Uber tem extenso histórico de problemas, e crise da empresa só se agrava
De decisões judiciais contrárias à companhia a crise com motoristas e usuários, em solo brasileiro ou internacional, a empresa tem visto os holofotes da crise se virarem para ela
Maior empresa de transporte de passageiros por aplicativos, a Uber, que chegou ao Brasil em 2014 com a promessa de revolucionar o setor, vem acumulando polêmicas e mais polêmicas nos últimos tempos. De decisões judiciais contrárias à companhia a crise com motoristas e usuários, em solo brasileiro ou internacional, a empresa tem visto os holofotes da crise se virarem para ela.
Desde o primeiro semestre de 2021, a big tech estadunidense observa o número de reclamações por parte dos passageiros subir consideravelmente no Grande Recife, o que tem levado os usuários a buscarem novamente um antigo serviço, que chegou a se ver ameaçado com a popularização dos aplicativos de transporte: o táxi.
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De acordo com um levantamento da plataforma Vá de Táxi, o crescimento da demanda de passageiros por esse meio de transporte cresceu 37% somente no Recife entre janeiro e junho de 2021. Para a plataforma, esse crescimento é resultado da migração dos usuários dos aplicativos de transporte individual devido à queda na qualidade do serviço oferecido pelos apps como Uber e 99.
Neste embalo, uma pesquisa da Gordon Haskett Research Advisors mostra que, em diversos lugares, andar de táxi já está até mais barato que o Uber e demais aplicativos de transporte. Segundo o levantamento, as tarifas de corridas em apps aumentaram quase 50% em relação aos preços de 2019 por quilômetro em Chicago, nos Estados Unidos, em agosto, citando dados disponíveis publicamente da cidade.
Os dados apontam ainda que os preços aumentaram de forma constante desde novembro, à medida que número de viagens nos apps também melhoraram. Agora, se comparado por quilômetro rodado, ficou mais barato chamar um táxi em Chicago do que acionar um Uber.
Taxas, reclamações e clandestinidade
Enquanto os usuários reclamam das dificuldades para conseguir uma corrida devido aos cancelamentos e sobre a qualidade dos veículos em circulação, os motoristas parceiros responsabilizam as plataformas pelas baixas tarifas repassadas e as altas taxas cobradas. Nas redes sociais, principalmente em grupos do Facebook, é possível encontrar vários motoristas ‘protestando’ contra as cobranças da Uber e de suas concorrentes, como a 99.
No maior fórum pernambucano destinado a usuários e parceiros das plataformas na rede de Mark Zuckerberg, o “Uber e 99 POP Recife - Motoristas e Clientes”, que conta com 116,7 mil membros, é possível encontrar reclamações apontando cobranças de até 52% nas taxas. Apesar das queixas dos condutores, a Uber afirma que “em qualquer viagem, o motorista parceiro sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário”.
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Na tentativa de “driblar” tais taxas e impulsionados pelas reiteradas altas dos combustíveis — que consome mais 50% da renda dos trabalhadores —, motoristas já combinam corridas particulares com os passageiros para garantir um rendimento “por fora” que não esteja submetido às taxas das empresas.
Assim, uma função muito comum no passado ganha uma nova roupagem, garantindo a sobrevivência de uma profissão atual. Até a década passada, não era raro que famílias tivessem um "taxista de confiança" para fazer deslocamentos frequentes — como levar os filhos às aulas de judô ou inglês algumas vezes por semana — ou mesmo corridas até o aeroporto "por fora do taxímetro". O mesmo fenômeno ocorre agora com motoristas de aplicativos como Uber e 99.
Segundo a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), o serviço "é irregular". De acordo com o órgão público, “os condutores flagrados pelos agentes de trânsito realizando a atividade de transporte remunerado irregular, seja ele um veículo particular realizando o serviço de táxi, aplicativo, transporte escolar clandestino ou ainda mototáxi, poderão ter os veículos apreendidos, além de notificação”.
Apesar disso, motoristas afirmam não terem outra alternativa na tentativa de driblar o desemprego e a carestia dos combustíveis e outros produtos. “Todo mundo que roda por fora tem medo de ser expulso da plataforma ou ser pego pela CTTU. A gente sabe que não pode, mas a crise nos obriga”, conta Carlos Andrade, um dos profissionais ouvidos pela reportagem.
Para atender essas viagens particulares, sem mediação dos apps, muitos motoristas têm cancelado corridas. A prática levou a Uber a banir de uma só vez 1,6 mil motoristas de sua plataforma no Brasil pelo “cancelamento excessivo” de viagens. Agora, a companhia está com ofertas promocionais de até R$ 2,5 mil para tentar atrair novos condutores e, assim suprir a demanda aberta com a expulsão dos profissionais somada à fuga de parceiros, em decorrência do impacto econômico trazido pela pandemia de covid-19.
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Decisões judiciais
Além disso tudo, a companhia vem colecionando derrotas na Justiça. Até agora, já foram pelo menos três decisões desfavoráveis à big tech estadunidense, que, além das ações judiciais, enfrenta insatisfação de motoristas e passageiros em decorrência da oferta dos seus serviços.
Entre as decisões, duas delas poderão, em breve, ser usadas como argumento de motoristas ligados à empresa para garantir direitos trabalhistas. Em uma, o TRT do Rio Grande Sul condenou a companhia ao pagamento de indenização por dano social, no valor de R$ 1 milhão, e reconheceu a existência de relação de emprego entre um motorista e a Uber.
Em outra, o TRT do Ceará determinou que a plataforma indenize em R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista assassinado durante uma corrida pelo aplicativo. A relação entre o aplicativo e os motoristas é tema de discussões judiciais, que, majoritariamente, têm favorecido a big tech. Ocorre, porém, que decisões recentes vêm adotando uma nova postura.
O tema é polêmico, já que os contornos das características que definem a relação trabalhista pessoalidade, não-eventualidade, subordinação, e onerosidade tornam-se turvos na relação de trabalho mediada pelo aplicativo.
Com presença constante nos tribunais brasileiros e derrotas recentes capazes de influenciar na jurisprudência acerca dos serviços da empresa, a Uber se vê alvo de quem questione sua legalidade, como o mineiro Wagner Oliveira, o primeiro motorista a ser expulso da plataforma no Brasil, além de ser o primeiro a levar a empresa aos tribunais do país.
Assim, a companhia começa a viver um cenário próximo ao de países onde a plataforma foi banida ou decidiu deixar de operar após perder processos nas justiças locais. A verdade é que a Uber enfrenta uma complicada fase global, na qual está sendo questionada em muitos países há algum tempo. E as sentenças da Justiça brasileira são mais um revés para as operações globais da empresa.
Vale frisar, contudo, que a maior parte das decisões estrangeiras têm relação com a legalidade dos serviços prestados. Num dos mais graves casos envolvendo a Justiça, o Ministério Público de Istambul, na Turquia, pediu a prisão do diretor da Uber no país. O americano François Pascal Chadwick pode ficar até dois anos preso se for condenado em um processo que tramita na Justiça da nação euro-asiática. A procuradoria acusa a big tech e o executivo de concorrência desleal.