O Recife começará a discutir na próxima semana, via Câmara de Vereadores, o financiamento da ciclomobilidade da cidade pelo automóvel. Trata-se de um projeto de lei que prevê a destinação de 100% da arrecadação com os estacionamentos rotativos Zona Azul para ampliação da malha de ciclofaixas e ciclovias da cidade, além de políticas voltadas para a mobilidade por bicicletas. Na visão de quem batalha pela ampliação da mobilidade sustentável, especialmente da mobilidade ativa, nada mais justo.
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Resistências ao projeto são esperadas. Mas Recife poderá dar um passo importante na gestão da mobilidade da cidade. É importante destacar isso. Destinar os recursos da Zona Azul - valores na ordem de R$ 7 milhões anuais (houve redução com a pandemia; confira na arte) - para a ciclomobilidade colocará a capital pernambucana na vanguarda das cidades sustentáveis, com gestões que não apenas discursam, mas efetivamente priorizam os modais ativos. Algo já fundamental e que, com a pandemia de covid-19, tornou-se imprescindível.
Mesmo que a proposta passe por alterações, com a inclusão de outro modal - como calçadas ou Faixas Azuis para os ônibus, por exemplo -, é importante que a destinação seja condicionada a modais sustentáveis. Não apenas ao automóvel, como é hoje. E mesmo que a pandemia tenha derrubado a arrecadação - os números já mostram isso -, é o gesto o que mais importa para a imagem da cidade ao aprovar uma lei com essa proposta.
As 4.880 vagas de estacionamento rotativo Zona Azul existentes atualmente no Recife resultaram numa arrecadação milionária: em 2019 foram R$ 7 milhões; em 2020 mais R$ 6,1 milhões e, em 2021, R$ 2,7 milhões até junho - queda resultante da menor circulação de pessoas na cidade como efeito da pandemia de covid-19. A arrecadação daria, por exemplo, para implementar totalmente um plano emergencial de ciclofaixas e ciclovias proposto pela Associação Metropolitana dos Ciclistas (Ameciclo) ainda em 2020, como uma solução de mobilidade sustentável para o pós-crise sanitária. Ao custo máximo de R$ 4 milhões, a Ameciclo propôs implantar rapidamente e sem muitas dificuldades quase 90 km de estrutura cicloviária na cidade, não só em vias calmas, mas nas grandes avenidas. E, como consequência, beneficiar 600 mil pessoas diretamente - o equivalente a 39% da população recifense.
REAÇÕES
Como já dito, as reações contrárias são certas, principalmente dentro da Prefeitura do Recife. Isso porque os recursos da Zona Azul custeiam as despesas de operação da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU). Ou seja, sem eles o órgão gestor e operador do trânsito da capital não funciona. A ampliação da malha cicloviária e qualquer outra política voltada para a mobilidade por bicicleta é feita com a arrecadação das multas, prioritariamente voltada para a pavimentação de vias e, consequentemente, para o transporte individual.
Rejeitada pela prefeitura, rejeitada também pela Câmara de Vereadores, onde o governo tem apoio da maioria. Essa é a expectativa. O vereador Luis Eustáquio (PSB), autor do projeto e integrante da bancada do governo municipal, entretanto, é mais otimista. “A minha expectativa é que o projeto tenha uma boa aceitação na sociedade, uma vez que vai destinar recursos para o sistema cicloviário que está crescendo. Além disso, essa proposta já provou que deu muito certo em outros lugares. A Prefeitura do Recife tem compromisso com a cidade e a minha expectativa é que o poder público assuma esse protagonismo", afirmou. O projeto será votado na quinta-feira (5/8) pela Comissão de Mobilidade da Câmara de Vereadores.
CICLISTAS APROVAM
A Ameciclo elogiou a proposta. "Consideramos o PL importante porque garante recurso público para ampliação e manutenção da malha cicloviária existente, proporcionando estrutura cicloviária nas principais ruas e avenidas como planejado no Plano Diretor Cicloviário (PDC). Além disso, se faz urgente a paridade nos recursos investidos para mobilidade ativa, já que há uma grande disparidade em relação aos valores investidos no automóvel. Por isso, acreditamos que esse PL pode garantir o início do salto necessário para que o orçamento público contemple a realidade das pessoas que pedalam e garantir a segurança que potenciais novos ciclistas precisam para começar a pedalar", afirmou Vanessa Santana, coordenadora da Ameciclo.
Confira o especial multimídia O EXEMPLO DE FORTALEZA
FORTALEZA DESTINA ARRECADAÇÃO PARA A CICLOMOBILIDADE DESDE 2018
Se o PL que propõe a destinação dos recursos da arrecadação da Zona Azul para a ciclomobilidade vingar, o Recife não será pioneiro. Ao contrário. Está atrasado. Nossos colegas cearenses já adotaram o modelo e têm se destacado no País com a política. Desde 2018, Fortaleza tem a Lei Municipal nº 10.752, que determina a destinação exclusiva de todo recurso arrecadado com o Sistema de Estacionamento Rotativo Zona Azul para o custeio da Política Cicloviária da Capital, que entre outros pontos inclui a criação e expansão de ciclofaixas e ciclovias. É a primeira cidade brasileira a ter o gesto de colocar o carro para subsidiar a bicicleta.
A Prefeitura fica com 80% da arrecadação dos valores pagos pelos motoristas e os outros 20% vão para as plataformas credenciadas para operacionalizar a Zona Azul. Em 2019 foram arrecadados R$ 3.556 milhões, 96,7% a mais que os R$ 1.807.480,15 contabilizados em 2018. Com os recursos foram adquiridos balizadores e cones, e custeada a implantação de 130 novas estações do Bicicletar (o Bike PE de Fortaleza), entregues no primeiro semestre de 2020. A cidade passou de 80 para 210 estações, inclusive em locais onde a iniciativa privada nunca teve interesse em publicidade, como bairros da periferia da cidade.
Os recursos também vão para o Programa de Expansão da Malha Cicloviária, que já ampliou em 277% a rede cicloviária da cidade. Em 2012 eram apenas 68,2 km e agora são 384 km: sendo 121 km de ciclovias, 251,5 km de ciclofaixas, 11,3 km de ciclorrotas e 0,2 km de passeio compartilhado. Ultrapassou, inclusive, a meta para 2020 que era de 236 km. Queria ter chegado até o fim daquele ano em 400 km, o que não foi possível. Mesmo assim, o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade prevê que Fortaleza conte com, no mínimo, 524 km de malha cicloviária disponível até 2030.