Apesar das comemorações envolvendo as duas leis aprovadas nesta e na última semana para viabilizar o piso salarial da enfermagem, a verdade é que nenhuma delas resolve a questão, e sequer encaminham uma solução.
O Projeto de Lei Complementar n° 44, de 2022, que teve como relator Marcelo Castro (MDB-PI), foi aprovado por unanimidade no Senado, no dia 7 de outubro.
Na última terça-feira (11), a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei Complementar 7/22, que destina R$ 2 bilhões para entidades privadas sem fins lucrativos - as Santas Casas.
O projeto aprovado no Senado diz apenas que a transposição e a transferência de saldos financeiros de que trata esta Lei Complementar nº 172, de 15 de abril de 2020, aplicam-se até o final do exercício financeiro de 2023.
Além disso, diz que se incluem os saldos financeiros remanescentes atualizados até o exercício imediatamente anterior ao da realização da transposição e da reprogramação.
Em português claro, quer dizer que o saldo do dinheiro que a União repassou para estados e municípios pode ser usado para pagar o piso salarial da enfermagem ano que vem.
O problema é que os estados e municípios vão precisar de ao menos R$ 5,42 bilhões para pagar os novos salários dos profissionais de enfermagem.
Os estados precisarão de R$ 1,49 bilhão e os municípios, R$ 3,92 bilhões, que não estão nos cofres das secretarias da Fazenda dos estados, e muito menos nas prefeituras.
Na verdade, o ministério da Economia ainda não disse o valor dessas sobras, de modo que os senadores aprovaram uma lei no escuro. Como, aliás, foi a aprovação da lei do piso salarial da enfermagem em agosto passado.
Se ninguém sabe o que falta para resolver a questão dos estados e municípios, a coisa está mais difícil na Câmara Federal, que aprovou o PLP 7/22 - que destina R$ 2 bilhões para as Santas Casas.
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Segundo o texto do projeto, caso os saldos sejam insuficientes para o pagamento das Santas Casas, a União poderá transferir a diferença. Se houver sobra de recursos, eles poderão ser aplicados em outras ações de saúde.
CUSTOS DO PISO SALARIAL DA ENFERMAGEM
Mais uma vez, a Câmara desconhece a realidade. Segundo Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal, as chamadas entidades do setor privado sem fins lucrativos vão precisar de R$ 6,38 bilhões.
Ou seja, a solução da Câmara Federal deixa, de início, um problema de R$ 4,38 bilhões para ser resolvido depois.
E essa solução não agradou aos deputados, que aprovaram o texto por 383 votos favoráveis e 3 votos contrários.
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) disse que vai apresentar uma emenda constitucional para garantir o pagamento do piso da enfermagem, porque que o projeto aprovado pelo Senado apresenta uma solução transitória.
“É muito pouco dinheiro e nem é permanente, porque isso acaba. Portanto, isso não é a solução”, disse.
A deputada Érika Kokay (PT-DF) afirmou que o financiamento do piso da enfermagem poderia ser realizado pela loteria da Saúde se ela tivesse sido garantida à Caixa Econômica Federal e não à iniciativa privada, como prevê o texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
A deputada disse ainda que a “Casa fez a opção de aprovar apenas 3,37% para a política de saúde.”
Já a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) afirmou que os enfermeiros se mobilizaram, nadaram, mas morreram na praia.
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“Agora é a hora de aprovarmos o projeto de lei que dá segurança e garante os recursos necessários para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem”, cobrou.
Finalmente, o líder do Novo, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), aproveitou a votação para criticar o piso nacional da enfermagem.
“Reforço o que sempre falamos em relação ao piso da enfermagem. A cada semana, há um remendo novo sendo feito aqui para se tentar corrigir algo incorrigível, que é o absurdo do piso”.
O Novo deu os três votos contra a aprovação dos R$ 2 bilhões.
O problema é que o custo do piso salarial enfermagem é de R$ 17,37 bilhões, e até agora Câmara e Senado, que o aprovaram, só conseguiram arranjar pouco mais de R$ 5 bilhões - admitindo-se a informação do autor do projeto, o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que estimou em R$ 3,2 bilhões o saldo que a União tinha nas contas dos estados e municípios para despesas com a covid-19.
Isso quer dizer que ainda falta, ao menos, R$ 12 bilhões - recursos que o Congresso não sabe onde encontrar.
Se, no caso das Santas Casas, a solução encontrada deixou um buraco de R$ 4,38 bilhões; no caso das empresas privadas, o custo estimado pelo IFI é de R$ 5,48 bilhões que ninguém sabe onde vai encontrar.
STF PISO SALARIAL ENFERMAGEM
O problema é que está se aproximando o prazo da liminar, deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222 do STF, que definiu prazo de 60 dias para que entes públicos e privados da área da saúde esclareçam o impacto financeiro, os riscos para a empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.
A decisão foi proferida em 16 de setembro e, portanto, uma solução deveria ser encontrada até 16 de novembro. Segunda-feira (17) completa 30 dias e até agora ninguém sabe como fazer.