Atualizada às 16h do dia 2 de novembro de 2020
Em um ano marcado pela pandemia de uma doença completamente desconhecida e em que se chegou a cogitar o cancelamento das eleições municipais, em exatas duas semanas cerca de 150 milhões de brasileiros irão às urnas para escolher novos prefeitos e vereadores para as suas cidades. No Recife, onde a campanha corre com a temperatura elevada, segundo projeções da terceira rodada da pesquisa Ibope/JC/Rede Globo, divulgada na última quinta-feira (29), a disputa não deve se encerrar no primeiro turno. Por conta disso, nesses últimos 15 dias as candidaturas devem endurecer o tom umas contra as outras e partir para o tudo ou nada para tentar garantir uma vaga no segundo turno.
Mas, e como chegamos ao fim desse ciclo eleitoral? No início ano, quando algum analista político era questionado sobre o que poderíamos aguardar desta campanha, não era raro ouvirmos respostas que, baseadas no que ocorreu em 2018 e também por conta da covid-19, afirmavam que em 2020 as campanhas investiriam pesado nas redes sociais, por exemplo. Havia o entendimento, ainda, que a popularidade crescente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Nordeste, impulsionada pela sanção do auxílio-emergencial, catapultaria postulações vinculadas a ele. Não foi exatamente isso o que ocorreu.
“Eu acho que a maior parte das hipóteses colocadas sobre a eleição de 2020 não se confirmaram. A gente acabou voltando para um cenário mais tradicional de eleição. O que temos visto até o momento é que os candidatos apostaram mais na presença na comunidade do que na presença digital. A presença digital tem sido um complemento, mas não o caminho preponderante do desenvolvimento das estratégias deles, que também têm focado muito no guia eleitoral. Vale salientar, ainda, que os candidatos que estão se apoiando na popularidade do presidente Bolsonaro não têm tido um desempenho bom no Recife”, observou a cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho).
>> O desafio das candidaturas a prefeito nas eleições de 2020 em meio a pandemia do coronavírus
O método de ação dos candidatos no Estado, no entanto, deve ser impactado pela recente decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), que resolveu proibir todos os atos presenciais causadores de aglomeração, como comícios, carreatas e passeatas, por exemplo. Mas na visão do cientista político Antônio Lavareda, a esta altura do campeonato vai ser difícil para a corte conseguir que todos os postulantes cumpram a determinação. “É óbvio que a medida do TRE de alguma forma vai ser flexibilizada. Eu não acredito no cumprimento fiel dessa disposição legal, que é absolutamente correta do ponto de vista sanitário, mas infelizmente creio que ela não vai ser totalmente cumprida”, cravou o analista, durante entrevista à Rádio Jornal na última sexta-feira (30).
Com movimentações mais tradicionais, conforme apontado por Priscila Lapa, os candidatos a prefeito do Recife chegam ao mês da eleição com a seguinte configuração, segundo o Ibope: João Campos (PSB) lidera a corrida, com 31% das intenções de voto, seguido por Marília Arraes (PT), com 18%, Delegada Patrícia (Podemos), com 16%, e Mendonça Filho (DEM), com 13% das menções. Como a margem de erro do estudo é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, Marília, Patrícia e Mendonça estão tecnicamente empatados no segundo lugar. Os outros sete postulantes não ultrapassam 1% das citações dos entrevistados.
Através de nota, Marília Arraes ressalta que a sua candidatura é a que mais tem crescido junto aos recifenses - o Ibope mostrou que a petista foi a única postulante a crescer acima da margem de erro na cidade, passando de 14% das menções na segunda rodada do levantamento para 18% - e conta que não tem a intenção de alterar a sua estratégia nessas últimas semanas de campanha. “Vamos continuar a realizar uma campanha propositiva, mas ao mesmo tempo deixando claro de qual lado estamos, o que representamos, defendendo o legado do PT no Recife, do ex-presidente Lula e de Miguel Arraes. Agora mais do que nunca é preciso que a população cobre o debate entre os candidatos, o cara a cara, o confronto de ideias e projetos, para que se tenha clareza do que cada um representa. Eu estou certa de que a campanha vai crescer ainda mais nestes dias que restam até o final do primeiro turno, porque é o momento em que as pessoas começam a perceber melhor quem é quem”, declarou.
A Delegada Patrícia, que desde o início da campanha tem usado a estratégia de apontar o que considera falhas não apenas do candidato governista, mas também de Marília e até mesmo de Mendonça, que integra o mesmo grupo de centro-direita do qual ela e o seu coordenador de campanha, Daniel Coelho (CID), fazem parte, também disse não estar pensando em mudanças bruscas de estratégia neste momento. “Nossa campanha tem sido no corpo a corpo. Nós vamos manter esse ritmo, de estar com as pessoas apresentando o nosso projeto. A nossa onda 19 está crescendo. Junto com a população é que vamos vencer. As pesquisas só comprovam que representamos a mudança que o Recife quer”, detalhou a policial, por nota.
Mendonça Filho afirmou, através de nota oficial, que a campanha está sendo redesenhada "de forma a se adequar às novas regras, que afetam um dos momentos mais ricos do processo democrático ao limitar a campanha de rua".
Assim como a candidata petista, o democrata reforçou que diante da decisão do TRE-PE é necessária a realização de debates entre os candidatos. "Consideramos ainda mais necessária a realização de debates, a intensificação do uso das redes sociais, lives, encontros, visitas, uso do comitê, tudo dentro do limite permitido pelo decreto estadual. A campanha será intensificada nos últimos 15 dias obedecendo as regras e a necessidade de passar nossa mensagem para que o eleitor possa pautar da melhor maneira a sua escolha no dia 15", afirmou.
A assessoria de imprensa de João Campos foi procurada pelo JC para que o candidato comentasse o tema, mas até o fechamento desta matéria não encaminhou resposta.
Apesar do que declararam os candidatos de oposição, analistas consultados pela reportagem disseram acreditar que o clima da campanha deve sim esquentar nos próximos dias. Em partes, a opinião dos especialistas é baseada nos movimentos dos próprios postulantes, que partiram para o ataque direto nos últimos dias. A Delegada Patrícia e Mendonça, por exemplo, trocaram farpas no guia e nas redes sociais. No debate promovido na quinta-feira pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), foi a vez de Marília bater de frente com João, afirmando que, ao votar em Aécio Neves (PSDB) para presidente em 2014, o hoje deputado federal colaborou para a ascensão da figura do presidente Bolsonaro.
“Eu acredito que a disputa pelo segundo lugar vai se acirrar a partir de agora. A gente já viu que uma possível trégua que tinha sido desenhada lá atrás, quando os candidatos ainda evitavam se atacar para conseguir um certo apoio no segundo turno, foi rompida quando Mendonça e a Delegada Patrícia começaram a brigar, o que faz todo o sentido do ponto de vista eleitoral, porque ele precisa pegar votos dela, mas isso não está conseguindo gerar os resultados esperados. Pelo que estamos vendo até agora, João Campos passa para o segundo turno em primeiro e a disputa pelo segundo lugar vai ficar entre Marília Arraes e a Delegada Patrícia”, opinou o cientista político Antônio Lucena, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Professor da Faculdade Damas, o cientista político Elton Gomes corrobora com a ideia de que a campanha recifense deve ficar mais dura nesta reta final e chama a atenção para o fato de que o principal alvo dos candidatos, depois do próprio João, deve ser a Delegada Patrícia. “É razoável que você acredite que, a exemplo do que ocorreu em outras eleições, várias campanhas se unam para desconstruir a imagem da delegada, porque algumas pesquisas mostram que ela seria a única com chances de vencer o candidato do governo no segundo turno. É provável que a candidatura mais à direita de Mendonça Filho e a candidatura mais à esquerda de Marília Arraes passem a fustigar a imagem da delegada como uma pessoa que falou mal da cidade, isso pode ser usado contra ela”, pontuou o docente, relembrando o episódio dos posts que a policial fez há cerca de 10 anos no Facebook referindo-se à capital pernambucana como “Recífilis” e fazendo outros comentários de cunho preconceituoso.