Ponto nevrálgico da legislação anticrime sancionada com 25 vetos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na véspera do Natal (24), o juiz de garantias segue causando controvérsia entre estudiosos do direito e gestores públicos. Para alguns, a criação da figura que ficará responsável “pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais” é um avanço necessário. Para outros, a medida dificultará a resolução de casos complexos e vai gerar um alto custo para o Poder Judiciário.
Em nota divulgada na quarta-feira (25), o ministro da Justiça Sergio Moro, que sempre posicionou-se contra esse trecho do pacote, incluído pelo Congresso no texto, comemorou a sanção e justificou que o ministério se posicionou contra o juiz de garantias “porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40% do total); e também se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores”.
Na visão de Bruno Baptista, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), de uma maneira geral, o pacote anticrime de Moro saiu do Congresso melhor do que entrou. Quanto à figura do juiz de garantias, Baptista classifica a novidade como “um grande avanço civilizatório”. “Eu acho que a criação de um juiz de garantias é um grande avanço civilizatório para a gente. Isso era algo que já estava previsto no projeto de código de processo penal, mas aí aproveitou-se o momento e incluiu-se nesse pacote essa garantia. Acho muito bom, muito interessante e muito positivo, é um avanço na questão da imparcialidade do juiz”, comentou.
Assim que a sanção da nova legislação foi divulgada, grupos de juízes apressaram-se em repudiar a decisão do presidente de não acatar o principal pedido de veto feito por Moro. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), por exemplo, lançou uma nota afirmando que a novidade traria impactos negativos para todos os tribunais do País. “A implementação do instituto juiz de garantias depende da criação e provimento de mais cargos na magistratura, o que não pode ser feito em exíguos 30 dias, prazo da entrada em vigor da lei”, diz trecho do comunicado.
Para João Paulo Martinelli, professor do curso de pós-graduação de direito penal da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo, porém, o Judiciário brasileiro teria plenas condições de implementar as mudanças contidas na legislação. “A meu ver, esse é um problema de gestão. O Poder Judiciário no Brasil consome 2% do PIB e a proporção de juízes por habitantes é menor do que na Alemanha, por exemplo, onde o Judiciário custa apenas 0,4% do PIB. Aqui se consome muito dinheiro e a gestão é péssima. Não se investe em tecnologia, há excesso de servidores, os juízes passam cerca de 90 dias por ano em descanso. Verba tem, dinheiro tem, o que falta é gestão”, cravou.
Especialista em direito e processo penal, o advogado Yuri Herculano corrobora com a opinião de Martinelli. “O juiz de garantias não pode atuar no processo. Então se eu tenho uma comarca que tem duas varas, o juiz da primeira vara vai ser o juiz de garantias da segunda, e vice-versa. Se faz isso por substituição. Não há nada de outro mundo para que se faça isso. Hoje, os juízes de custódia trabalham mais ou menos dessa forma”, explicou Herculano.
Durante entrevista concedida à Rádio Jornal na manhã dessa quinta-feira (26), os secretários de Defesa Social e de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Antônio de Pádua e Pedro Eurico, respectivamente, criticaram a figura do juiz de garantias.
“Isso vai acabar procrastinando os processos. Além disso, os Estados terão que assumir esse custo. Estamos onerando os cofres públicos numa hora em que o discurso é de reduzir o tamanho de Estado e, por outro lado, criando mais uma instância de processo”, declarou Eurico.
Antônio de Pádua, por sua vez, questionou como a novidade funcionaria. “Muitas comarcas só têm um juiz. Então como você vai fazer, na prática, que o juiz que investigou o caso não possa julgar o processo?”, pontuou o secretário.