De Aliança, na zona canavieira da Zona da Mata de Pernambuco, Gian Carlo Silva, apelidado Gianzinho, 10 anos, mudou-se para Recife, em janeiro deste ano. É quando sua história começa a se transformar. Órfão da mãe aos 4 anos, veio morar num quarto de uma galeria onde seu pai trabalha como zelador, no Pina, Zona Sul da cidade. Mesmo iniciando o 5º ano do ensino fundamental, ele mal sabia ler e escrever. O dono da galeria e outros lojistas decidiram arregaçar as mangas e ajudá-lo. Dez pessoas se revezam diariamente para auxiliá-lo nas tarefas escolares e ensinar os conteúdos que ele tem dificuldade. Empresários, fotógrafa, engenheiro, turismóloga.... todos viraram professores, juntamente com outras duas docentes, numa força tarefa pela educação do menino. Gianzinho está aprendendo rápido. Tanto que escreveu um livro para contar como sua história começou e se modificou.
A publicação é bem simples. Mas representa um grande passo para o menino. Capa e contracapa foram impressas numa gráfica. O restante foi feito num esquema colaborativo entre os lojistas. Um deu papel, outro a tinta, outro cedeu a impressora. E assim confeccionaram cem exemplares. O lançamento aconteceu semana passada. Cada livro foi vendido por R$ 10. Com o valor arrecadado, os professores de Gianzinho planejam pagar algum esporte para ele. "Estou achando tudo impressionante. Ano passado Gianzinho quase não teve aula por causa da pandemia. Estudava numa escola pública de Aliança. Meu patrão sugeriu que trouxesse-o para Recife que ele pagaria um colégio para meu filho. Não imaginava essa mudança toda. O pessoal da galeria está sendo extraordinário, ajudando, ensinando. Nem acreditei quando Gianzinho contou que ia escrever um livro", diz Antônio José da Silva, 42, pai do menino.
"Quando eu cheguei no Recife para morar com meu pai eu lia muito mal. Eu estava lendo um pouquinho de nada. Passei o ano passado praticamente sem aula. Esse ano fui melhorando, minha escrita também. Os professores da escola e da galeria têm muita paciência comigo. Todos os dias aprendo coisas novas", conta Gianzinho, que gosta mais dos assuntos de ciências e de história. "Eu pensava no futuro, quando ficasse adulto, em cortar cana, pilotar máquina no sol. Agora não. Vou estudar para ser alguém. Quero virar engenheiro mecânico", afirma. E o que faz um engenheiro mecânico? Ele apressa-se em responder: "Eu acho que projeta carros e constrói na vida real", explica o menino.
MUTIRÃO
De manhã Gianzinho está na escola, que fica em Brasília Teimosa, bairro vizinho do Pina. À tarde, de segunda à sexta, um dos 10 lojistas assume o garoto no horário que estiver livre. Professora de espanhol, Renata Cabral, 32, é uma das mais entusiasmadas com a tarefa. Foi ela que montou a grade de horários de estudos do menino. Também ajuda com a experiência pedagógica e dá dicas para os outros lojistas. Foi também quem comandou, da ideia à execução, o projeto do livro. Não foi fácil.
"Gianzinho não reconhecia bem as letras, não estava totalmente alfabetizado. Tinha problemas na leitura, não entendia o que estava lendo. E não estava acostumado a estudar e fazer tarefas. O primeiro desafio foi justamente fazê-lo gostar de estudar. Às vezes chorava porque queria terminar logo", relembra Renata, responsável pelo reforço em português, sempre às quartas-feiras, dia que reservou para se dedicar ao menino. "No começo era difícil pra mim, eu chorava muito porque era muito difícil aprender, mas depois eu me acostumei. Eu sou o único da minha escola com tantos professores", conta o garoto num trecho do livro.
A fotógrafa Consuelo Barros, 37, ensina ciências e geografia. "E outras matérias também. Como eu faço meus horários de trabalho tenho mais flexibilidade que os outros lojistas. Então quando alguém não pode ficar com Gianzinho eu assumo. Tanto que ele tem livre acesso na minha sala, entra e sai quando quer", afirma Consuelo. "Ele me ensina muito mais do que eu a ele. Tenho aprendido muito com Gianzinho. É um menino que valoriza coisas simples", ressalta.
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Pouco a pouco, com ajuda do time de lojistas e os docentes da escola, Gianzinho foi melhorando e aprendendo mais. Experimentos, joguinhos, leituras, tudo serviu para facilitar o aprendizado. O envolvimento foi tanto que houve uma grande expectativa no dia em que saíram as notas do garoto da primeira unidade. Ele viu as médias e ficou feliz em saber que a menor nota foi 7 em geografia. Chegou na galeria, contou o bom desempenho e foi celebrado com abraços e muitos parabéns.
Dono da galeria e de uma agência de intercâmbios, o empresário Gian Cintra, 30, já tem planos para seu xará. "Daqui a cinco anos, quando ele estiver no início do ensino médio, se continuar um bom aluno, quero mandá-lo para o Canadá. Gianzinho chegou no Recife planejando ser motorista de trator ou cortador de cana, profissões que ele estava acostumado a ver em Aliança. Agora pensa em ser engenheiro mecânico. Acredito na educação e sei que ele conseguirá. Estamos ajudando a mudar sua história", comemora Gian, que pretende, no futuro, investir em projetos sociais voltados para educação. Bom para Gianzinho e tantas outras crianças.