Ao falar em indígenas, um arquétipo é imediatamente montado para a maioria. Nudez. Cocar. Pinturas corporais. Ocas. Estes são alguns dos símbolos que predominam neste Dia do Índio, 19 de abril, e que unificam em uma só imagem mais de 817 mil brasileiros que assim se autodeclaram ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E que levam, aliado a isso, o mais infeliz dos títulos: o de atrasados.
Contudo, o elo entre os 305 povos indígenas brasileiros catalogados é o de que são considerados os “originários” da terra, ou seja, estavam no País antes de qualquer processo de colonização — conforme explicação do antropólogo Renato Athias, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Eles têm uma língua, entendimento e cosmologia próprios, filosofia e uma relação com a terra específicas. Não existe um grupo indígena igual ao outro, são todos diferentes de acordo com suas práticas culturais e tradicionais. O que diferencia é que estão no Brasil antes de um processo colonial. Tem algumas pessoas que não vivem em uma comunidade indígena, mas sabendo que os avós viveram, assumem a identidade, enquanto outras não. A interpretação da identidade cabe a cada um”.
Dessa forma, não é necessário viver em um aldeamento ainda hoje para ser considerado um índio — apenas que os descendentes destes se reconheçam como um. Tanto que o censo de 2010 apontou que 320 mil índios viviam na zona urbana do Brasil, 36,2% do número total. Outros 570 mil viviam na zona rural.
A problemática do Dia do Índio
Há linhas de pensamento que, inclusive, desconsideram a comemoração deste 19 de abril, de acordo com Athias. “Alguns de nossos pesquisadores indígenas criticam a ideia do Dia do Índio, porque o ano todo seria o dia de celebrá-los, já que são representantes originários que estão aqui antes de Pedro Álvares Cabral chegar.”
Ainda assim, ao apresentar a diversidade, é possível homenagear os povos indígenas sem desrespeitá-los. Um exemplo é deixar de lado o uso de fantasias que reforçam o arquétipo do índio único, de acordo com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).
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"Cada povo tem sua especificidade, forma de praticar a cultura e os costumes. Quando a sociedade nos homenageia se fantasiando, por exemplo, é como se todos colocássemos a mão na boca e fizéssemos barulho, e não fazemos isso. Ou nos trata como se fossemos o indígena romantizado, do tempo do descobrimento, ou o amazônico", pontua Sarapó Pankararu, de 40 anos, que vive em aldeia em Tacaratu, no Sertão do Estado.
Ele orienta que as escolas, por exemplo, pesquisem e se dediquem a ensinar as diferenças e as dificuldades dos grupos existentes em Pernambuco neste 19 de abril. "Este dia não é comemorativo, é de muita tristeza. Simbolicamente é o Dia do índio, mas nós, nativos, não temos nada a comemorar, pelo contrário, só temos desgraças. Ano após ano nossas populações são atacadas e nossas culturas sofrem tentativas de dizimação; então não enxergamos que o governo dê importância às nossas populações."
A luta indígena atual
Entre os dias 4 e 14 de abril, cerca de oito mil descendentes de povos originários integraram o 18º Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, no Distrito Federal. As principais demandas foram pela demarcação de terras e contra a exploração de recursos em reservas indígenas. Em Pernambuco, a maior preocupação hoje, segundo o NEPE, é a construção de usinas nucleares próximas ao Rio São Francisco.
“Os processos fundiários estão parados desde que o novo governo assumiu, inclusive em terras que já tinham sido estudadas. A ameaça maior é a de não demarcá-las. No Estado, o investimento nas usinas é uma preocupação, porque vai impactar as terras indígenas dessa região”, conta Athias.