Quando o novo milênio estava prestes a chegar, a ideia de futuro foi muito explorada em diversas artes. A expectativa da criação de novas tecnologias, do avanço em pautas sociais e na própria ideia do que é arte foram sendo tratadas em correntes originadas do futurismo, na década de 1990. Hoje, em um mundo caótico sob a perspectiva de fim de uma pandemia, as reflexões sobre o que é presente e o passado estão cada vez mais confusas. É nesse contexto que a Exposição "A Seguir", da Arte Plural Galeria (APG), estreia nesta terça-feira (8). Com a curadoria do jornalista Júlio Cavani, a coletiva reúne 10 artistas com trabalhos que trazem essa noção de tempo presente.
Ser o presente não significa que as obras sigam uma linha do tempo. A curadoria de Cavani traz trabalhos de diversas épocas, mas que reflitam a visão desses artistas sobre o atual momento. Problemas sociais que foram intensificadas com a pandemia, como a desigualdade, solidão e a pobreza, são alguns dos principais elementos trazidos pelos artistas à exposição. Essas obras são acompanhadas, a partir desta terça-feira (8), por espaços em branco que serão ocupados por trabalhos inéditos feitos para a mostra. O público acompanhará todo o processo, em tempo real, até o dia 22 de março - período em que a coletiva estará completa.
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"Quem teve a ideia da exposição mesmo foi o pessoal da galeria, que me procurou para dar uma costurada nessa ideia e conceituar melhor. Eles queriam que esses artistas fizessem novos trabalhos para a exposição que transmitissem sentimentos sobre o que está por vir - sobre o que vai acontecer com o Brasil e o mundo depois do que está acontecendo agora. Uma expectativa para um futuro próximo, seja essa expectativa otimista ou não. Eu pesquisei os trabalhos que esses artistas tinham nos ateliês, no acervo da galeria, e identifiquei obras que direta ou indiretamente sugerem o momento atual", explica o curador Júlio Cavani.
As novas obras, diferente das que já estão projetadas na galeria, darão uma dimensão do que os artistas estão pensando sobre o futuro. Alexandre Pons, Antônio Mendes, Christina Machado, Jeff Alan, José Barbosa, Maurício Arraes, Renato Valle, Rinaldo Silva, Roberto Ploeg e Valéria Rey Soto foram os artistas encarregados de imaginar esse futuro - seja de forma negativa, positiva ou uma forma de continuação do presente. Apesar de estar totalmente no dia 22 de março, os visitantes podem conferir uma espécie de "antes e depois" com o desenvolvimento das novas obras.
"Cada um dos dez artistas produzirá uma nova obra especialmente para exposição. Uma nova obra com a exposição com essa expectativa do que virá. Por isso, nessa exposição conta com um ou dois trabalhos desses artistas e ao longo do período da exposição, as obras serão acrescentadas no lugar dessas molduras que estão aqui. As molduras não necessariamente são do tamanho das obras que estão vindo, mas é uma coisa mais simbólica", explica Júlio, acrescentando que Maurício Arraes fará a obra na própria galeria.
O público poderá acompanhar um outro processo dentro das artes, que é uma imersão virtual para a produção das novas obras disponibilizadas ao longo da mostra até o dia 22 de março. "Os outros artistas produzirão as obras nos seus próprios ateliês ou próprias casas. A gente vai um dia no ateliê de cada um mostrar o processo, mas não todo o processo. Uma coisa curta para redes sociais, pegando uma fala dele sobre o que eles estão pensando sobre o tema e um pouco da técnica", conta.
Obras
Uma das obras em destaque é a série "Pulsa", da artista Christina Machada, que mostra os sons dos batimentos cardíacos em cerâmica. Os trabalhos estão dispostos em dois ambientes da galeria, como uma simbologia da continuação da vida, com a pulsação dos corações de quem sobreviveu à pandemia. "Esses desenhos são representações gráficos dos batimentos cardíacos, como se fosse um equalizador. Cada batida gera uma figura dessas. Casa com a ideia da exposição de seguir, dá uma ideia do que está para acontecer", aponta Júlio. O trabalho segue padrões geométricos criados a partir dos sons do coração.
Já "Na espera da Quentinha", de Roberto Ploeg, é uma obra inédita que dialoga diretamente com a representação de moradoras de Ouro Preto, em Olinda, à espera de distribuição de uma refeição pelo projeto social "Cozinha Afetiva". A tela dispõe mulheres sentadas na calçada, de máscara, na perspectiva de entrega das quentinhas. "Ele participa desse projeto junto a amigos e outros moradores de Ouro Preto. E, através de doações, eles produzem refeições diariamente para as pessoas do bairro e as pessoas vão lá receber. Na exposição, essa é a mais claramente que está relacionada com esse momento, por elas estão de máscaras. Ela é bem factual", afirma.
O trabalho de Ploeg suscita a solidariedade no momento crítico em que vivemos a pandemia, quando as próprias ações sociais passaram a desempenhar o papel do governo no combate à fome e desigualdade desenvolvidas no período. Caso seja vendida, parte da venda da obra será revertida para o projeto social de Olinda.
Em diálogo também com que as pessoas vivenciaram na pandemia, "Amor de mãe é sagrado", de Jeff Alan, encena mãe e filha em direção a um caminho desconhecido, nebuloso. "Elas estão andando em direção a algo desconhecido. A gente não sabe o que vai acontecer, o que vem pela frente, mas estamos indo a diante. Elas estão indo em direção a uma mancha cinza", reitera o curador.
A visitação à exposição será gratuita. A entrada funcionará de segunda a sexta, das 9h às 18h, e aos sábados de 14h às 18h, até o dia 18 de abril. A Arte Plural Galeria fica na Rua da Moeda, no Bairro do Recife, e está aberta sob os protocolos da covid-19.