Com informações da TV Jornal
Após quase sete meses da morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, o desabafo de Mirtes Renata Santana de Souza é de dor, revolta e saudade. Neste período de festividades de fim de ano, a mãe do pequeno não encontra muitos motivos para celebrar. "Esse ano não tem sentido pra mim comemorar Natal e Ano Novo. Eu não tenho meu filho mais comigo", desabafa.
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Miguel Otávio tinha apenas 5 anos quando caiu do 9º andar do Edifício Píer Maurício de Nassau, localizado no bairro de São José, próximo ao Cais de Santa Rita, na área central do Recife, onde sua mãe, Mirtes, trabalhava como empregada doméstica. O menino procurava pela mãe, que estava passeando com o cachorro dos patrões na calçada do edifício. Ao voltar para o prédio, ela se deparou com o filho praticamente morto. Miguel ainda foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos provocados pela queda.
A patroa da mãe de Miguel, Sari Corte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), foi indiciada pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte, por ter deixado Miguel sozinho dentro do elevador do prédio, e responde pelo crime em liberdade. A ação foi comprovada por imagens divulgadas das câmeras de segurança do prédio. Para Mirtes, houve imprudência e preconceito com a criança por parte da ex-patroa. "Ficou escancarado que meu filho era uma criança negra, filho de empregada doméstica, não tinha direito à proteção. Sarí Corte Real não poderia proteger meu filho, não poderia tocar na pele dele porque não era da alçada dela tocar naquela criança", conta.
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Momentos antes da queda de Miguel, Sarí estava fazendo as unhas. Situação que, para o filósofo, Érico Andrade, retrata bem a condição socioeconômica brasileira e põe em evidência a relação entre patrão e empregado. "O racismo é muitas vezes posto de forma tácita, recreativa. Na forma da omissão do cuidado, que é o caso de Miguel. Ou seja, você é negro então eu não vou cuidar de você, você se vira. Essa compreensão de que pessoas negras não merecem ser cuidadas é a base do racismo. Então, a partir do momento que eu não cuido de uma pessoa e abandono um incapaz eu estou sendo racista, porque o que me levou a abandonar aquela pessoa foi o fato dela ser negra", afirma.
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Em audiência online realizada em julho, o delegado Ramon Teixeira, responsável pelas investigações, falou sobre o comportamento de Sarí. "A conduta de permitir o fechamento da porta, claramente intencional, conduziu a criança à área de insegurança, diante dos vários riscos existentes no edifício. Com essa ação, diversas poderiam ser as formas de encontrar o resultado morte indesejável, mas previsível".
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Hoje, mesmo em meio à dor pela perda do filho, Mirtes decidiu criar forças para ajudar quem precisa. A partir de 2021 vai ingressar no curso de Direito, em uma faculdade no Recife. O objetivo dela é auxiliar as pessoas que sofrem algum tipo de injustiça.
"Eu vou fazer direito para que essas pessoas não passem pelo que eu estou sentindo na pele, que é a questão da morosidade da justiça, o descaso que tá acontecendo. Eu vou ajudar outras pessoas", completou.
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Com quase oito horas de duração, a audiência de instrução e julgamento relacionada à morte do menino Miguel Otávio Santana, de 5 anos, chegou ao fim, no final da tarde do dia 3 de dezembro, sem o interrogatório da ré, Sarí Corte Real. Uma testemunha de defesa faltou à audiência porque estava viajando. Por causa disso, uma nova data será marcada pela Justiça para que a ouvida ocorra. Só então, neste mesmo dia, haverá o interrogatório da ex-patroa da mãe de Miguel.
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No total, 12 testemunhas (oito de acusação e quatro de defesa) prestaram depoimento na na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, na área central do Recife. A audiência, que começou por volta das 9h30, foi conduzida pelo juiz José Renato Bizerra. A imprensa não teve acesso ao local. Na rua, também estavam familiares de Miguel e houve um ato pacífico. Com cartazes, um grupo lembrava: “Vidas negras importam”. “Quero justiça pelo meu filho. Só isso que peço”, disse o pai do menino, Paulo Inocêncio. Ele não pode acompanhar a audiência para evitar aglomeração no local.
Sarí Corte Real é acusada de abandono de incapaz com resultado morte, com dois agravantes: por ser um crime contra criança e por ter ocorrido em um período de calamidade pública. A investigação da Polícia Civil apontou que a primeira-dama de Tamandaré apertou o botão do elevador e deixou Miguel sozinho. A criança subiu até o nono andar e caiu do prédio de luxo que fica na área central do Recife, em 02 de junho deste ano. Naquele momento, a mãe de Miguel havia levado o cachorro da ex-patroa para passear.
Acompanhada dos advogados, a ré chegou bem cedo ao fórum. Segundo Pedro Avelino, um dos advogados de defesa, ela ficou bastante emocionada em alguns momentos da audiência. “Agora, vamos aguardar o encerramento de todos os depoimentos para dar seguimento ao processo”, disse na ocasião.
Além do depoimento presencial de uma testemunha de defesa, Avelino disse que duas cartas precatórias (depoimentos de pessoas que moram em outros municípios) serão cumpridas: uma em Tamandaré, no próximo dia 09, e outra em Tracunhaém (data não divulgada). “Havia outras duas cartas, uma delas no Rio Grande do Norte, mas desistimos”, afirmou. Outro depoimento que seria colhido era do pároco de Tamandaré, Arlindo Matos. Mas, após reportagem do JC divulgar que o religioso seria intimado a depor em favor de Sarí, houve um pedido do próprio pároco aos advogados para que isso não acontecesse. A defesa acabou enviando uma petição à Justiça desistindo da ouvida.
Após o encerramento da audiência, a mãe de Miguel e o advogado dela fizeram uma coletiva. “Eu vou mover céus e terra para que a condenação aconteça. Vou defender meu filho até o fim. Miguel, presente”, disse Mirtes Souza.
Já o advogado dela, Rodrigo Almendra, afirmou que a estratégia de defesa é culpar Miguel pela morte. “Tenta transferir para Miguel uma responsabilidade que ele não tem e isso me parece negar a uma criança o direito de ser criança, ao mesmo tempo dar a ré uma isenção de responsabilidade que todo adulto tem de gerir a vida de uma criança”, afirmou.
Após todas as ouvidas, o juiz dará dez dias para que o Ministério Público e a defesa da ré apresentem as alegações finais por escrito. Depois disso, o magistrado dará a sentença. A pena máxima para o crime, em caso de condenação, é de 12 anos de prisão. Sarí permanece respondendo ao processo em liberdade.
12 testemunhas ouvidas na audiência
8 de acusação
4 de defesa
- Na próxima audiência, uma testemunha de defesa será ouvida, além do interrogatório da ré, Sarí Corte Real
- Duas cartas precatórias serão cumpridas, sendo uma em Tamandaré e outra em Tracunhaém
- Quando todos forem ouvidos, Justiça dará 10 dias para que acusação e defesa apresentem as alegações finais por escrito
- Juiz dará a sentença (não há prazo para o resultado)