Entrevista

Marco Aurélio critica decisão do STF contra Daniel Silveira: ''deixou-se de reconhecer a imunidade parlamentar''

Daniel Silveira foi condenado pelo Supremo por ataques à democracia mas, em seguida, foi perdoado por Bolsonaro

Cadastrado por

Cássio Oliveira

Publicado em 22/04/2022 às 11:21 | Atualizado em 22/04/2022 às 13:59
Ex-ministro Marco Aurélio Mello - Foto: Agência Brasil

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello não concordou com a decisão da Corte contra o deputado Daniel Silveira, que foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por atacar ministros, as instituições e a democracia.

Na visão do ex-ministro, o âmbito para análise das declarações de Daniel Silveira, mesmo que elas tenham ultrapassado o razoável, é a própria Câmara dos Deputados e não o Supremo.

"O que nos vem da Constituição? A imunidade de deputados e senadores por quaisquer opiniões, manifestações e votos. Então, ultrapassou-se essa barreira e não tenho dúvida que o deputado Daniel Silveira extravasou o limite do razoável no que veiculou, mas não se deixou com a Câmara o possível julgamento do deputado sobre quebra de decoro parlamentar", disse Marco Aurélio Mello à Rádio Jornal, nesta sexta-feira (22).

Marco Aurélio Mello afirmou que se ainda estivesse no Supremo não iria adiante na decisão contra Daniel Silveira. "Concluiria pela imunidade e não iria adiante. Isso se ainda estivesse com a capa sobre os ombros e não estou mais".

O ex-ministro não concorda que um poder atue na área de outro. Ele reforçou na entrevista que a Câmara que deveria julgar uma possível quebra de decoro de Daniel Silveira e o Supremo, em sua análise, não deveria ter agido no caso.

"Criou-se esse impasse, os Poderes deveriam atuar nas áreas reservadas constitucionalmente. Quando estava na bancada (do STF), dizia que o Supremo precisa observar o autocontrole, não pode invadir área que não é dele. E nesse caso concreto, penso que se deixou de reconhecer a imunidade parlamentar. Agora, o problema seria, sob a minha ótica, da Câmara quanto à possível processo quebra de decoro, tendo em conta as palavras versadas pelo deputado Daniel Silveira", comentou.

Indagado se imunidade permite que os deputados falem qualquer coisa sem punição, o ex-ministro disse sim e que isso visa preservar a atuação independente dos parlamentares. "Como está na Constituição, ele não responde por opiniões, palavras e votos, ele não responde civil e penalmente por isso. É o que está na Constituição. Precisamos amar mais a lei básica do país". 

Perdão

Em sua transmissão ao vivo, Jair Bolsonaro afirmou que o aliado "somente fez uso de sua liberdade de expressão" - REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Após a condenação de Daniel Silveira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um decreto no Diário Oficial da União (DOU) concedendo o perdão da pena imposta ao deputado federal.

E esse perdão, na visão de Marco Aurélio, também está em "descompasso indesejável". "O presidente acionou o instituo da graça, que está previsto no Código de Processo Penal, mas não na Constituição, e afastou do cenário a condenação. O que nos vem da Constituição é o indulto, sempre coletivo, basta que lembremos do indulto natalino, e a possibilidade de comutação da pena, que é a substituição da pena restritiva da liberdade, mas não a possibilidade de dar o dito pelo não dito como acabou dando", afirmou.

Bolsonaro justificou a "graça constitucional" dizendo que a sociedade encontra-se em "legítima comoção em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião".

O texto do decreto publicado pelo presidente prevê perdão para todas as punições determinadas pelo Supremo. "A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória", diz o texto assinado por Bolsonaro. A medida "inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos".

O mandato do presidente é marcado por embates com o STF, que já adotou medidas restringido ações do próprio Bolsonaro, ou até levando à prisão alguns de seus apoiadores.

Marco Aurélio disse não ver solução, neste momento, para o atrito entre os Poderes da República. "Espero que a temperança reine e haja compreensão. De que forma não posso explicar, porque creio que o STF não volta atrás no julgamento nem tão pouco o presidente. Ou seja, nós temos um descompasso que não contribui ao fortalecimento da nossa democracia", comentou.

Condenação

O parlamentar bolsonarista Daniel Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão - EVARISTO SA/AFP

Na quarta-feira, o plenário do STF condenou Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão em regime inicialmente fechado, e aplicou uma multa de R$ 212 mil, em razão de ameaças e incitação à violência contra ministros da Corte. Também determinou a perda do mandato político de Silveira e a perda dos direitos políticos enquanto durassem os efeitos da pena.

A Constituição define que cabe privativamente ao presidente "conceder indulto e comutar penas". Já o Código de Processo Penal estabelece que "a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente".

Retrata o descalabro, temos um antagonismo que é ruim para a República, é ruim para a democracia e não vejo, pelo menos próxima, uma solução para o que ocorreu. O presidente não recuará e os colegas também não.
Marco Aurélio Mello sobre antagonismo entre Executivo e Judiciário

A condução do processo contra Silveira também foi questionada pelo ex-ministro. Ele enxerga que a ação deveria ter sido distribuída e não relatada diretamente por Alexandre de Morares, ministro atacado por Daniel em seus vídeos.

"Tudo que começa errado tende a complicar-se. O desvio ocorreu quando não se reconheceu a imunidade. Aí tivemos esse desdobramento (o perdão), que também está distanciado, ao meu modo de ver, da Constituição Federal. O inquérito nós imaginamos que decorra de ato da autoridade policial ou de ato originário de manifestação do Ministério Público, mas, no caso concreto, tivemos a instauração pela própria vítima e não se levou à distribuição, se escolheu relator o ministro Alexandre. Quer dizer, o que começa errado tende a se complicar e é ruim em termo de segurança jurídica", afirmou.

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