funcionar, se teve certeza de que era insustentável.
JC – No julgamento, o senhor apontou que o contrato do Estado com a Arena havia custado R$ 397,6 milhões, enquanto o contrato assinado era de R$ 479 milhões, ambos a preços de 2009. A Odebrecht divulgou uma nota discordando do valor apontado pelo TCE. Como o senhor vê isso?
DIRCEU – Absolutamente normal, mas a nossa auditoria contábil é muito consistente. Pegamos 16 boletins de medição entre 2010 e 2013, expurgando algumas coisas que eles achavam que era pra colocar. Por exemplo, a questão dos juros, decidimos que era pra ficar de fora. Os valores do Refis, PIS, Cofins, queriam colocar lá dentro, porque eles já tinham se creditado disso, colocamos pra fora. Eles reclamaram também outras despesas. Eles jogaram pra dentro três boletins de medição que só foram pagos em 2015. Quais são os fortes indícios que aquilo não tem validade? Foi um serviço prestado pela própria Odebrecht para a sua SPE (Sociedade de Propósito Específico, criada, nesse caso, para construir e operar a Arena de Pernambuco). Essas despesas foram feitas em 2013 e contabilizadas em 2015, tem uma regra de contabilidade que diz que as despesas têm que ser durante e até o final da construção (que ocorreu de 2010 a 2013). Esses quatro boletins estavam sem nota fiscal. Tinha um gasto do Clube Náutico Capibaribe. E o Náutico construiu a Arena? Despesas com escritório de advocacia, empresas de marketing, que também não construíram a Arena. Assumi o valor apontado pela nossa auditoria.
JC – O PSB é governo há 16 anos. Uma parte das pessoas que hoje representam o governo é de funcionários do TCE, como o governador Paulo Câmara e o prefeito Geraldo Julio (ambos socialistas). Qual o peso que isso tem politicamente na gestão do Tribunal?
DIRCEU – Vejo isso como um problema de raiz. Nenhum de nós sete (os conselheiros do TCE) são favoráveis a essa composição, seja vindo da classe política ou de concurso público, como é o caso meu e de Valdeci Pascoal, nenhum de nós concorda com isso. Há um projeto tramitando no Congresso Nacional para alterar isso. Indicação política existe em qualquer tribunal do País. No Supremo (STF), são todos. Os tribunais judiciais todos têm um quinto do Ministério Público, que é mais depurado porque vai uma lista sêxtupla para depois ser escolhido três. Mas a OAB é uma escolha política. O problema dos Tribunais de Contas é que são uma pirâmide invertida, tem a maioria vindo das clientelas políticas, e a minoria vindo da parte técnica. O que a gente defende é inverter isso, tendo uma maioria da parte técnica e uma indicação menos política.
Em Pernambuco, a política é cíclica. Em outros Estados, não é. Aqui, tem alternância, e isso se reflete na composição da casa. Apesar de ter um vício de origem, o governo de Pernambuco tem tido critério para indicar as pessoas. Tem a vida pregressa partidária, mas são pessoas honradas. As indicações têm sido republicanas, e todos muito comprometidos com o tribunal. As pessoas têm a sua história, mas, aqui dentro, o que a gente percebe é que vira um corpo só, embora uns tenham o olhar mas à direita, à esquerda, ao sudoeste. O tribunal não interfere no corpo técnico, as auditorias têm liberdade. Antes de 88, todos eram indicados pelo chefe do executivo. Precisa inverter essa pirâmide para ter uma quantidade maior de conselheiros vindo do corpo técnico. Isso está numa Emenda Constitucional que tramita no Congresso Nacional. Como servidor público, sou apolítico.
JC – Por que o senhor defende a criação do Conselho de Controle Externo para os tribunais?
DIRCEU – Os tribunais de contas como um todo defendem a criação do Conselho de Controle Externo como existe o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se tem um malfeitor, vai levar para onde essa malfeitoria dele pra ser julgada por um órgão paritário? O que ocorre atualmente é que ele é afastado por questões penais, e se critica o sistema. É uma iniciativa importante para implantar boas práticas. Por exemplo, hipoteticamente, é polêmica tal situação de um valor que se paga aos conselheiros. Nesse caso, leva para o Conselho de Controle Externo que vai decidir. Se não pode, não pode. É importante que não tenha só conselheiros, mas Ministério Público, representantes da sociedade civil, entre outros.