“É como se a gente não tivesse valor algum. Se a gente ganhou, é direito nosso. Tenho provas de que perdi tudo. Cadê o governo? É como se fosse prazeroso humilhar a população”. O desabafo da autônoma Fabiana Torres na manhã desta quarta-feira (6), após quase oito horas na fila da Central de Atendimento do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), representa a batalha que os pernambucanos têm enfrentado para receber os auxílios prometidos às vítimas das chuvas.
É o cansaço da população que já vivia em vulnerabilidade social, em uma eterna luta para conseguir um pedaço de terra e comprar móveis e eletrodomésticos para, depois, perder tudo para as águas ou para a força das barreiras - como vem acontecendo em tantas áreas de morro ou com baixa infraestrutura do Estado desde o final de maio.
Até esta quarta (6), a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco (SDSCJ) incluiu 74 mil famílias de 23 municípios do Estado para receber os R$ 1.500 do Auxílio Pernambuco. Em 24 horas, mais quatro municípios devem receber o montante. Outros quatro previstos: Escada, Passira, Chã Grande e São José da Coroa Grande, seguem com pendências cadastrais que os impedem de receber os valores.
Isso significa que 90,11% da verba destinada aos auxílios já foi liberada pelo Estado e está na conta dos municípios. E que, mesmo assim, diversos protestos são realizados diariamente em cidades da Região Metropolitana do Recife em cobrança dos valores prometidos - por gente que encontra, dessa forma, um jeito de ser ouvida.
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Nesta manhã, inclusive, foram registradas manifestações feitas por moradores da Comunidade Areal, no bairro de Apipucos, na Zona Norte do Recife, de Lagoa Encantada, no Ibura, na Zona Sul, e da comunidade de Nova Morada, na Caxangá, na Zona Oeste da cidade.
"A gente está aqui para saber o que vai ser feito. Tiveram três óbitos no local e até agora a gente não recebeu nenhum auxílio, a não ser os R$ 300 [auxílio moradia]. Tem outras comunidades que receberam o Auxílio Pernambuco, e a gente, até agora, nada. É só balela", lamentou o autônomo Anderson Enoque, que perdeu a cunhada e os sobrinhos pequenos em um deslizamento e teve a casa interditada após as chuvas.
No Recife, os munícipes que tiveram perdas devem receber R$ 2,5 mil, que representam os R$ 1,5 mil advindos do Estado, e outros R$ 1 mil do poder municipal. Em outras cidades, como Jaboatão dos Guararapes e Olinda, os benefícios não são acumulativos - sendo o municipal dado a quem ficou abrigado nos alojamentos da prefeitura, e o estadual a quem teve prejuízo pelos temporais e se enquadra nos critérios do Governo de Pernambuco.
Para casos de pessoas que perderam entes na tragédia - que deixou 132 vítimas, no total - ainda foi instituída uma pensão vitalícia de um salário mínimo por família pelo Governo de Pernambuco. O valor, que deverá ser dividido pelos filhos menores de idade e pelos cônjuges ou companheiros sobreviventes, será feito até o final da vida do último beneficiário do grupo familiar ou quando os dependentes atingirem a maioridade.
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Mas a revolta dos pernambucanos mostra que o Estado e as cidades não têm verba para amparar a todos que tiveram perdas. Talvez tivesse, caso priorizasse a prevenção ao desastre - já que, como pontuou matéria deste JC, o dinheiro gasto em auxílios seria capaz de concluir três barragens para conter cheias em Pernambuco. Agora, escolhe-se os mais miseráveis entre os miseráveis para destinar uma ajuda que é insuficiente para qualquer pessoa reconstruir a vida.
Longa burocracia para conseguir o dinheiro
Para terem o benefício aprovado, os pernambucanos precisam passar por uma longa burocracia. Inicialmente, a Defesa Civil de cada cidade precisa comprovar que o cidadão teve prejuízos, a partir de visitas presenciais. Depois, é conferido se ele é inscrito no CadÚnico, uma exigência para o recebimento. Se tiver, é feito o cadastramento no banco - que precisa confirmar que a conta pertence ao candidato ao auxílio e enviar a liberação para as prefeituras. Só então o depósito é feito.
Esse processo é, muitas vezes, travado na fila do CadÚnico - como aconteceu com Fabiana - por gente que precisa regularizar o cadastro para obter o auxílio. Na capital pernambucana, o espaço no bairro de Santo Antônio, no Centro, vem sendo ocupado ainda de madrugada todos os dias, expondo pessoas ao perigo durante horas sem qualquer assistência.
"Eu jamais iria passar por um perrengue desse se não precisasse desse dinheiro. Nunca mais queria passar por isso de novo. Se eu não conseguir hoje, não venho mais atrás, porque foi um caos total. Correria e falta de organização", disse o servente de pedreiro José Antônio da Silva, enquanto aguardava sua vez.
Ainda, muitos moradores perderam os documentos devido aos alagamentos e às quedas de barreiras, e o banco, segundo as prefeituras, só efetua o pagamento a partir da apresentação de um documento com foto. As solicitações são feitas no Instituto Tavares Buril, para Carteira de Identidade, e no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), para Carteira de Habilitação.
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Pouco chega nas mãos do povo
Todo esse processo faz com que a avaliação dos cadastros seja feita por grupos, a passos lentos. No Recife, mais de 32 mil famílias foram cadastradas para análise e recebimento do Auxílio Municipal e Estadual (AME), das quais mais de 10,3 mil foram atendidas.
Em Jaboatão, foram cadastradas 12 mil famílias para o auxílio estadual, das quais 397 tiveram pagamentos autorizados. Não foi dito quantas receberam. Entre as 380 que devem ganhar o auxílio municipal da cidade, 182 receberam até então.
Olinda, Paulista e Camaragibe também foram contatadas, mas não enviaram os dados solicitados até a publicação desta reportagem.