A apenas dois meses da época em que é celebrado o Carnaval, o cenário ainda é de imprevisibilidade sobre a sua realização, considerando a situação da pandemia da covid-19 diante da nova variante Ômicron. Em meio aos debates que só se intensificam sobre o tema no estado, o presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Marcelo Canuto, considera a possibilidade de realização da festa em moldes diferentes dos tradicionais, em ambientes fechados e com a exigência do cartão de vacinação.
A reflexão de Canuto foi feita durante sua participação em uma Audiência Pública promovida pela Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), intitulada "Carnaval 2022: segurança, infraestrutura e trabalho". Ele cita o formato aplicado atualmente na festa dos 109 anos de nascimento de Luiz Gonzaga em Exu, no sertão pernambucano, que poderia ser adotado no Carnaval da Região Metropolitana do Recife e Zona da Mata.
"Estamos fazendo (festa) em Exu, no Parque Asa Branca, fechado, mobilizamos bombeiros, vigilância sanitária, segurança, polícia, secretaria de saúde. Só entra lá com as carteiras de vacinação. Isso lá no Sertão. De repente, caso haja uma proibição parcial podemos tentar reproduzir algo em alguns espaços aqui nossos, da RMR, mata sul, mata norte. É uma construção que vai depender muito da indicação da vigilância sanitária", projetou o presidente da Fundarpe.
Marcelo Canuto defendeu uma política voltada para não permitir que o setor cultural paralisado no Carnaval. "Talvez possamos ter o público sob o controle. E tem uma importância que para mim é principal de mover a cadeia cultural e artística, não deixar que esses atores, durante o ciclo cultural, parem completamente como aconteceu com os últimos que aconteceram", completou.
A audiência foi solicitada pelo mandato coletivo das Juntas, representado na ocasião por uma de suas integrantes, Carol Vergolino. Sob a perspectiva de discutir o "carnaval possível" para 2022, foram convidados ao debate o secretário de Cultura de Pernambuco, Gilberto Freyre Neto, os vereadores do Recife Marco Aurélio Filho (PRTB), Dani Portela (PSOL) e Ivan Moraes (PSOL), representantes da classe cultural e também da área da saúde.
O presidente da comissão, deputado Romário Dias (PSD), foi um dos que lamentou a ausência de representantes da Secretaria de Saúde de Pernambuco que, segundo Carol Vergolino, foram convidados.
"Eu acho o secretário de Saúde um dos melhores secretários de saúde do Brasil, uma pessoa realmente que se dedica, que conhece a matéria, mas é lamentável a sua ausência hoje, sinceramente é lamentável", disse.
Segundo Gilberto Freyre Neto, há uma preocupação do governo estadual sobre como a covid-19 e sobretudo a variante Ômicron pode pôr em risco o resultado do combate à pandemia em Pernambuco, caso haja Carnaval.
"A existência de um carnaval com uma escala de um milhão de pessoas na rua obviamente cria um ambiente muito propício à disseminação de uma variedade enorme de cepas, que podem atrapalhar o sucesso daquilo que a gente está tendo, conquistado a partir de uma rígida manutenção de políticas de proteção contra a pandemia", avaliou.
Em contrapartida, ele falou sobre o esforço na manutenção dos ciclos criativos, ameaçada também pela não realização das grandes festas. "A paralisação dessas atividades coloca em risco obviamente a própria tradição. É feito uma receita de bolo. A receita de bolo só é viva enquanto o bolo é preparado. Quando ela é registrada em papel, é meramente um registro documental. Se você não prepara aquele bolo com certa frequência você vai perdendo a referência da própria receita. O Carnaval é assim, a Semana Santa é assim, o Ciclo Junino é assim, o Natal é assim", apontou o secretário.
Carol Vergolino pediu para que não seja reproduzido no contexto do cCarnaval o cenário vivenciado na vacinação contra a covid-19, em que países menos desenvolvidos possuem baixo percentual de imunização, o que acaba provocando o surgimento de novas variantes, como ocorreu no continente africano.
"Nós precisamos fazer o nosso Carnaval igual para que todo mundo tenha direito de pular o carnaval, porque hoje a gente tem um decreto valendo de festas de até 7.500 pessoas. A gente não pode deixar que 7.500 possam pagar por um carnaval e quem não possa pagar, não possa ir. O governo do estado, as prefeituras precisam dar essas condições, porque é esse desenho que o governo do estado vai dar para que agente não repita o apartheid vacinal no mundo nem a desigualdade social do estado no nosso Carnaval", argumentou Carol.
Na avaliação da codeputada, é preciso definir que medidas serão tomadas para garantir a participação da população das periferias na festa. "Achamos importante ter todas as festas, mas que a periferia e que o grande carnaval histórico da nossa cidade também tenha direito. Quais são os espaços que podemos viabilizar para que essas festas de 7.500 pessoas possam gerar renda pra todos e todas? Como o governo do estado está dialogando com outros estados e municípios?", questionou. "O Carnaval não é só uma festa, só não é só um estado de espírito, o que já seria muito. O Carnaval faz parte da identidade e é o que nos faz pernambucanos. Por isso que precisa ser cuidado como tal", finalizou a codeputada.
A médica epidemiologista Fátima Militão, representante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) trouxe uma visão da área da saúde diante das possibilidades para o Carnaval 2022. Ela disse não desconsiderar a cadeia produtiva envolvida na festa, mas alertou para o "cenário epidemiológico de uma total incerteza". Para ela, o princípio que deve nortear a discussão sobre o tema é a precaução.
"Nós não temos condições de apostar em riscos potenciais, em dizer que vamos colocar 7.500 em pessoas dentro de um ambiente fechado e as pessoas vão estar protegidas. Mesmo os blocos pequenos, essa pessoa que se contaminou volta para casa, volta a falar com idosos, transmite para outras pessoas. Eu acho que é uma total imprudência haver carnaval. Eu considero, como epidemiologista, que não há cenário seguro para que nós possamos ter Carnaval", ponderou.
Ela afirma que "a cultura não pode ser homicida" e que seguirá preservada mesmo que pelo segundo ano não ocorram as folias de momo. "O grande desafio não é encontrar que forma de carnaval nós podemos ter, mas sim encontrar que forma de ajuda financeira nós podemos encaminhar para esses carnavalescos do maracatu, do bloco, de várias instituições que promovem o carnaval. Isso sim os senhores deputados, vereadores devem estar pensando que solução dar para esses carnavalescos", completou.
A Comissão Especial sobre a Retomada do Carnaval, da Câmara Municipal do Recife, promoveu, nesta quinta-feira (9), um debate com vereadores das cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza e Olinda, para tratar da possibilidade de realização das festividades no próximo ano. No encontro virtual, os parlamentares cobraram do poder Executivo dos seus respectivos municípios a responsabilidade por uma definição e um planejamento sanitário e econômico.
O debate foi presidido pelo vereador Marco Aurélio Filho (PRTB), que destacou a necessidade de se buscar um caminho de forma integrada com outras cidades, levando em consideração as medidas sanitárias em virtude da pandemia e o eixo econômico por trás do período de Carnaval. “Existe toda uma cadeia que está em volta e é justamente sobre isso que queremos falar. Ouvir os mais diversos personagens para que todos se sintam representados”, afirmou.
O vereador Ivan Moraes (PSOL) chamou atenção para um ponto que deveria ser colocado como ponto central neste debate: “Qual é o Carnaval que teremos?”. “Ninguém vai conseguir defender o carnaval tradicional com milhares de pessoas, sem controle de entrada. Não existe protocolo para o Carnaval, nem distanciamento social. O que existe é a necessidade de que a regra que vale para o rico deve valer para o pobre”, declarou Moraes, referindo-se a possibilidade da permissão das festas privadas enquanto as aglomerações de ruas são proibidas.
Para o vereador de Olinda Vinicius Castello (PT), a prefeitura precisa ouvir quem faz o Carnaval na cidade. Ele se queixa da falta de organização e diálogo com pessoas que vivenciam as festividades de rua. “As violações são constantes e não podemos repetir a desorganização que foi na cidade. Não pode simplesmente aceitar que esse setor, que é tão atingido nesse contexto, não possa ter o mínimo de suporte para encontrar outras alternativas”, afirmou.
Castello também criticou o setor empresarial, declarando que existe uma tentativa de “camarotização” do Carnaval. “Não adianta o discurso de que queremos salvar a vida das pessoas, mas querendo tendenciar a aderência de um carnaval que só beneficia o setor empresarial”, disse.
Os parlamentares das outras capitais que participaram da reunião remota da Comissão Especial, cobraram dos seus respectivos executivos um posicionamento e planejamento com relação à realização do Carnaval.
O vereador do Rio de Janeiro Tarcísio Mota (PSOL), que preside o colegiado especial desta temática na Câmara carioca, disse que há uma preocupação que vem acompanhando essa cadeia produtiva desde o ano passado, a respeito dos trabalhadores e trabalhadoras que tiram seus sustentos tanto do carnaval de avenida - que se refere às escolas de samba - quanto do Carnaval de rua.
“Estávamos, sobretudo, preocupados com a construção de políticas de assistência que pudessem garantir o mínimo de sobrevivência. Infelizmente isso não aconteceu. No município do Rio de Janeiro, as políticas públicas voltadas para os trabalhadores do Carnaval aconteceram absolutamente de forma pontual, quando a prefeitura, na metade do ano, apresentou edital onde os blocos de rua poderiam se inscrever para receber os recursos, mas os trabalhadores dos barracões, que trabalham nas escolas de samba, ficaram abandonados”, criticou.
Presidente da Comissão Especial de Acompanhamento da Retomada dos Eventos de Salvador, o vereador Claudio Tinoco (DEM) explicou que o colegiado havia entregue um relatório com 11 recomendações, incluindo uma para que a decisão sobre a realização do Carnaval fosse tomada até o dia 15 de novembro.
“Seria 100 dias antes do Carnaval, com a percepção de que essa decisão pudesse influenciar de forma direta na conclusão do planejamento de diversas instituições públicas das áreas de segurança, saúde e uma série de instituições privadas também”, declarou o parlamentar. Além disso, foi estabelecido um observatório para acompanhar de perto os índices da pandemia para balizar a decisão, sendo ela positiva ou negativa.
A vereadora Marcela Trópia (Novo), de Belo Horizonte, também cobrou organização do Executivo independente se haverá ou não a realização das festividades. Segundo a parlamentar, existe uma pesquisa que aponta que 80% da população não gostaria que tivesse carnaval, mas que há preocupação com relação aos outros 20% que desejam brincar nas ruas da cidade.
“Nós tivemos 15 famílias cadastradas que trabalharam no Carnaval e tiraram uma renda extra. Tem que ser analisado o impacto econômico. Não faz sentido a prefeitura liberar eventos privados e proibir os blocos de rua”, criticou.